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  • Noca da Portela: Quero ver o Brasil ser um grande país

    Agenda Bafafá em 15 de Fevereiro de 2021    Informar erro
    Noca da Portela: Quero ver o Brasil ser um grande país

    Osvaldo Alves Pereira, o Noca da Portela, é um ícone do samba. Mineiro de Leopoldina, radicado na Cidade Maravilhosa desde os cinco anos, é um dos expoentes da Portela, escola que escolheu em 1966, levado por Paulinho da Viola. Ex-feirante – só deixou a profissão em 1982 - tem um dos currículos mais bem sucedidos do carnaval carioca. Além de ter 360 músicas gravadas por grandes artistas, foi vencedor de seis dos 12 sambas-enredos que disputou na azul e branco.
     
    Em entrevista exclusiva ao Bafafá, Noca da Portela fala sobre vários temas: infância, juventude, início de carreira, samba, bossa-nova e política. Ele revela profunda decepção com a Portela. “Continuo torcendo, mas não concorro e desfilo mais na Portela. Ela mora no meu coração, mas meu ciclo na escola terminou, não tenho mais prazer. Não piso mais os pés na Portela”, fuzila o artista.
     
    É de sua autoria o samba “Virada”, gravado por Beth Carvalho e que se tornou símbolo da luta pela redemocratização do País.
    Sua incursão pelos blocos também é vitoriosa. Ganhou oito sambas no Simpatia, oito no Barbas e cinco no Cacique de Ramos. Noca chegou a ocupar a Secretaria Estadual de Cultura na gestão Rosinha Garotinho.
     
    Como foram a sua infância e juventude?
    Aos cinco anos, eu saí de Leopoldina, Minas Gerais, indo morar no Catete. Estudei o primário na escola José de Alencar. Foi neste bairro que o Cartola nasceu e viveu a infância. Minha casa era freqüentada por músicos e compositores amigos de meu pai, entre eles, Francisco Alves e Noel Rosa. Eu olhava aquilo e passei a gostar (risos). Nós tínhamos uma escola de samba chamada “Irmãos Unidos do Catete” onde ganhei meu primeiro samba-enredo aos 14 anos. Quando fiz 18 anos me mudei para o Flamengo onde conheci grandes compositores. Fui chamado a fazer parte da ala dos compositores dos Foliões de Botafogo onde conheci o Paulinho da Viola, Walter Alfaiate e o Mauro Duarte, de quem me tornei parceiro em muitas músicas. 
     
    Confere que seu pai, mesmo sendo professor de violão, tentou demovê-lo de tocar o instrumento? Acho que por ele não ser bem sucedido na música, nunca gravou nada, ele tinha uma frustração e não queria que isso acontecesse comigo (riso). Isso para me proteger, pois o sambista era marginalizado, chamado de vagabundo. Cheguei a ser preso no Leme por batucar num bar (riso).
     
    Ser negro e comunista era quase um demônio?
    Era terrível conviver com essa coisa (riso). O preconceito está dentro de cada um de nós. Essa situação só começou a mudar depois da anistia quando as pessoas descobriram que comunista não comia criancinha (riso). Optei pelo PCB porque meu pai era do partido e pelo ideal que representava.
     
    Quando se tornou músico profissional?
    Em 66, quando fui para a Portela levado pelo Paulinho da Viola. Lá encontrei uma turma de compositores de valor excepcional como Manacéia, Monarco, Casquinha, Candeia, Argemiro, Jair do Cavaquinho. Com tanta gente boa passei a tomar ainda mais gosto pela música. Na Portela, disputei 12 vezes e ganhei seis sambas-enredos. Só aos trinta e poucos anos comecei a fazer sucesso. O primeiro deles foi em parceria com o Picolino e Colombo chamado “Portela Querida”, gravado pela Elza Soares. Foi o primeiro estouro.
     
    Como você está vendo o samba hoje?
    O samba atual é o pagode. Na minha época era uma grande reunião de compositores que geralmente acontecia nos fundos de quintais e já era chamado pagode. No Cacique de Ramos, a partir de 1986, um grupo de jovens sambistas criou esse movimento tendo à frente Arlindo Cruz. A novidade desse pagode foi o banjo trazido por Almir Guineto. É um instrumento que tem uma harmonia riquíssima e faz um barulho gostoso.
     
    E a redescoberta do samba?
    O samba de 50, 60 anos atrás está de volta. Eu mesmo tenho feito shows em todo o Brasil e o pessoal da minha idade tem sido valorizado. A juventude aderiu ao samba de raiz, alguns feitos 100 anos atrás. A Lapa tem os melhores encontros de grandes sambistas na cidade.
     
    Quem o é o melhor sambista?
    Tem alguns que serão eternos como o Paulinho da Viola. Gosto muito do Zeca Pagodinho, do Arlindo Cruz, do filho do João Nogueira (Diogo) que está chegando aí. Os da antiga também: Walter Alfaiate, Monarco, Dona Ivone e outros que são meus ídolos.
     
    A bossa nova ainda tem vez? Tudo que é ritmo tem vez. A bossa nova foi criada do outro lado do túnel, mas nasceu da música chamada “O Pato”, de Jaime Silva que morava em Inhaúma. Foi a primeira gravação. Depois o João Gilberto estourou. A bossa nova será eterna como o samba de raiz.
     
    O que acha do funk?
    Eu tenho restrições porque o funk de má qualidade não é cultura, não ajuda em nada. Não sou muito fã, esse tipo de música não faz parte do meu dia a dia.
     
    Como você avalia sua gestão na Secretaria de Cultura do Estado?
    Foi boa. Em nove meses, concluí obras que estavam paradas há muito tempo. A do Museu de Imagem e do Som, por exemplo, entrava e saía secretário, não andava. Tive o prazer e a honra de concluir a obra em nove meses. Fiz também o Museu do Futebol no Maracanã, obra de primeiro mundo que não foi muito divulgada.
     
    como e sente por ter perdido a eleição para vereador?
    Estou decepcionado. Afinal de contas a minha candidatura era de um grande movimento do samba. Sempre me preocupei com os colegas do samba, os músicos, os compositores. Eu que convivo com eles vejo a dificuldade que é encontrar um espaço para trabalhar. Eu achava que poderia ser uma voz para eles, estava preparado para isso. O samba nunca teve uma voz para reivindicar o que precisa.
     
    Vai concorrer de novo?
    Não. Estou ajudando alguns amigos, entre eles, o Fernando Peregrino, meu amigo. Vou até ceder a música “Peregrino” que o Paulinho da Viola gravou. Desiludi, esse negócio de política é complicado, sou mais útil fazendo samba. Através dele consegui muita coisa, através da minha poesia, musicalidade. Prefiro fazer do samba o meu palanque, sou mais útil do que nas tribunas. 
     
    Ficou chateado com a Portela em 2012?
    Meu médico particular, Marcelo Pimenta, me pediu duas camisas para desfilar na escola. Mesmo autorizado pelo presidente Nilo Figueiredo, não consegui as camisas. Liguei para o Nilo e ele reafirmou que estava ok, mas não retornou. Depois disse que foi um mal entendido. Fiquei chateado e não desfilei. Não estou mais Portela, tenho moral, exijo respeito. Este mal entendido eu não aceito, o que fizeram comigo foi uma covardia, coisa que eu não faria com o meu pior inimigo. Continuo torcendo, mas não concorro e desfilo mais na Portela. Ela mora no meu coração, mas meu ciclo na escola terminou, não tenho mais prazer. Não piso mais os pés na Portela. Cheguei a ficar doente, fui parar no hospital com depressão. Vou superar esse momento, mas sem participar.
     
    Vai continuar concorrendo em blocos de carnaval?
    Vou fazer sambas só para blocos. Este ano, concorri no Simpatia, mas não ganhei. É diversão, terapia. Não quero mais compromisso. Sou um poeta aposentado. 
     
    O que está produzindo no momento?
    Estou lançando o CD Cor da Minha Raça, com produção do Rildo Hora. Nunca tive tanta alegria na minha vida. Já lancei em nove capitais, inclusive no Rio. Em maio farei quatro semanas no Cariocando. Em 2013, vou lançar um CD comemorando os anos 80 anos de vida, intitulado “Homenagens”. Será um tributo aos grandes parceiros, Nelson Cavaquinho, Ivone Lara, Candeia (com quem gravei três sambas), Mauro Duarte, entre outros. 
     
    Tem alguma utopia?
    Tenho. O ser humano vive de sonhos. Quero ver o Brasil ser um grande país, de primeiro mundo. Estamos chegando lá. Temos o direito de sonhar e ver o Brasil no lugar que merece.
     
    Entrevista concedida ao editor do Bafafá em março de 2013.


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