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  • Andy Robinson: Em Davos existe uma epidemia de evasão fiscal

    Da Redação em 03 de Maio de 2016    Informar erro
    Andy Robinson: Em Davos existe uma epidemia de evasão fiscal

    O jornalista britânico, radicado na Espanha, Andy Robinson, está lançando um livro polêmico que procura revelar os segredos do paraíso fiscal de Davos, na Suíça, onde acontece anualmente o Fórum Econômico Mundial. Intitulado Um Repórter na Montanha Mágica (Editora Apicuri, 224 páginas, R$ 39), a obra conta como os bilionários do mundo manipulam o dinheiro para fugir dos impostos. Andy, que teve a oportunidade de cobrir quatro cúpulas do fórum para o jornal La Vanguardia, da Espanha, revela que apenas o Cantão de Zug, a 30 km de Davos, tem mais de 30 mil empresas registradas, muitas delas sedes europeias e globais. “As empresas faturam seus ganhos no sistema bancário local para fugir dos impostos em seus países de origem”. 

    Em entrevista exclusiva ao Bafafá, Andy Robinson aborda vários temas como os BRICs, Consenso de Washington, governo Dilma, utopias. E faz uma análise socioeconômica da atual situação financeira da Europa, principalmente a partir da realidade grega e espanhola. “Muitos países estão neste momento em caso de insolvência, vítimas de uma evasão fiscal selvagem”. Para ele, a decisão da Europa de enquadrar a Grécia é porque ela não quer que seu exemplo seja seguido em outros países na luta contra o projeto neoliberal. “A crise mostrou as injustiças do capitalismo, mas está abrindo portas para uma alternativa”.

    Como surgiu a ideia do livro?

    A Montanha Mágica é a novela de Thomas Mann que fala sobre a queda da alta burguesia europeia no início do século XX. No livro, faço uma metáfora com Davos e sua elite econômica tão decadente quanto aquela. Tive oportunidade de cobrir quatro conferências do Fórum Econômico Mundial até a crise econômica de 2008. Procuro mostrar as coisas por trás da fachada. Davos é uma operação de relações públicas, onde a elite utiliza todos os meios para dar a impressão de que é filantrópica, de bom coração. O lema do Fórum Econômico Mundial é “Comprometidos para melhorar o mundo”. É um acinte ver esse conjunto de bilionários fazendo apenas uma operação de imagem, mobilizando celebridades, como Bono Vox com sua calça de couro preta, para tentar dar uma cara contracultural ao evento. Tanto que Davos utiliza mais uma linguagem de centro-esquerda do que neoliberal. O político que personifica Davos é Tony Blair ou Bill Clinton. Eles usam isso para disfarçar o projeto neoliberal de socialdemocrata.

    O que destaca no livro Um repórter na Montanha Mágica?

    Meu livro não é exatamente um trabalho de investigação que procura o segredo escondido da elite. Ele reúne uma série de crônicas que escrevi, todas em primeira pessoa, mostrando diferentes aspectos do Fórum de Davos e o papel da mídia.

    É certo que as empresas multinacionais instaladas em Davos não pagam impostos?

    Em Davos, existe uma epidemia de evasão fiscal. E ainda tentam vender a imagem de grandes gestores do setor privado. O Cantão de Zug, a 30 km de Davos, tem 15 mil habitantes e 30 mil empresas registradas, muitas delas sedes europeias e globais. A sede do Burger King, por exemplo, ocupa uma sala com quatro mesas e tem apenas cinco funcionários. As empresas faturam seus ganhos no sistema bancário local para fugir dos impostos em seus países de origem. Trata-se de um paraíso fiscal dentro de um paraíso fiscal. Em Zug, paga-se menos imposto, em alguns casos nenhum imposto. Uma das razões de os ricos se encontrarem na Suíça é a discrição quanto aos seus patrimônios. Eles fazem operações de contabilidade criativas que permitem que eles faturem o seu dinheiro sem pagar imposto. Estamos falando de dinheiro eletrônico, ele não se move. Até pouco tempo era delito penal, passível de prisão, se alguém divulgasse dados de uma conta na Suíça.

    Isso não é fraude fiscal?

    É o grande crime do século, que tem ido de mal a pior. Há grandes empresas de consultoria que se dedicam exclusivamente a elaborar engenharias fiscais para que seus clientes paguem menos impostos. Isso é feito de maneira “legal”. Elas têm como propósito apenas burlar o fisco em seus países.

    Como isso prejudica o mundo?

    Muitos países estão neste momento em caso de insolvência, principalmente no sul da Europa, como Espanha e Grécia, vítimas de uma evasão fiscal selvagem. A elite grega não paga impostos, todo o seu dinheiro está nos paraísos fiscais de Liechtenstein e Luxemburgo. Neste mesmo país, a elite alemã guarda o seu dinheiro. Como as elites não pagam impostos, os países têm de adotar políticas de austeridade.

    Eles agem politicamente para desestabilizar governos eleitos?

    Paul Lemann, principal acionista do Burger King, recentemente foi apontado como financiador do movimento “Vem para a Rua” que, através de uma fundação chamada Educar, pede o impeachment da Dilma. Com isso, podemos ver um pouco o outro lado de Davos.

    O mundo vive uma grave crise?

    A partir de 2008 com o colapso americano, o problema foi se deslocando para a Europa, onde trouxe a maior crise desde os anos 30. E agora está chegando aos BRICs.

    A eventual saída da Grécia do Euro pode comprometer a unidade europeia?

    Se a Grécia sair da Zona do Euro, o princípio da união monetária europeia fica comprometido, uma vez que era tido como irreversível. Ai fica a semente da dúvida: se a Grécia pode sair, isso pode acontecer também com Portugal, Espanha, Irlanda.

    O Banco Central Europeu manda mais que os governos?

    Com a exceção da Inglaterra, todos os países europeus não têm soberania macroeconômica. A Alemanha é a superpotência na Zona do Euro e impõe sua política aos demais. Os formuladores da política econômica europeia são ideólogos que se disfarçam de técnicos.

    O Consenso de Washington fracassou?

    Fracassou na América Latina, mas está vivo na Europa. O projeto neoliberal na Zona do Euro é mais selvagem do que nunca. Na América Latina, os governos de esquerda têm combatido a pobreza e criado uma alternativa. Na Grécia até a tuberculose, conhecida como a “enfermidade dos pobres”, voltou.

    Como a Europa vê o Brasil?

    Olha, temos tantos problemas que nem olhamos para o Brasil (riso). No entanto, a mídia na Europa copia o conteúdo de O Globo, pois tem os mesmos interesses corporativos.

    E a formação dos Brics?

    É um modelo de capitalismo que não é exatamente ideal para os “Davos Man”. O problema é os BRICs também virem a ser engolidos por Davos. É um instrumento financeiro que surge num momento de grande debilidade do FMI. Mas, em Davos estão todos, inclusive os chineses (riso).

    Os Estados Unidos têm interesse no impeachment da Dilma?

    Acho isso exagerado. Obama prefere manter boas relações com Dilma. Não creio que os EUA queiram um golpe de estado no Brasil. Na verdade, estão mais interessados nos assuntos econômicos.

    Para onde caminha o mundo?

    Estou um pouco mais otimista com os movimentos políticos saídos das ruas na Grécia e na Espanha. Neste último, ganharam as eleições recentemente em Barcelona e Madri. E ainda há eleições nacionais em novembro, com grandes chances de ganhar. Na Grécia, acho que o partido Syriza está fazendo um trabalho fantástico e valente. É um grande favor prestado a outros povos europeus, apesar de ser um sacrifício. Está começando a dizer “chega, não podemos mais”. Na Grécia, os partidos de centro praticamente desapareceram, principalmente o socialista. Acontece o mesmo na Espanha. A decisão da Europa de enquadrar a Grécia é porque ela não quer que seu exemplo seja seguido em outros países na luta contra o projeto neoliberal.

    As utopias acabaram?

    A crise tem sido tão profunda na Zona do Euro que estamos começando a ver uma latino americanização das políticas na Europa (riso). Isso tem um componente de utopia, pois parte de movimentos sociais e da democracia direta. A crise mostrou as injustiças do capitalismo, mas está abrindo portas para uma alternativa.

    Julho de 2015, entrevista concedida ao editor do Bafafá Ricardo Rabelo.



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