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  • Geraldo Azevedo: “A música brasileira tem uma qualidade fantástica”

    Agenda Bafafá em 06 de Maio de 2016    Informar erro
    Geraldo Azevedo: “A música brasileira tem uma qualidade fantástica”

    Pernambucano de Petrolina, nascido às margens do Rio São Francisco, Geraldo Azevedo começou a tocar violão aos 12 anos e nunca mais parou. Em 1963, já em Recife, juntou-se a um grupo folclórico Construção, junto com Teca Calazans e Naná Vasconcelos. Mudou-se para o Rio de Janeiro no final da década de 60, onde ganhou projeção com o Quarteto Livre, grupo que acompanhava Geraldo Vandré, um dos compositores mais críticos ao regime militar. Acabou pagando preço caro por isso ao ser preso e torturado. “Eu fui preso duas vezes e não fui processado. Era apenas uma violência gratuita”, assinala.

    Apesar disso, seguiu em frente e lançou disco com Alceu Valença, fez a trilha sonora do filme “A Noite do Espantalho”, de Sérgio Ricardo, e algumas de suas canções apareceram em novelas de TV, como Gabriela e Saramandaia, ambas de enorme audiência em todo o Brasil e que ajudaram a divulgar seu nome como um promissor talento.

    Ao longo da carreira já acumula 22 discos lançados, sozinho e em parceria. Atualmente está lançando o CD e DVD “Salve São Francisco”, que conta com as participações especiais de Dominguinhos, Alceu Valença, Maria Bethânia, Ivete Sangalo, Djavan, Moraes Moreira, entre outros. A produção musical é de Robertinho de Recife, a produção executiva de Gabriela Azevedo e a direção de Lara Velho. Todas as suas faixas celebram a beleza e importância do rio São Francisco.

    Em entrevista ao jornalista Alexandre Nadai, Geraldo Azevedo fala sobre a infância e a juventude, o início de carreira, a prisão durante o regime militar, suas influências musicais e o último trabalho sobre o Rio São Francisco. “A música brasileira tem uma qualidade fantástica, que pode te levar para qualquer lugar do mundo”, garante o artista.

    Você nasceu às margens mesmo do Rio São Francisco ou isso é só maneira de dizer? Não. Nasci sim. Na beirinha mesmo. E até os 13 anos, eu só tomava banho nele, não conheci chuveiro. Eu nasci em Petrolina, mas não morava na cidade. Fui criado na roça, em um lugar chamado Jatobá. Fui para cidade aos 13 anos, quando comecei a cursar o ginásio. Ia de jegue para o grupo escolar. Ele ficava lá esperando e eu voltava ao meio-dia, cochilando em cima dele.

    E como era morar às margens do Velho Chico? Tinham as enchentes no Rio São Francisco, onde tem os açudes. A gente não pode morar muito próximo ao rio por causa das cheias. A casa da minha mãe era mais próxima ao São Francisco, mas quando ela tinha um ano de idade, as águas alcançaram a casa e tiveram que fazer outra mais longe. Para mim, era muito lindo, romântico, aquela roça que a gente plantava, àquelas árvores e meu pai dizia que não podíamos pegar nenhuma folha, porque as cobras, durante as enchentes, subiam nas árvores.

    O que seu pai fazia? Meu pai era carpinteiro, lavrador, ele fazia tudo que era de madeira, construção, era meio curioso, sabe? Ele fazia cama, cadeira de casa, até o meu primeiro violão foi ele que fez. Ele fazia até caixão.

    E como foi na época da ditadura? Você chegou a ser preso? Fui preso e torturado duas vezes. Fui preso no governo Costa e Silva, durante 41 dias. Fui muito torturado. Eu e minha esposa, mãe da Gabriela, minha primeira filha. A segunda vez já foi no governo de Geisel, onde eu fiquei menos tempo em cárcere.

    Ficou algum trauma? Sim, inclusive tenho alguns traumas físicos causados pelas torturas. Fui preso no dia 07 de setembro. Eu vinha de um passeio com minha filha Gabriela, então com três anos, e um amigo da mesma idade dela, no Rio de Janeiro. De repente, alguns policiais me cercaram. Fui dominado no meio da rua, as crianças correndo na frente. A sorte é que já estávamos próximos da vila onde eu morava. Mas eles me pegaram e me encapuzaram, colocaram dentro de um fusca e foram pisando em cima de mim. Quando vi, eu estava em um lugar escuro e eles começaram com as torturas antes de perguntar qualquer coisa. Na cela ao lado, estava o cunhado do Henfil, que eu vim a conhecer depois. E em uma outra, estava um cara chamado Armando Frutuoso, que veio a falecer em decorrência das torturas sofridas. Eu fui testemunha auditiva da morte do Armando. Eu fui preso duas vezes e não fui processado. Era apenas uma violência gratuita. E na segunda prisão, eu fui confundido com outra pessoa por causa da semelhança física. Até eu provar que não era um tal de Valério, eu sofri muita violência. Eu tinha até vergonha de contar. Além da tortura, a gente passa por muita humilhação. No período em que fiquei preso, eles descobriram quem eu realmente era. Eu estava com uma música na novela Gabriela, uma composição minha com o Alceu Valença. Então, na hora da novela, eles pediam para eu cantar a música, com o capuz na cabeça e pelado, e depois dançar também.

    E como você saiu de lá? Eu fiquei 19 dias na solitária. Até que um dia, resolveram me dar um violão para ver se eu realmente tocava. Aí mudou a minha vida. Eles ficaram muito encantados, me pediram para cantar Yesterday, chamaram os outros oficiais e o que era interrogatório virou quase um show. Depois, eu voltei para a solitária, mas no dia seguinte, já estava em uma cela comum. No entanto, vieram me pedir para eu cantar no aniversário do comandante e eu me neguei. Disse que só cantaria se estivesse livre. Enfim, o bom é que o comandante fez a festa em casa e eu não precisei cantar para ele. Depois fui solto. Mas foi um período bem complicado. Tinha pensamentos ruins. É muita humilhação que a gente passa em uma situação dessas.

    Qual o segredo da sua trajetória? Insistência, resistência da cultura brasileira que é muito forte. A música brasileira tem uma qualidade fantástica, que pode te levar para qualquer lugar do mundo. O povo brasileiro sente um pouco de falta da música brasileira. A mídia, hoje em dia, oferece coisas muito descartáveis, que não têm muito conteúdo, que o público procura buscar através de artistas como eu.

    Que tipo de música influenciou você? Sou apaixonado pela música brasileira de maneira geral, principalmente a nordestina. Eu adoro maracatu, baião, côco, ciranda. Eu gosto da diversidade que o Brasil e o Nordeste têm. Mas a bossa nova foi o que realmente me incentivou a me tornar um músico. Comecei a pesquisar os acordes, as harmonias diferentes. João Gilberto foi um cara que me influenciou muito, mas depois veio uma gama de outros artistas, como Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Caymmi, Tom Jobim e principalmente Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. E como surgiu o Salve São Francisco? O Salve São Francisco tem 12 canções, sendo quatro regravações, com participações de artistas de estados banhados pelo Velho Chico, como o alagoano Djavan e a mineira Fernanda Takai; Moraes Moreira, Roberto Mendes, Ivete Sangalo, Maria Bethânia e Vavá Cunha, da Bahia; de Pernambuco, além de mim, participam Dominguinhos, Geraldo Amaral e Alceu Valença. É o meu primeiro trabalho temático. Sempre faço discos, composições que me acompanham ao longo da carreira, mas esse é o primeiro que foi específico: Salve São Francisco. Eu convivi com esse rio de uma maneira muito íntima, vamos dizer assim. Até os 18 anos de idade, eu só tomava banho nesse rio. Eu não tomava banho de chuveiro. Eu nasci na roça. Com 13 anos, eu fui para cidade. Então, lá na roça, a gente convivia com tudo do São Francisco. Meu pai tinha uma roça, onde plantava mandioca, macaxeira, milho e feijão e tinha muitas coisas também, mangueira, tamarineiro, etc... O Velho Chico foi o meu esteio da relação com a natureza. É como se fosse uma veia que passa pelo meu coração. A minha relação com o rio São Francisco é tão forte que a preocupação é com as mudanças que acontecem no rio, devido à exploração e à falta de cuidado ao mesmo tempo, com açudes, represas, o assoreamento, que faz com que a areia desça para dentro do rio. O Velho Chico vai sendo invadido e desmatado. Eu vi o leito do Rio baixando cada vez mais. E eu já assisti muita enchente daquele Rio, onde o sertão virava mar. Minha preocupação fez com que eu pensasse numa temática assim, de cantar o São Francisco para chamar a atenção para essas coisas que vêm acontecendo.

    Janeiro 2012

    Entrevista concedida a Ricardo Rabelo



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