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Guinga: “Meu projeto é ter saúde e trabalho”
Agenda Bafafá em 06 de Maio de 2016 Informar erro
Carlos Althier de Souza Lemos Escobar, mais conhecido como Guinga, é um dos músicos brasileiros de maior prestígio no exterior. Com agenda cheia o ano todo, tocando nos quatro cantos do Planeta, o artista é carioca, criado em Madureira e Vila Valqueire. Autodidata no violão, instrumento que começou a tocar ainda criança, garante que lê partitura com dificuldade. “Levo horas para entender um compasso. Tenho horror de partitura”. Isso não o impediu de ser autor de mais de 600 músicas, muitas gravadas por grandes nomes como Elis Regina, Clara Nunes, MPB4, Chico Buarque, Michel Legrand, Sérgio Mendes e Raphael Rabello.Sua rica trajetória é narrada em detalhes em entrevista ao Bafafá. Ele conta que exerceu a profissão de dentista durante 27 anos quando decidiu dedicar-se exclusivamente à música e que só fez seu primeiro show individual em 1988. “Eu ganhava muito bem como dentista e não queria ganhar mal fazendo shows”, revela.Guinga ainda guarda mágoa com o incidente no Aeroporto Internacional de Barajas, na Espanha, em 2009. De passagem pelo local, teve seu casaco roubado na esteira do raio X com passaporte, dinheiro e cartão de embarque. “Ao reclamar com a polícia tomei porrada na boca e quebraram dois dentes da frente. Fui agredido como outros brasileiros continuam sendo na Espanha. Quem tem de tomar uma atitude é o governo brasileiro”, fulmina. O artista fala sobre música e dá conselho aos jovens iniciantes: “Ouçam muita música boa. A arte vem principalmente por intermédio da vida. Tudo pode ser inspirador”. Sobre projetos, não titubeia: “Meu projeto é ter saúde e trabalho”.Como foram sua infância e juventude?Meu pai era sargento da aeronáutica e minha mãe dona de casa. Éramos de família pobre, mas vivíamos com dignidade. Morávamos em casa alugada, mas nunca nos faltou nada, mesmo quando meu pai se separou da minha mãe quando eu tinha sete anos. Acabei indo morar na casa dos meus avôs em Vila Valqueire. Papai já tinha três filhos e foi pai pela quarta vez no novo casamento. Tive uma infância muito feliz. Dificuldade não é sinônimo de infelicidade. Quem passa a vida sempre alegre, tem alguma coisa errada (riso).Qual é a origem do apelido?Vem de gringo, foi dado pela minha Tia Lígia. Eu era muito branquinho e passou a me chamar assim, mas eu repetia Guinga. Acabou ficando.Quando descobriu a vocação pela música?Bem novinho eu percebi que tinha facilidade com a música. Ouvia as músicas e as decorava com facilidade. Aprendi a tocar violão com meu tio Marquinho, irmão de minha mãe. Eu dividia quarto com ele na casa da vovó e fica vendo ele tocar. Ele tocava serestas, canções americanas, a pré bossa nova. Eu nasci compositor e músico com a bossa nova. Minha escola foi essa: a família, a rua, os bailes, os amigos. Tentei estudar, mas não tinha disciplina. Não leio partitura, nunca gostei, sou analfabeto musical (riso). Isso me dificultou ao longo da vida. Cultura não ocupa espaço e nem prejudica ninguém. Mas também ela não dá talento a ninguém. Existem artistas que são geniais e que ao estudar melhoram, outros nunca estudaram e conseguem ser geniais, outros estudaram e não são geniais, outros que nunca estudaram e não são geniais. Eu não sei onde me enquadro, mas gosto do que faço (riso). Leio partitura com dificuldade, levo horas para entender um compasso. Tenho horror de partitura (riso).Você despontou no II Festival da Canção em 1967?Quem me descobriu como compositor foi um amigo dentista chamado Paulo Faya que morreu há dois anos. Eu devo muito a ele, pois sempre me deu força. Em agradecimento botei seu nome na parceria dessa música. Foi o Faya que me inscreveu no festival e graças a ele comecei a minha carreira profissional. Classifiquei a música “Sou só solidão”. Com esse cacófago mesmo. Entre cinco mil músicas fiquei entre os finalistas, com apenas 17 anos. Disputavam Pixinguinha, Vinicius de Moraes, Edino Krieger, Francis Hime, Chico Buarque, Milton Nascimento, sendo que este último despontou nesse festival.Quantas músicas já compôs?Acho que mais de 600. Eu não sou letrista, sempre precisei de parceiros que fizessem letras para mim. Meus dois parceiros principais foram Paulo Cesar Pinheiro e Aldir Blanc. Com eles é que tenho a maior parte da obra.Chegou a ganhar algum festival?Nunca ganhei. O único prêmio que ganhei foi o Prêmio Sharp de 1997 (melhor música instrumental, melhor música brasileira, melhor disco e melhor projeto gráfico). Alguns anos atrás ganhei o Prêmio Petrobras de melhor compositor do Brasil.Confere que só fez o primeiro show em 1988?Por iniciativa de Franco Paulino, um gênio da publicidade e também crítico musical. Eu era dentista dele e um dia disse que eu fazia música. No fundo da clínica toquei algumas músicas inéditas, ele se apaixonou e conseguiu que fizesse um show no Vou Vivendo em São Paulo ao lado de Ithamara Khorax e Paulinho Pinheiro. Dali em diante não parei mais (riso).Por quê demorou tanto para fazer shows?Eu ganhava muito bem como dentista e não queria ganhar mal fazendo shows (riso). Foi só isso, a explicação é pragmática. Mas, acabou que fui trabalhar com música por necessidade (riso).Tem filhos?Tenho duas filhas: a Constância com 34 e a Branca com 31.Você já teve músicas gravadas por grandes nomes da MPB?As pessoas foram ouvindo minhas músicas e nessa brincadeira fui gravado pela Leny Andrade, Elis Regina, Clara Nunes, MPB4 (que me lançou), Chico Buarque, Michel Legrand, Sérgio Mendes, Raphael Rabello, Leila Pinheiro e tantos outros.Recebe direitos autorais?Alguma coisa, menos do que merecia.O que o fez parar com a odontologia?Aos 57 anos passei por uma crise financeira, perdi tudo o que tinha, inclusive a minha clínica. Tive dificuldade de botar coisa para comer na minha casa. Tantas pessoas passaram por isso, mas algumas não gostam de falar. Tenho horror de gente que come carne seca e arrota camarão.Como está vendo a atual MPB?Eu costumo dizer que a nossa música e o nosso futebol são os nossos maiores embaixadores. Nunca vão deixar de nascer talentos nessas áreas. O problema é se os meios de comunicação permitem que surjam novos valores, assim como os cartolas novos jogadores.Acha que está havendo uma banalização?Acho que os meios de comunicação levam a informação da música banal. Mas, a MPB não está nem nunca esteve banalizada. Eu conheço vários artistas jovens que são geniais e que estão fazendo música nova, progressiva e belíssima. Não tem banalização, o problema são os seres humanos que prestigiam a música que não presta em detrimento da que tem qualidade.
O que acha do funk?Qualquer estilo é belo quando é bem feito. Isso é igual a veneno, depende com você usa. Tudo pode virar veneno. Não tenho nada contra estilo nenhum.E do sertanejo?Sou louco por Cascatinha e Inhana, por Jararaca e Ratinho (riso). Esses eu ouço. Tem outros que por educação, e não vou falar o nome, não entram na minha casa (riso).Por que a bossa nova estagnou?A bossa nova veio, se apresentou e seguiu seu destino. É um estilo lindo, nunca vai morrer. O que é belo é eterno. O que não é legal é o cara achar que está inventando a bossa nova agora 50 anos depois. Isso não tem graça, isso é estagnação. A arte é isso: tentar originalidade.E o samba sendo redescoberto pelos jovens?Tudo isso é muito legal, o único problema é o modismo. Tem gente que acha bonitinho andar de camisa listrada, chapéu e navalha (riso). Isso para mim é apenas uma cópia do que já foi feito há quase 100 anos.Acha que pode surgir um novo estilo musical no Brasil?Lógico. Enquanto o ser humano usar sua capacidade de inteligência e sua emoção, tudo é possível! Tem de inventar, andar para a frente. Enquanto o Planeta existir, o sol não queimar e o ser humano usar a sua massa cinzenta tudo poderá ser criado.Conta como foi o incidente na Espanha, quando foi agredido no aeroporto de Barajas?Fui agredido como outros brasileiros continuam sendo na Espanha. Quem tem de tomar uma atitude é o governo brasileiro. Tomei porrada na boca, quebraram dois dentes da frente. Isso aconteceu depois que roubaram meu casaco ao passar pela esteira de raio x com meu passaporte, dinheiro e cartão de embarque. Ao reclamar com a polícia mandaram eu procurar a embaixada. Eu perguntei: é minha embaixada que tem de policiar o aeroporto? Ai um deles, exaltado, meu deu um soco na boca. Com os dentes quebrados na mão comecei a chorar. Uma policial feminina, com pena de mim, achou o casaco jogado numa lixeira com o passaporte e o cartão de embarque, sem o dinheiro.O que ficou do incidente?Para mim ficou de que ser estrangeiro é um prejuízo e que ser brasileiro não é lucro.O que teria para dizer para quem viaja à Espanha?Fique atento, bote seu dinheiro e documentos no bolso da calça. Tire apenas as coisas de metal. Se vier a precisar da polícia preste atenção porque ela é truculenta, mal educada e cruel. Eu não gosto da polícia que trabalha no aeroporto de Barajas, não sei se mudou. Depois desse incidente voltei duas vezes à Espanha e graças da Deus não fui retaliado. Isso não é garantia de nada, podemos ser maltratados em qualquer aeroporto do mundo.Pensou em processar o estado espanhol?Não. Quero ser feliz, fazer música e viajar pelo mundo com a minha música. O problema são os maus policiais que não sabem usar o seu poder, que são truculentos.Hoje você faz mais shows no exterior?Toco muito no Brasil também, menos no Rio de Janeiro. Em São Paulo, só este ano, já toquei mais de 10 vezes. Claro que toco também muito no exterior, só na Itália fui 55 vezes. Nos Estados Unidos e Canadá toquei umas 20 vezes. Rodo muito o mundo, em tudo quanto lugar. Graças a Deus pisei e toquei em alguns palcos nobres do mundo. Eu sou pobre, mas sou limpinho (riso).
Qual é o show que mais gostou?Toquei com a Orquestra Filarmônica de Los Angeles no Disney Hall Concert. Fui o único brasileiro que teve essa honraria. Espero que muitos brasileiros façam o mesmo (riso). Destaco ainda o Auditório de Roma e o Auditório de Barcelona, foram concertos importantes na minha vida. Tem também o Municipal do Rio e o Municipal de Niterói.Qual conselho você daria para os músicos que estão começando?Ouçam muita música boa, se engravidem de música boa. Essa frase não é minha, é do Hélio Delmiro de quem estou copiando (riso). A arte vem principalmente por intermédio da vida. Tudo pode ser inspirador, até a fome!Como está vendo o governo Dilma?Não consigo ver nada de governos. Não tenho nada contra a Dilma, mas não gosto de políticos (riso). Me fundamento em três princípios cristãos: a caridade, a justiça e a humildade.Quais são seus projetos?Viver. Meu projeto é ter saúde e trabalho. Foi assim que eu consegui construir a minha carreira.
Tem alguma utopia?Eu sou um otimista e tento olhar o mundo com os olhos da realidade. Acho que as coisas ruins podem ser revertidas, acredito que o bem vai vencer o mal. O mundo é cíclico, depende da evolução do ser humano. Ele precisa ser mais solidário, pensar menos em si.Setembro 2012
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