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  • Francis Hime: “Eu pertenço à segunda geração da bossa nova”

    Agenda Bafafá em 04 de Fevereiro de 2021    Informar erro
    Francis Hime: “Eu pertenço à segunda geração da bossa nova”

    O compositor, arranjador, pianista e cantor Francis Victor Walter Hime, ou apenas Francis Hime, começou na música aos seis anos e nunca mais parou. Carioca, nascido em 1939, possui formação em composição, regência, harmonia e arranjo.
     
    O artista foi um dos precursores da bossa nova ao lado de Edu Lobo, Dori Caymmi e Marcos Valle. Sobre a paternidade do estilo não tem dúvida: “Foi um encontro entre Tom, Vinicius e João Gilberto. Eu pertenço à segunda geração da bossa nova”. Questionado sobre a influência do jazz, ele garante: “Do jazz a bossa nova trouxe uma exploração harmônica mais sofisticada. Já o jazz assimila a melodia, onde somos fortíssimos”.
     
    Em entrevista ao Bafafá, Francis Hime fala sobre os primórdios da carreira, infância, juventude, música, projetos e política. Ele elogia o governo Dilma. “O grande avanço até agora foi a diminuição da desigualdade social. Esse é o grande flagelo do Brasil”. Questionado se tem utopia, não titubeia: “Tenho o sonho de um Brasil mais justo, mais igual, onde seja eliminada a palavra miséria”.
     
    Como foram a sua infância e juventude?
    A minha infância foi permeada pela música. Comecei a estudar piano aos seis anos de idade e frequentava o Conservatório Brasileiro de Música. Estudei no Santo Inácio, no São José e no Andrews onde provei a liberdade que não conhecia. Saía de casa escondido à noite para as boates em Copacabana. Meu pai dizia que eu era vagabundo e me deu três opções: estudar numa escola jesuíta em Caraça - MG, servir na Marinha ou ir para a Europa. Escolhi a última (riso). Aos 15 anos fui estudar num colégio interno em Lausanne, na Suiça, onde fiz o correspondente ao antigo científico, hoje ensino médio. Mesmo não tendo estudado música lá, foi um período importante, pois tive acesso a recitais, concertos e festivais com diferentes orquestras e músicos. Isso despertou o amor pela música clássica que até então rejeitava. Começou também a vontade de compor e fazer música.
     
    Você se formou em engenharia?
    Não descansei enquanto não tinha um diploma na mão. Me formei em engenharia ao contrário de outros que foram mais sensatos e abandonaram os estudos, como o Tom Jobim que largou a Arquitetura no segundo ano e o Edu que fez  Direito e parou também no segundo ano (riso). Nunca exerci a profissão já que a música falou mais alto.
     
    O seu avô era músico?
    O meu avô, Francis Walter Hime, atuava na área de aço e ferro e, a partir do nada, virou um homem extraordinariamente rico. Ele tinha também uma fazenda em Jacarepaguá onde criava cavalos. Hoje o local chama-se Passaredo e existe uma escola com o nome dele. O local abriga ainda um condomínio ecológico modelo no país. Ele também foi pianista precoce e chegou a tocar no Teatro Municipal, mesmo nunca tendo sido música profissional.
     
    O que foi determinante para você virar músico?
    O encontro com o Vinicius de Moraes foi determinante. Ele era amigo da minha mãe, a pintora e retratista Dália Antonina, e frequentava minha casa. Eu tocava a valsa Euridice e ele gostava muito. Ele falava para minha mãe que eu tinha de fazer música e largar a engenharia (riso). Em 1963 passamos a fazer parcerias.
     
    Depois ainda foi morar em Los Angeles?
    Sim, durante quatro anos. Lá toquei com grandes músicos e estudei orquestração, composição, contraponto, regência.
     
    Quando foi que você ouviu bossa nova pela primeira vez? Foi ainda na Suiça, pela Rádio Agostinho dos Santos. Ouvi a música “Felicidade” com o João Gilberto. A música me impressionou muito. Logo que eu cheguei me enturmei já que tinha um estilo batuqueiro de tocar piano e tentava pegar a cadência da bossa nova. Aos poucos fui me adaptando (riso).
     
    Qual foi o papel do Tom Jobim?
    Ele foi uma revolução! Eu meus companheiros de geração somos todos alucinados por sua música. Ele era um gênio. Quando me perguntam qual música dele gostaria de ter composto, respondo que todas (riso). Ele e Villa-Lobos são os músicos do século XX no Brasil.
     
    E o João Gilberto?
    Ele pegou essa coisa do violão que foi fundamental para dar a junção com a música do Tom. Ele trouxe a divisão lírica e a voz baixa. Sem ele a bossa nova teria sido outra coisa. A batida de violão do João se dava muito bem com o jazz, isso foi determinante para o sucesso da bossa nova nos EUA. Isso era único, fazer aquilo cantando e tocando (riso). Ele como compositor tem pouca coisa, seu forte era mesmo a interpretação.
     
    Quem afinal criou a bossa nova?
    Foi um encontro entre Tom, Vinicius e João Gilberto. Na verdade isso remonta lá atrás com Pixinguinha e Dorival Caymmi. Não foi construída da noite para o dia.
     
    A bossa nova bebeu do jazz ou o jazz bebeu da bossa nova?
    Foi recíproco. Do jazz a bossa nova trouxe uma exploração harmônica mais sofisticada. O jazz assimila a melodia brasileira, onde somos fortíssimos (riso), coisa que os americanos não têm.
     
    Você é artífice também da bossa nova?
    Eu pertenço à segunda geração da bossa nova. Primeiro vem o Tom, João, Carlinhos, Vinicius, Nara, Baden, Menescal. Depois eu, Edu, Dori, Marcos Valle.
     
    Vocês tinham idéia de que este estilo iria encantar o mundo?
    Ninguém tinha noção, a coisa começou a tomar vulto internacional depois que o Frank Sinatra convidou Tom Jobim a gravar em conjunto um disco só com músicas da bossa nova.
     
    Por que a bossa nova estagnou?
    Não acho que ela tenha estagnado. Foi um movimento que teve grande repercussão, mas que se desenvolveu influenciando outros estilos. A sua maior repercussão foi junto aos músicos estrangeiros. 
     
    Concorda com a Beth Carvalho de que a Jovem Guarda foi um atraso cultural?
    São movimentos diferentes, não sei se ela pensaria assim hoje. O mais importante na música brasileira é a diversidade, a riqueza rítmica, melódica. Nada atrasa ou adianta. Não compartilho com esse pensamento. Acho que a nossa música é ampla e quanto mais a gente cultivar isso melhor.
     
    Michel Teló é música brasileira?
    Eu não gosto muito não! (riso). Mas, é uma questão de gosto. É música brasileira também (riso).
     
    O que acha do funk?
    Também não é muito a minha praia (riso). Ele é uma expressão mais voltada para a dança. Você não consegue ouvir sem ficar parado, né? (riso).
     
    O que gosta de ouvir?
    Desde Pixinguinha, Caymmi, Ari Barroso, passando pela bossa nova, Tom, Milton, Chico, Caetano, Dori, Guinga. Ouço também música clássica, talvez mais que música popular.
     
    Como você está vendo a atual MPB?
    Tem coisas muito interessantes. A garotada na Lapa tocando samba e choro é muito legal. Essa variedade eu gosto.
     
    Pode surgir algum estilo novo? Não há limites. Tudo pode ainda ser inventando incorporando influências externas como música oriental, africana.
     
    O que pode ser feito para revelar novos valores? O mais importante é o uso da Internet, é uma ferramenta que faz diferença. Na minha época isso era feito através dos festivais. Gostei muito da entrevista do Adonis Karan ao Bafafá onde ele diz que quer reativar este formato usando a Internet.
     
    O que acha do iminente desaparecimento das gravadoras?
    As gravadoras estão numa crise há uns seis, sete anos. Não acho que vão desaparecer, acho que vão se reciclar.
     
    Por que as rádios só tocam artistas dos anos 70 e 80?
    Não sei se é uma política das gravadoras, apesar de terem menos importância. Eu ouço pouco rádio (riso).
     
    Tem alguma utopia?
    Tenho o sonho de um Brasil mais justo, mais igual, onde seja eliminada a palavra miséria. Essa é a nossa grande chaga.
     
    Outubro 2012


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