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  • João Roberto Kelly: Carnaval é antes de mais nada uma brincadeira

    Agenda Bafafá em 29 de Maio de 2016    Informar erro
    João Roberto Kelly: Carnaval é antes de mais nada uma brincadeira

    A marchinha de carnaval é um estilo musical que vem atravessando décadas e está incorporada à cultura musical do país, principalmente do Rio de Janeiro. Seu principal expoente é o compositor João Roberto Kelly, autor de sucessos como Cabeleira do Zezé, Mulata Bossa Nova e Maria Sapatão. Carioca, começou a tocar piano aos 11 anos e aos 19 iniciava a carreira compondo musicais para a TV Rio, TV Continental e TV Globo. Como intérprete, Kelly tem 10 discos mas perde a conta de suas letras gravadas por outros cantores.

    Nesta entrevista exclusiva ao Bafafá, João Roberto Kelly nega que Cabeleira do Zezé tenha sido composta para satirizar os homossexuais e garante que faz referência a um garçom cabeludo que trabalhava num bar no Leme.

    Você foi estimulado pela família a tocar piano?
    Comecei aos 11 anos. Minha mãe e minha avó tocavam e eu ficava ali vendo, até que um dia minha mãe, que tinha um bom ouvido, me deu algumas noções. Ela então resolveu me arrumar um professor e enveredei nos estudos, tocando sempre muita bossa, compondo. Cheguei a me formar no Conservatório Brasileiro de Música.

    Como foi seu início de carreira?
    Em 1958, eu tinha me formado em Direito e tocava em casas noturnas, festinhas, reuniões. Até que tive uma oportunidade quando fui chamado pelo Geisa Bôscoli para mostrar minhas músicas no Teatrinho Jardel, um teatro musicado, de revista em Copacabana. Ele gostou muito das letras, principalmente do tom satírico que elas tinham e me convidou para musicar uma peça de revista. Foi então que tudo começou.

    É verdade que a música “Cabeleira do Zezé” foi feita para satirizar os homossexuais?
    Pelo contrário, muito pelo contrário. Essa música não tem nada a ver com os homossexuais. Ela é na verdade um registro daquela fase dos Beatles em início de carreira em 1964. Eu estava num bar no Leme e apareceu um garçom cabeludo chamado José Antônio, que não tinha nada de bicha, pelo contrário, era um tremendo paquerador, chegou a paquerar a mulher que tava comigo. Então eu disse: “Ô cara, o que é isso, você com essa cabeleira aí ?”. E brinquei: “Será que ele é Beatles, Bossa Nova, Maomé, qual é a do cara?” (riso). Foi aí então que me inspirei para compor a música, com ajuda do Roberto Faissal e que estourou gravada pelo Jorge Goulart, que era um cantor de muito sucesso na época. Muita gente pensa que essa música foi feita para sacanear os homossexuais porque quando é cantada nos bailes o povo grita “bicha” depois do refrão. Sabe onde que nasceu esse “bicha”? No auditório do Sílvio Santos. Quando ele queria esquentar o seu programa, ele então cantava a música e as moças que dançavam em seu show gritavam “bicha”, que acabou incorporado.

    Você musicou o primeiro grande show de travestis que tinha a Rogéria à frente?
    Nós fazíamos o programa “Praça Onze” na TV Rio, onde a Rogéria era maquiadora. Ela então resolveu fazer um espetáculo com os travestis, o Le Girl, com textos de Meira Guimarães e direção do Luís Haroldo. Foi um grande sucesso. Eu não tenho preconceito nenhum com os homossexuais, pelo contrário, acho que todo mundo tem direito de andar na luz do sol, ser feliz, amar e dar o seu recado.

    Como foi compor “Mulata Bossa Nova”?
    Um dia, eu fui a um concurso de Miss Brasil no Maracanãzinho e vi uma mulata quase negra evoluindo maravilhosamente com um “pisar” de passarela muito elegante, muito fora inclusive dos padrões que todas as mulatas encaravam qualquer movimento de passarela. Eu olhei e disse: “Que moça diferente, merece ser fotografada numa música”. Era Vera Lúcia Couto. Me pergunta se eu gosto de mulata? (riso).

    Porque não se canta mais marchinha de carnaval?
    Me perdoa discordar de você mas todos os bailes de carnaval tocam marchinhas antigas. A Banda de Ipanema toca desde que foi fundada, assim como o Cordão do Bola Preta. Isso sem falar nas bandas de bairros, que tocam muitas marchinhas.

    Qual é o segredo para uma marchinha dar certo?
    Sendo atual, com um tema que não fique velho nunca. Carnaval é antes de mais nada uma brincadeira.

    Esse estilo musical vai ficar para sempre?
    Acho que sim. Deviam também gravar marchinhas novas, mas infelizmente criou-se um certo preconceito contra elas, talvez seja até preguiça dos nossos meios de comunicação que preferem tocar os sucessos já prontos, que vêm atravessando gerações.

    Você é um dos criadores do “sambalanço”, o que vem a ser isso?
    Era uma forma um pouco mais quente de você tocar o samba. A Bossa Nova ficava mais no banquinho e violão e o sambalanço ia mais para a pista, daí o nome.

    Como você está vendo o carnaval na Marquês de Sapucaí?
    É um espetáculo que chegou no auge. É um grande show. No final dos anos 70, eu fui presidente da Riotur e na época o carnaval ainda era artesanal. A festa foi evoluindo até que a Liga das Escolas de Samba assumiu o espetáculo, daí para a frente, foi crescendo. É bem verdade que o sambista autêntico começou a perder espaço. Eu gosto muito mais de ver uma bela evolução de um passista ou de uma mulata do que olhar para um carro alegórico com a Luiza Brunet ou outra criatura maravilhosa. Eu sou muito mais samba no chão.

    Não corre o risco de esgotar?
    É o meu medo. Tudo tem um princípio, meio e uma apoteose. Hoje é um espetáculo mais para turista do que para gente daqui. Engraçado, oscila entre dois pólos, de um lado o muito rico que compra camarote e o muito pobre, nossos irmãos de comunidades carentes que trazem isso no sangue.

    Fevereiro de 2003
    Entrevista concedida a Ricardo Rabelo
    Foto: Divulgação



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