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  • Maurício Carrilho: O choro existia 60 anos antes do samba

    Da Redação em 14 de Junho de 2016    Informar erro
    Maurício Carrilho: O choro existia 60 anos antes do samba

    O violonista carioca Maurício Carrilho é um dos principais estudiosos do choro no Rio de Janeiro. Filho do músico e flautista Álvaro Carrilho e sobrinho do também flautista Altamiro Carrilho, já tocou ao lado de artistas como Chico Buarque, Nara Leão, Miúcha, Francis Hime, Paulo Moura e Paulinho da Viola.

    Membro da coordenação da Escola Portátil de Música e da recentemente inaugurada Casa do Choro na Rua da Carioca, Maurício falou com exclusividade ao Bafafá. Segundo ele, o choro é um estilo único no mundo e 60 anos mais velho que o samba. Ele explica que quem toca choro não tem dificuldade técnica de tocar outros estilos. “Tecnicamente o choro é uma música que exige muito do instrumentista”.

    Qual é a história do choro?

    O choro é uma música que nasceu no século 19 no Rio de Janeiro a partir de uma mistura de estruturas musicais das danças de salão europeias com os cantos africanos de festas religiosas e profanas, misturado ainda com música dos índios. Essa música na verdade guarda elementos de várias culturas que se juntaram há 160 anos e se tornaram uma linguagem poderosa, muito forte. É uma música que tecnicamente exige do músico, com um repertório fabuloso. Acho muito difícil que um gênero musical em outro país tenha um repertório tão vasto e diverso quanto o choro. Digo choro como linguagem que inclui vários gêneros como a valsa, a polca, o tango brasileiro, maxixe, schottisch e quadrilha.

    O nome é porque é um estilo musical triste?

    Não, essa origem do nome é muito controversa. Sempre existiu choro com expressão tristonha e alegre também. Sempre foi música de festa, de confraternização. No início de tudo, os chorões eram pequenos funcionários públicos que se juntavam nas horas livres para comer, beber e tocar.

    O samba veio depois?

    O choro já existia cerca de 60 anos antes do samba. O samba da Cidade Nova feito pelo Donga, Sinhô e o Pixinguinha tem a ver com o choro. A partir dos anos 20, o choro acabou influenciado pelo samba do Estácio, do Ismael Silva, Bide e Marçal, e incorporou suas variações rítmicas. Ai nasceu o jeito sambado do tocar choro que foi muito usado pelo Benedito Lacerda e Jacob do Bandolim. A partir de então o samba e choro sempre andaram juntos. Os compositores muitas vezes lidam com as duas linguagens, como Paulinho da Viola, Nelson Cavaquinho, Donga, Cristóvão Bastos.

    Por que o choro não ficou tão conhecido como o samba e a bossa nova?

    Porque o samba e a bossa nova são cantados e o choro é basicamente instrumental. Toda música instrumental tem um público mais seleto. Exige mais do ouvinte. O choro sempre teve importância na formação dos músicos de samba e bossa nova. A maioria passou pelo choro. Os ídolos do Tom Jobim, por exemplo, eram Radames, Villa-Lobos, Garoto, todos eles ligados ao choro.

    O choro nunca foi cantado?

    Eventualmente é cantado. Tivemos uma cantora que ficou famosa por cantar choro: Ademilde Fonseca. Mas, o choro, pela dificuldade e o virtuosismo de suas melodias, é uma música muito difícil de ser cantada. Apenas uma pequena parcela do repertório do choro é letrada e cantada. A maior parte tem um tipo de melodia feita para instrumentos, com uma extensão muito grande, impraticável para voz. Não existe um impedimento musical ou cultural para cantar choro, a dificuldade é mais técnica mesmo.

    A música brasileira é calçada no tripé samba, choro e bossa nova?

    Acho que não. A bossa nova vem do samba e o choro por sua vez é anterior ao samba. A gente tem um desenvolvimento de ramificações. A bossa nova é um ramo muito bonito da música brasileira que popularizou aspectos harmônicos e melódicos que o samba ainda não tinha desenvolvido. Mas, pelo lado rítmico é menos elaborada que o samba tradicional e o choro. São três linguagens diferentes. O choro, embora a mais antiga dessas linguagens, é na minha opinião a que se mantém com mais força e capacidade de renovação.

    Tem algum estilo parecido com o choro no mundo?

    Esse fenômeno do abrasileiramento da dança de salão europeia misturada com outras influências, como a africana ou indígena, não aconteceu só no Brasil, mas em vários lugares como Cuba e vários países sulamericanos. Guardamos a quadratura da música europeia, a fôrma, o tamanho, os 16 compassos por parte. Isso é comum ao danzon cubano, ao pasillo colombiano, o joropo venezuelano. Os processos guardam alguma semelhança, mas não são iguais.

    O choro tem três partes, mas a música Carinhoso duas partes. O choro tem como princípio as três partes?

    Essa herança das três partes vem do rondó desde a época da música barroca. É uma música com três partes onde você toca a primeira com repetição, a segunda com repetição e depois volta para a primeira. Daí vai para uma terceira parte com repetição e volta para a primeira para acabar. Esse formato chama rondó. O choro foi inventado encima dessa fôrma e tem tradicionalmente três partes. Mas, pode ter menos. Pixinguinha encerrou o assunto quando usou duas partes no carinhoso e no Lamento.

    O maior expoente do choro é o Pixinguinha?

    O Pixinguinha é um dos maiores expoentes da música brasileira, não só do choro. Mas o choro sempre foi uma música coletiva. Pixinguinha sempre teve grandes músicos tocando com ele.

    Você é um dos expoentes hoje?

    Aprendi choro com grandes mestres e tento dar a minha contribuição. Meu tio foi um grande compositor, meu pai também. Temos ainda o Cristóvão Bastos e o Pedro Paes fazendo coisas lindas, ainda Paulo Aragão, Proveta, Jayme Vignoli, Luciana, Pedro Amorim. E tem os garotos também como João Camareiro, Julião, Glauber, Everson, os irmãos Marlon e Maicom Julio e muitos outros.

    Quem toca choro toca qualquer coisa. Isso é lenda ou verdade?

    Tecnicamente o choro é uma música que exige muito do instrumentista. Neste sentido, quem toca choro não vai ter dificuldade técnica de tocar outros estilos. Mas cada linguagem musical tem suas exigências específicas.

    O que você diria para quem está começando a tocar choro?

    Se morar no Rio para se aproximar da Escola Portátil. Aqui nos temos os melhores professores e alunos de choro, e a pessoa vai estar cercada de gente boa. Temos um grande acervo acumulado ao longo dos anos que está disponível para consulta. Para quem mora fora do Rio aconselho a ouvir os grandes nomes do choro. A gente aprende ouvindo, tem que ouvir Pixinguinha, Nazareth. Tem que ter a referência dos grandes mestres.

    A Casa do Choro começou como Escola Portátil de Música?

    São duas coisas diferentes realizadas pelo mesmo grupo. A Casa do choro está começando agora sua trajetória e a Escola Portátil de Música é um projeto consagrado, com 16 anos de existência. Tem esse nome porque funcionávamos em prédios emprestados como na UNIRIO onde temos 1.100 alunos. Na Casa do Choro temos neste primeiro semestre de funcionamento 200 alunos.

    Qual é o estado que estava a casa que hoje abriga a escola?

    Estava invadida e servia de depósito de camelôs e ambulantes. É um prédio do estado que foi cedido por 20 anos. Viabilizamos patrocínio e conseguimos reconstruir tudo mantendo apenas a casca e a fachada. Restauramos o mais fiel possível a partir de fotografias antigas. O apelido do prédio é Mourisquinho por ter uma linha arquitetônica eclética e uma cúpula com o quarto de lua, símbolo do islã. Temos nove salas de aula, um teatro para 100 pessoas, uma cafeteria com espaço de convivência que pode ser frequentada de terça a sábado.

    Como fazer para se matricular na Casa do Choro ou na Escola Portátil?

    É só entrar no site da Casa do Choro e seguir as orientações. A mensalidade gira entre R$ 600,00 e R$ 1200 por semestre. É mais barato que as escolas similares públicas. O aluno ou aluna pode chegar aqui e começar do zero. Temos turmas de iniciantes de percussão, pandeiro, violão, cavaquinho. Temos cursos de vários instrumentos. Os alunos aprendem tendo como linguagem o choro, inclusive a ler e escrever música. Temos aulas em todos os horários, de segunda a sexta. O próximo semestre começa em agosto.

    Quais são os projetos em andamento?

    Temos apresentações até dezembro, de segunda a sábado às seis e meia, e sexta também ao meio dia e meia. Durante as olimpíadas teremos espetáculos ao meio dia e meia em outros dias da semana, além de sexta. Estamos digitalizando milhares de partituras e gravações antigas, disponibilizando um grande repertório para pesquisa e estudo dos interessados e trabalhando seriamente pela memória do Choro.

    Você tem alguma utopia?

    Tenho. Eu compus cerca de 1.400 músicas. Tenho um projeto chamado “Oito com” onde gravo oito músicas minhas com um convidado. Já fiz 15 CDs nesta série e espero fazer 100 nos próximos anos.   

    Junho de 2016

    Entrevista concedida ao editor do Bafafá, Ricardo Rabelo, com a participação de Licínio Machado Rogério.



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      • Comentário do post Tina Camargo:
        Ainda tenho saudades de vc...bj

      • Comentário do post Cidinho7Cordas:
        Sábias palavras de quem tem conhecimento de causa , permita-me discordar de quem toca choro , toca qualquer coisa , claro que o músico tem que ter conhecimento pra isto porem há músicas que não dão cartaz pra acompanhador seja ele o melhor possivel. Um forte abraço amigo Mauricio.

      • Comentário do post Mauricii:
        Excelente materia Ricardo!

      • Comentário do post Fernando Queiroz:
        Muito obrigado pelo prazer de ler esta entrevista e pelo acúmulo de conhecimento sobre o choro.

      • Comentário do post Benjamin Cardoso:
        Parabéns, Ricardo, pela bela reportagem. Muito esclarecedora abordando ítens básicos para a compreensão deste belíssimo gênero musical brasileiro. Muito bom mesmo!!!


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