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  • Pecê Ribeiro: compor é algo metafísico

    Agenda Bafafá em 16 de Agosto de 2020    Informar erro
    Pecê Ribeiro: compor é algo metafísico

    Natural de Campos de Goytacazes, o cantor e compositor Pecê Ribeiro veio para o Rio de Janeiro no agitado ano de 1968. Filho de radialista, que produzia shows em praças públicas, desde cedo compôs letras inspirado em grandes sambistas. Autor de mais de 200 sambas, o mais conhecido é "Prá São Jorge"  interpretado com enorme sucesso por Zeca Pagodinho. 

    Em entrevista ao Bafafá, Pecê fala sobre vários temas e garante que na inspiração, além do amor, a tristeza é também sempre tema recorrente. “Tem vezes que falo dela como um desabafo salvador, um grito que nos redime, que nos liberta. A alma humana precisa disso”, assegura.

    Como foram a sua infância e adolescência?
    Minha infância e adolescência foram em Campos dos Goytacazes, onde eu nasci em 1949, e de onde eu vim em 1968, o mesmo ano do lamentável AI 5. Sou da mesma terra de Roberto Ribeiro, Aluisio Machado, Délcio Carvalho... Posso dizer que, apesar de ser oriundo de uma família pobre, nada me faltou.

    Quando descobriu o gosto pela música?
    Desde criança, quando ainda existia a Rádio Nacional, eu ouvia muita música boa, pois o meu pai, Waldir Ribeiro, ninava os filhos cantando música de Ari Barroso, Orlando Silva, Braguinha, Silvio Caldas, Orestes Barbosa e tantos outros compositores de renome da época, além de sucessos de Orlando Silva, Carlos Galhardo, Roberto Silva, Moreira da Silva, Ângela Maria, Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira e por aí ele ia. Na voz do meu velho e no rádio ouvia muita coisa boa. Na cidade meu pai era conhecido como Waldir Bom Cabelo, que, além de seresteiro dos bons, produzia shows na Rádio Cultura de Campos e em praças públicas com os mais populares artista da cidade. Antes de vir para o Rio, Roberto Ribeiro chegou a cantar no show do meu pai. E foi na adolescência, nesses shows, que comecei a dar meus primeiro passos na música. Tive oportunidade de até mesmo, escondido do meu pai, cantar em inferninhos.

    Pensou um dia em ser sambista?
    Não, nunca pensei, pois eu sempre ouvi música de um jeito mais amplo, mas samba era o que eu mais gostava. Também na adolescência, comecei a fazer meus poemas (aliás, já estou preparando um livro de poemas, intitulado Mosaico, para ser lançado brevemente). E foi na sala de aula do curso ginasial surgiram os primeiros poemas, a maioria dedicados a alguma garota que eu queria namorar. Cheguei a fazer um para uma professora por quem eu era apaixonado. Mais tarde, junto com os poemas, passei a compor, por volta dos meus 19 anos. O samba vinha se impondo de tal maneira que os compositores que eu mais gostava na adolescência eram Zé Ketti e Nélson Cavaquinho. Era uma profunda admiração. Outro que me dava muito prazer em ouvir e saber das coisas dele era o Moreira da Silva, pra mim um dos maiores intérpretes de todos os tempos, junto com Jackson do Pandeiro, Marçal e o Zeca.

    O que gosta mais? Cantar ou compor?
    Tranquilamente, as coisas me dão muito prazer. É muito difícil eu fazer um show que não cante obras maravilhosas, além dos dois preferidos que já citei, de Cartola, Wilson Moreira, Candeia, Silas de Oliveira, João Nogueira e Paulo César Pinheiro, Padeirinho e muitos outros. Compor é algo metafísico. Costumo falar de coisas que realmente vêm do fundo da minha alma.

    Quantos sambas já compôs?
    Nunca parei pra contar quantos sambas eu tenho. Olha, muitos sambas que fiz se perderam da minha memória, pois esqueci de gravar em fita K7 e muitos que guardei se perderam, fosse pela fragilidade das fitas ou mesmo por se extraviarem. Mas acredito que passei em muito dos 200 sambas.

    Quais são os mais famosos?
    Famoso mesmo é o “Pra São Jorge”, que o grande Zeca Pagodinho gravou. Os demais foram gravados por mim mesmo no CD “Inspiração”, com músicas de minha autoria, lançado há oito anos e que são conhecidas por eu cantar nos meus shows. Por sinal, saiu agora o meu segundo CD que se chama “Com Arte e Prazer”, também com minhas músicas, sendo que apenas uma delas é de Zé Ketti. Vamos dizer assim, construí um caminho do meu jeito, sem qualquer apoio da mídia e nunca tive a preocupação de pedir que gravassem minhas músicas. A “Pra São Jorge” chegou às mãos do Zeca porque uns conhecidos cismaram de mandar pra ele. Aliás, sou grato à falecida Baiana por isso e ao Zeca também, claro. Por outro lado, vou continuar assim. Se outro grande intérprete quiser me dar essa honra, vou agradecer muito, mas se não acontecer, eu vou em frente e parece que está dando certo.

    Qual é a sua fonte de inspiração?
    É a própria vida, com as pessoas amadas e queridas e até mesmo as que estão na contramão da minha consideração. Outras motivações são os acontecimentos, os momentos mais instigantes ou os que parecem mais simples. Quer dizer, qualquer coisa que me fale mais fundo.

    O amor?
    Claro. De uma maneira bem significativa. O amor nas mais diferentes nuances é tema sempre recorrente. Isso é muito comum na nossa música e eu não poderia fugir disso.

    A tristeza?
    Essa danada. Às vezes não dá para fugir dela e ela acaba se tornando um motivo forte para entrar numa música da gente. Tem vezes que falo dela como um desabafo salvador, um grito que nos redime, que nos liberta. A alma humana precisa disso.

    O samba ainda é discriminado?
    Sinceramente, não acho que seja bem assim. O que existe é o interesse maior da mídia na busca do lucro rápido e imediato e os gêneros com um fundamento estético mais legítimo ficam num plano secundário. Por outro lado, o jabá é que o grande problema, seja no rádio, na tevê, até mesmo na imprensa. Mesmo assim. Tenho certeza de que o samba é muito respeitado e o verdadeiro sambista não se vende ao imediatismo. Claro que o dinheiro é importante num país capitalista, mas quem faz samba com seriedade faz algo com um significado que vai além do momento em que é feito.

    Quem faz o melhor samba hoje no Brasil?
    Muita gente, mas prefiro não nomear aqui. Mas é bom destacar que conheço muitos bons compositores que sequer foram gravados, vivem compondo coisas maravilhosas, mas permanecem no anonimato. É muito difícil conseguir gravar ou ter quem grave a gente. O fato é que o samba está muito vivo e verdadeiro e não adiante modismo que consiga destruí-lo.

    As gravadoras ainda vão se render ao samba?
    As grandes gravadoras estão passando por momento difícil há algum tempo. Tanto a pirataria quanto a internet estão reduzindo o poder dessas gravadoras. Os pequenos selos estão ocupando espaços muito significativos do mercado e é por aí que o samba está conseguindo chegar ao mercado. Acredito que é dessa maneira que a gente vai se dar cada vez melhor, mas não tanto quanto se quer, como disse, pirataria e internet estão atrapalhando muito.

    O que está achando da retomada?
    Acho ótimo e entendo que é por aí que se vê a perenidade do samba. Como diz Nélson Sargento: “agoniza, mas não morre”, ou Paulinho da viola, diante do papo furado dizendo que o samba acabou: “só se foi quando o dia clareou”.

    Onde se ouve o melhor samba no Rio? 
    Poderia aproveitar o espaço para dizer que é no meu show, chamado Samba e Humor na Lapa, no entanto a minha modéstia não permite. Mas podemos dizer que são muitos os lugares onde encontramos bons sambas, mas nada se compara a um tradicional fundo de quintal. Na Lapa também existem bons locais, mas é importante a gente olhar esse fenômeno chamada Lapa com muito cuidado. Pra quem presenciou os primórdios da atual Lapa, como eu vi e participei, e vê como está agora se espanta bastante. Tornou-se um lugar intransitável, posso dizer insuportável. Fazer um show numa sexta-feira ali no miolo da Lapa é levar a platéia pra dentro de uma grande muvuca. Aliás, deixa eu continuar a vender meu peixe: o meu show, que é na Rua Gomes Freire, 205, lugar tranqüilo e um pouco distante do burburinho. Temos o patrocínio das Lojas de Inconveniências e o apoio incultural da Academia dos Pensadores de Besteiras e Sacanagens e do Grêmio Pejorativo e Escatológico Puhdia Cê Pioh. Muita gente que comparece recebe o diploma de Desonra ao Mérito. Temos também sorteios, como viagem a Guantánamo, relógio sem ponteiro e outras inutilidades.

    O que mais admira?
    Admiro quem sabe viver, quem faz da alegria e o bom humor uma constante, uma forma de dar amor. Admiro quem respeita a sua arte, seja lá qual for, mas principalmente a música, um instrumento de aproximação das pessoas, forte significado da presença de Deus.

    O que mais abomina?
    A falta de respeito às individualidades, aos grupos diferenciados, ao povo como o verdadeiro protagonista da vida política e social. 

    Tem alguma utopia?

    Entendendo que utopia é um sonho de difícil realização, mas nem por isso impossível de se alcançar, tenho algumas. A mais importante, no entanto, é ver nosso país e nossa cidade sem violência. Que bom se pudéssemos sair para curtir um samba até altas horas sem nos preocuparmos com nada que não seja pagar a conta do pagode ou do boteco e ir embora. Vai acontecer, tenho certeza.

    Dezembro 2008



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