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  • Roberto Menescal: “Jazz e bossa nova beberam da mesma fonte”

    Agenda Bafafá em 04 de Fevereiro de 2021    Informar erro
    Roberto Menescal: “Jazz e bossa nova beberam da mesma fonte”

    Nascido em Vitória, mas carioca desde os três anos de idade, Roberto Menescal é um dos fundadores da Bossa Nova. Autor do sucesso “O Barquinho”, marco do estilo musical que encantou o mundo, ele fala com exclusividade ao Bafafá.
     
    O artista conta que a bossa nova teve como inspiração a batida de violão de João Gilberto (que completou 80 anos) e o estilo de cantar do francês Henri Salvador. “A batida de João me surpreendeu e era tudo o que queríamos para tocar o samba. Henri trouxe esse jeito de cantar que a gente gostava”. Questionado sobre a influência do jazz, não tem dúvida: “Jazz e bossa nova beberam da mesma fonte, literalmente”, assinala.
     
    Roberto Menescal exerce grande atividade musical. Além de dirigir o selo Albatroz, gravando sucessos internacionais em ritmo de bossa nova, faz muitos shows no Brasil e no exterior. Uma importante parceria é com o ex-guitarrista do The Police, Andy Summers, com quem tem dividido o palco e recentemente gravado DVD. Outra parceria de mais de 40 anos é com a cantora Wanda Sá.
     
    Nesta entrevista ao Bafafá, Menescal fala da sua juventude, os primórdios da bossa nova e a influência do jazz. Ao responder se tem alguma utopia, não titubeia: “Espero continuar com essa disposição, saúde e nunca me aposentar. Isso eu tenho pavor, de ficar em casa vendo televisão”, garante o artista.
     
    Como foi sua juventude em Vitória e no Rio de Janeiro?
    Na verdade eu só nasci em Vitória. Vim para o Rio de Janeiro aos três anos de idade eu fui morar numa casa na Rua Jardim Botânico até os 12 anos. Meu pai era engenheiro e trabalhava no Instituto Brasileiro do Sal e minha mãe dona de casa. Depois disso nos mudamos para Copacabana num apartamento da Galeria Menescal que tinha sido construída por um primo de papai. Foi quando tive a primeira inclinação pela música quando ganhei uma gaita. Um dia mostrei pro meu pai os primeiros acordes que tinha conseguido tirar do instrumento. Ele ficou admirado e me matriculou numa aula de piano com uma tia que morava na galeria. Fiquei dois anos com ela, mas larguei porque era muito severa e batia nos meus dedos com uma varinha quando inventava umas notinhas a mais nas partituras de Beethoven (riso). Resolvi estudar sozinho e depois a aprender acordeom que era o instrumento do momento. Era legal porque eu podia levar ele para onde eu fosse (riso). Aos 17 anos descobri o violão e me apaixonei. Comprei um na Sears e aprendi a tocar sozinho, apesar da rejeição do papai que achava que era um instrumento de vagabundo (riso). Este violão acabei quebrando na frente do cine Metro quando fui tirar onda com as meninas. Um amigo tinha um carro conversível e a capota fechou sobre ele (riso).
     
    Como foi o encontro da turma da bossa nova?
    Eu gostava de assistir os musicais no cine Metro. Já conhecia a Nara Leão, que apesar de garota, era muito desenvolvida. A gente ia para a casa dela tocar e sempre chamava amigos até criarmos uma turma. Até que um dia conheci o Carlos Lyra que estudava no meu colégio, já tocava e tinha até gravado uma música. Acabei matando mais aula do que assistindo (riso). Nestas rodas na Nara depois apareceram o irmãos Castro Neves e o Ronaldo Bôscoli que compunha. Até então as músicas lembravam o canto lírico e como tocávamos num apartamento não podíamos soltar a voz. Acabou ficando uma marca da bossa nova, cantando baixinho. Até que um dia o João Gilberto, indicado por um amigo comum, bateu na minha casa e me mostrou a batida dele. A partir dali ele entra também pra turma (riso). Até que ele grava o disco “Chega de Saudade” e começa a fazer sucesso. Um dia fomos nos apresentar com a Sylvinha Teles num show no Clube Hebraica de Laranjeiras. Como o produtor não sabia o nome da gente acabou colocando na placa “Sylvinha Teles e o grupo Bossa Nova”. Acabamos saindo dali com um nome (riso).
     
    Confere que o João Gilberto era duro?
    O João veio de fora, da Bahia. Ele morava numa pensão num quarto com seis pessoas em camas perfiladas. Depois que ficamos amigos não saía de casa e até emprestava roupas para ele (riso).
     
    O jeito dele tocar te surpreendeu?
    A batida dele me surpreendeu e era tudo o que queríamos para tocar o samba. Ele criou o estilo passando a batida do tamborim para o violão.
     
    A bossa nova influenciou o jazz ou o jazz influenciou a bossa nova?
    Jazz e bossa nova beberam da mesma fonte, literalmente (riso). O jazz dava liberdade ao músico, dava para improvisar. Foi a primeira música “libertatória” no mundo. De repente a gente pega isso, mistura com a bossa nova e devolve para eles dando uma liberdade rítmica que não tinham.
     
    A bossa nova aposentou o canto lírico da música brasileira?
    Não foi uma coisa premeditada. Por que as pessoas cantavam alto? Porque o som era deficiente. Quando a aparelhagem foi ficando melhor dava para compensar com os amplificadores (riso). Dali em diante isso acabou, muita gente sofreu muito com a mudança.
     
    Confere que o cantor francês Henri Salvador influenciou a bossa nova?
    Claro, o Henri Salvador cantando “Dans mon ilê” marcou. Fico até arrepiado. Eu tive sorte de conhecê-lo um ano antes de morrer e disse que a bossa nova ia existir de qualquer maneira, mas ela não seria a mesma sem ele. Henri ficou emocionado. Ele trouxe esse jeito de cantar que a gente gostava, mas não tinha certeza. Era justo esse reconhecimento.
     
    Depois disso o Rio e o mundo sucumbiram ao estilo?
    A gente criou, mas São Paulo profissionalizou. Passaram a nos chamar para tocar lá e pudemos aparecer mais. A gente não tinha noção do alcance da coisa. Tanto que quando fomos para Nova Iorque em 62 tocar no Carnegie Hall fomos recebidos no aeroporto por feras do jazz. Foi o primeiro grande choque nas nossas vidas. Depois do show a maioria da turma acabou ficando nos EUA, entre eles, João Gilberto, Tom Jobim, Carlos Lyra e Sérgio Mendes. Eu voltei porque já estava de casamento marcado (riso). A turma acabou, mas a música foi para o mundo (riso).
     
    A Miúcha confirmou ao Bafafá que Tom Jobim estava no Bar Veloso quando Frank Sinatra telefonou para gravar com ele.
    O garçom chegou e disse ao Tom que um tal de Frank Sinatra estava ao telefone. Todo mundo riu achando que era trote. Quando voltou garantiu que tinha sido convidado para gravar com ele. Ninguém levou a sério. Só depois que o Tom gravou com o Sinatra que a turma acreditou mesmo (riso).
     
    A bossa nova é samba?
    Eu acho que é uma forma de samba. O Jorge Ben é samba, meio pop.
     
    50 anos depois como analisa a trajetória da bossa nova?
    Fomos muito felizes de participar de uma coisa que está aí até hoje. Quando começou achávamos que ia durar um ano, depois passaram cinco e chegou aos 50 anos com show na praia para 50 mil pessoas.
     
    Os jovens gostam de samba, mas desprezam a bossa nova hoje?
    Talvez seja porque nós sempre fomos muito acomodados. Os jovens, na verdade, não sabem o que é bossa nova. Mesmo assim, é incrível a quantidade de emails e mensagens que recebo de jovens no Facebook.
     
    Por que o estilo não se renovou?
    O samba era feita por uma turma do morro e dava para dançar, se divertir. É o ritmo, o contagio.
     
    Pode surgir algum estilo novo na MPB?
    Acho que não. Deve surgir uma nova formar de você mostrar a música. Tudo o que nós estamos fazendo hoje já foi feito. Essa música que ainda estamos fazendo, seja samba, seja rock, é uma música do século passado. Ela supriu o que tinha que suprir. Eu não sei como vai ser, se ela virá por imagem. Basta ver na Internet músicas que têm cinco milhões de acessos. Uma Lady Gaga não se importa muito com a música, importa o espetáculo, o show. Eu vejo que a gente está na beira de uma grande transformação, só que isso não acontece no início de cada século. Ela vem crescendo e está no auge nos anos 50. Quem viver verá!
     
    As gravadoras estão perdendo espaço?
    Gravadora é uma coisa extinta. Hoje, ao invés de você dar um cartãozinho, você dá um CD, é como um cartão de visitas. Além disso você vende seus discos nos shows sem precisar de gravadora onde você ganha um real por disco (riso). No entanto, os artistas ainda não perceberam isso ainda. As gravadoras estão agonizando, vendo quem apaga a luz.
     
    O Barquinho, em parceria com Ronaldo Boscoli, fez 50 anos e soma mais de duas mil gravações em todo o mundo e em vários idiomas. Esta música é um marco na sua carreira?
    É uma marco na minha vida mesmo (riso). Eu tenho lembrança muito boa dela e me divirto com as diferentes gravações que ela tem através do mundo, inclusive na Coréia (riso).
     
    Como está sendo a parceria com Andy Summers do Police?
    É uma parceria inusitada porque te confesso que nunca fui conhecedor do The Police, nunca me liguei. Uma vez peguei uma música deles, Roxane, e gravei com uma cantora que eu gosto muito chamada Cris Delano. Fizemos um arranjo “blues bossa”. O Andy ouviu, não sei aonde, e quis me conhecer. Um dia ele veio ao Rio, fomos almoçar e vimos que tínhamos algumas coisas em comum. Aí surgiu a idéia de fazer algum trabalho junto. Foi quando realizamos uns shows e gravamos um DVD juntos. Brevemente iremos nos apresentar na Europa.
     
    Tem alguma utopia?
    Sim, de levar tudo isso até o fim da estrada (riso). Não desejo mais nada, tenho tudo que eu quero. Espero continuar com essa disposição, saúde e nunca me aposentar. Isso eu tenho pavor, de ficar em casa vendo televisão (riso).
     
    Junho de 2011
     
    Entrevista concedida ao editor do Bafafá, Ricardo Rabelo.

    ÁUDIOS

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