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  • Gabriel da Muda: Samba é samba

    Agenda Bafafá em 28 de Maio de 2016    Informar erro
    Gabriel da Muda: Samba é samba

    Gabriel Cavalcante aprendeu a tocar cavaquinho aos 10 anos frequentando as rodas de samba da Muda, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Aos 23 anos, lidera a roda Samba da Ouvidor, especializada em sambas raros do início do século XX. Conhecido também como Gabriel da Muda, é parceiro e amigo de Moacyr Luz, além de interprete oficial do bloco carnavalesco Nem Muda nem Sai de Cima. Admirador do sambista Candeia, morto no final da década de 70, Gabriel recentemente descobriu 30 músicas inéditas do compositor. “Minha maior inspiração é o Candeia. Para mim, ele foi além de compositor, foi uma sumidade do samba”.

    Em entrevista ao Bafafá, Gabriel fala sobre vários temas e garante não ver diferença entre as rodas da Zona Sul e do Subúrbio. “De uns tempos para cá, as pessoas entraram numa de ficar rotulando que isso é samba de subúrbio, isso é samba de Zona Sul. Para falar a verdade, eu acho que isso não existe”, desabafa.

    Como começou sua história com o samba?
    Eu sempre fui um apaixonado por música. Minha mãe ouvia sempre bossa nova e meu pai era roqueiro. Uma loucura! Aos dez anos, ficava naquela dúvida de criança entre o cavaquinho e o violão. Como havia muita gente que tocava violão, fiquei com o cavaquinho. Então, meu pai me deu um de aniversário. Aí comecei a me interessar mais, a perceber as notas, frequentar as rodas de samba. Eu sempre ia às rodas dos “coroas” e ao Nem Muda Nem Sai de Cima (bloco carnavalesco) para ficar olhando, tentando captar alguma coisa dali.

    Quem é a sua maior inspiração no mundo do samba e por quê?
    No samba, minha maior inspiração é Candeia. Para mim, ele foi além do compositor, além da música. Foi alguém que lutou muito para que as pessoas que respiravam samba, também, estivessem no meio dele. Ele fundou a Quilombo (Grêmio Recreativo Arte Negra Escola de Samba Quilombo) na década de 70 e sempre defendeu a comunidade, a rua e o samba nas suas raízes. Para mim Candeia não foi só um dos maiores compositores, mas uma personalidade do samba. Outra inspiração é Cristina Buarque. A forma com que ela trata o samba deveria ser exemplo para todos. Uma pessoa super simples, que viveu uma vida inteira para não deixar os grandes compositores caírem no esquecimento. Ela é uma pessoa despida de qualquer vaidade e isso me anima muito nos dias de hoje. As pessoas só pensam em ganhar dinheiro, em fazer sucesso e acabam deixando o samba de lado. Cristina é contrária a isso. Não tem esse negócio de artista com ela. 

    Você também gosta de pesquisar sobre sambas e compositores antigos. Há muita coisa ainda inédita?
    Com certeza. Ano passado eu e meus amigos conseguimos o contato do professor João Batista Vargens, o biografo de Candeia. Fomos à casa dele em Rio Bonito e demos uma olhada em algumas fitas. Descobrimos mais de 30 músicas ainda inéditas. Digitalizamos 16 fitas cassetes. Algumas foram disponibilizadas num CD que veio junto com a terceira edição da biografia de Candeia. Depois, as que ficaram de fora resultaram em um trabalho do Terreiro Grande. Eu acredito também que deva ter muita coisa inédita do Cartola, Nelson Cavaquinho, Wilson Batista. Tem muita coisa perdida por aí. Dos vivos também. Deve ter coisa do Nelson Sargento, Casquinha, Monarco, Waldir 59, grande parceiro de Candeia, que mora no Engenho Novo e ninguém se lembra dele.

    Quais músicos e compositores das antigas que mereceriam destaque?
    Da antiga... Se eu for falar vai ser difícil terminar (risos). Começaria pela turma do Estácio: Pires, Marçal e Milton Bastos. Na Mangueira, temos Cartola, Zé Ramos, Hélio Cabral, Geraldo das Neves, Zé da Zilda, grande compositor da Mangueira também conhecido como José Gonçalves e Zé com Fome. Da turma do Salgueiro tem Caxiné, Noel Rosa de Oliveira, Anescarzinho e Djalma Sabiá que está vivo e é autor de grandes sambas enredo. Hoje, ele anota jogo do bicho na Rua Gabriela Prado Maia (Tijuca). Da Império tem Mestre Fuleiro, Dona Ivone Lara, Seu Molequinho, um dos fundadores da Império Serrano e autor de sambas de terreiro maravilhosos. Na Portela temos Manacéa, Chico Santana, Armando Santos, Casquinha, Alfaiate e Candeia.

    E da nova geração?
    Eu sou meio purista com relação a esse assunto. Prefiro a galera da antiga, porque ela criou uma base muito forte, muito boa. Hoje em dia não existe mais samba de terreiro, aquele samba feito em determinado momento do ano no terreiro da escola. Porém, tem uma rapaziada de São Paulo que está fazendo samba e é fortíssima. O Terreiro Grande, por exemplo, faz samba com amor, sem a preocupação em ganhar dinheiro. Eles fazem e cantam o que gostam. Eu ouvi falar por aí que a Mangueira agora vai botar funk e hip hop, depois dos ensaios. Eu respeito muito ambos, mas as pessoas vêm isso como uma evolução, como um grande progresso da história da música. Eu já vejo de outra maneira. As raízes das escolas de samba se perderam. Qual é a raiz que o funk tem no samba?

    O que você acha da mistura do samba com outras referências musicais?
    Eu acho que tem lugar para tudo. Há vários trabalhos bacanas de samba rap, samba funk, samba rock.

    Há alguma diferença entre as rodas do subúrbio e as rodas de outros bairros?
    De uns tempos para cá, as pessoas entraram numa de ficar rotulando que isso é samba de subúrbio, isso é samba de Zona Sul. Para falar a verdade, eu acho que isso não existe. Samba é samba independente de ser no subúrbio ou na Zona Sul. Eu acredito sim que o que difere é o coração. Se a pessoa estiver na roda de samba pensando só no dinheiro, aí o negócio fica meio desvirtuado. Quando eu e o pessoal estamos numa roda, a gente está vivendo a música. A gente está querendo respirar esse lance do botequim, da amizade. É claro que é bom ganhar dinheiro com música, mas eu fico pensando é no samba, no brinde, no olho no olho. Isso é uma coisa que eu sinto muita falta hoje em dia. As coisas já estão muito prontas. Cria-se um grupo, um projeto para ganhar dinheiro. Acho que essa vontade de querer ganhar dinheiro com o samba acaba atrapalhando o processo.

    Como é liderar o Samba da Roda Ouvidor e ser interprete oficial do Nem Muda, Nem Sai de Cima?
    Comecei a minha vida no Nem Muda, Nem Sai de Cima. Eu ia muito lá desde pequeno para ver os “coroas” tocando e reverenciando a Tijuca. Em 2004, me tornei puxador oficial do bloco. E desde 2007 estou no Samba da Roda do Ouvidor. Na verdade, as rodas já existiam na Rua do Ouvidor e eram organizadas pelo Rodrigo (livraria Folhas Secas). Um dia fizemos uma roda em homenagem a Wilson Monteiro. O dono do Antigamente, Carlinhos Português, gostou tanto que nos chamou para fazer uma roda quinzenal.

    Que lugares você recomendaria para quem acaba de chegar ao Rio e quer ouvir samba?
    O Rio tem vários lugares para se ouvir samba. No “Trapiche Gamboa”, às quartas-feiras, tem a roda com Samba de Fato que faz um samba maravilhoso e apresenta músicas inéditas de Mauro Duarte. Segundas, tem o “Samba do Trabalhador”, que sou suspeito para falar (risos), com outra linha de samba voltada para coisas mais novas de Moacyr (Luz), João Nogueira, Paulinho da Viola. E aos sábados, de 15 em 15 dias, tem o “Samba da Ouvidor” onde a gente apresenta sambas da era do Rádio e muito samba de terreiro da Mangueira, da Portela, do Salgueiro, da Império e da Vila Isabel, que é o foco principal da roda. E tem o “Semente” aos domingos.

    Algum projeto especial para os próximos meses?
    Estamos trabalhando para sair o CD do Samba da Ouvidor com músicas inéditas de Cartola, Manacéa e Silas de Oliveira. Paralelamente, estou preparando um CD de músicas inéditas em parceria com os paulistas Roberto Gigio e Renato Martins, dois compositores que têm vasta base musical.

    Entrevista concedida a Ana Cristina Tavares. Outubro de 2009.
    Foto: Divulgação



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