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  • Rubem Confete: “O bom sambista tem que nascer com o dom”

    Agenda Bafafá em 18 de Agosto de 2020    Informar erro
    Rubem Confete: “O bom sambista tem que nascer com o dom”

    Considerado um dos mais importantes comentaristas de samba da imprensa brasileira, Rubem dos Santos, mais conhecido como Rubem Confete, começou no samba em 1961 como passista da Mangueira e do Salgueiro.
     
    Seis anos depois entra para a Ala dos Compositores do Império da Tijuca. Paralelamente, atuou como comentarista das rádios Continental e Roquete Pinto e ainda colaborou com a Tribuna da Imprensa e o Pasquim. Até hoje dedica-se ao jornalismo dirigindo e apresentado há quase 30 anos o programa “Ponto do Samba” na Rádio Nacional.

    Carioca de Madureira e mangueirense de carteirinha, tem diversas músicas gravadas como compositor: "Pagode do Exorcista", por Nei Lopes e Wilson Simonal, "Xangô é de Baê", interpretada por João Donato e Caetano Veloso, "Poeira Pura", cantada por Roberto Ribeiro, "Gosto Amargo da Vida", interpretada por Paulo Ramos e "Combinado Assim", gravada por Joel Teixeira.
     
    Mesmo com toda a bagagem musical, só lançou seu primeiro CD “Sou Raça” em 2003.  Em entrevista exclusiva ao Bafafá, Confete faz uma radiografia da história do samba no Rio de Janeiro e dá uma dica para a nova geração: “O bom sambista tem que nascer com o dom. Sem dom não adianta nada. Depois, tem que saber música. Mesmo que seja intuitivo, tudo tem que estar muito bem ensaiado”, afirma.
     
    O senhor se lembra da antiga Lapa?
    Minhas lembranças são das décadas de 1940 e 1950, quando comecei a atuar. Os cabarés eram freqüentados por rufiões, jogadores e boêmios, com música e dançarinas, meio prostitutas. Havia quatro sambistas que se apresentavam nestes locais, Wilson Batista, Blecaute, Zé da Zilda - o Zé com Fome - e Geraldo Pereira. 
     
    Quais eram os sambas preferidos dos frequentadores?
    Não tinha música preferida. Wilson cantava suas músicas, assim como Geraldo as dele e Zé da Zilda também as de sua autoria. Blecaute era apenas intérprete. Antes desse pessoal, havia Noel Rosa. Ele ia à Leiteria Bosch, onde em cima funcionava um cabaré que ele freqüentava e tinha uma mulher. Ele também cantava na Lapa Quem me contou isso foi um amigo, já falecido, Alfredo Tibira, nascido em Vila Isabel e admirador do Noel. 
     
    Todos residiam na Lapa?
    Francisco Alves morava na Rua do Riachuelo. Geraldo Pereira, na Rua Washington Luis. Wilson Batista também morava por ali. Blecaute era de Copacabana. Zé da Zilda, o Zé com Fome, era técnico de um time de futebol de Francisco Alves, na Lapa. 
     
    Como surgiu a fama de Madame Satã?
    Madame Satã era porteiro de um prostíbulo na Rua Taylor. A função dele era comprar comida para as moças e, de madrugada, quando elas acabavam o trabalho, era encarregado pelos cafetões de levá-las para suas casas. Nenhuma delas ficava na rua, não. As que ficavam nas ruas não eram prostitutas de casas. Ele só foi reconhecido no início da década de 1970. No Edifício Avenida Central havia uma padaria. E nós costumávamos tomar cerveja ali à tarde. Havia uma senhora que também tomava cerveja ali. Um dia ela encontrou Madame Satã. Só que esta senhora era uma ex-prostituta e viúva de um general. Ela se aproximou e disse que ele havia a ajudado muito. Daí, ela passou a vestir Madame Satã. Foi aí que veio toda a história dele. Ele era brigão, valente. Havia até aquela história de que ele matou Geraldo Pereira. Geraldo Pereira bebia muito e era muito abusado, molestava todas as moças. Ele morava em uma casa de cômodos na Rua Washington Luis, onde morava também, em um dos quartos, uma moça. E Geraldo começou a falar piadinhas para ela. Só que a moça era namorada de um sargento da aeronáutica. Naquele tempo, quando alguém das Forças Armadas tinha qualquer problema, eles se reuniam e mandavam dar uma surra na pessoa. E eles deram uma surra no Geraldo, que veio a falecer. Isso foi em 1954 ou 55. 
     
    Qual foi o outro acontecimento marcante do bairro?
    Vinícius de Moraes foi convidado para ser paraninfo de uma turma do Caco (Faculdade de Direito da UFRJ). Ao passar pela Rua Visconde de Maranguape e ter visto Nelson Cavaquinho, ele disse que não iria mais fazer discurso. Quem (formandos) quisesse é que fosse para lá. E os formandos foram e fizeram a festa na Lapa, no bar Juca Pato. Vinícius escrevia sobre samba, considerado hoje samba de raiz, na década de 1950. No Última Hora (jornal) havia um caderno chamado Flan, do qual ele era cronista. 
     
    Qual era o seu samba preferido?
    Os que eram tocados no rádio. Nós frequentávamos gafieira e havia cantores como Raul Moreno e Jamelão. 
     
    O que é necessário para ser um bom sambista?
    O bom sambista tem que nascer com o dom. Sem dom não adianta nada. Depois, tem que saber música. Mesmo que seja intuitivo, tudo tem que estar muito bem ensaiado. E em terceiro lugar, saber como o artista tem que se comercializar para não ser vilipendiado. Por exemplo, o músico vai tocar em uma casa e no final da noite dão para ele R$ 30 ou R$ 40 depois de um trabalho tenso. Ele não é músico só na hora da apresentação. Ele o é antes, durante e depois. Além de, posteriormente, fazer uma autocrítica sobre seu desempenho. Tudo isso conta, mas não há reconhecimento dos empresários, dos empregadores. É muito raro, muito difícil haver este reconhecimento. Isso é muito problemático. Por outro lado, nós estamos vivendo um bom momento na Lapa, até porque a Lapa nunca foi como esta de hoje. 
     
    Há diferenças entre o samba atual e o tocado naquela época?
    A diferença principal para mim é o timbre. Também a levada do samba e a harmonia. A batida sofria muitas restrições quanto a instrumentos de percussão. Na gravação, o maestro tinha muito cuidado. Percussão era algo meio proibido, pois os métodos musicais ficavam em cima da harmonia. O ritmo não era muito levado a sério. Você vem a encontrar a percussão um pouco mais avançada na Orquestra Tabajara. Nos cassinos, Herivelto Martins e Ataulfo Alves valorizaram os percussionistas trazidos das escolas de samba. A percussão só começou a aparecer mesmo na década de 1960. Até então, tinha que ser muito comportada. A própria bossa nova, se não fosse Edson Machado, um baterista excepcional. Milton Banana, outro excepcional que com seu trio, junto com Elizeth Cardoso, lançou o samba no Japão. Hoje, o mercado está aberto. 
     
    Há mais de 50 anos vários músicos já faziam bossa. Por que a bossa nova ganhou força em 1958?
    Realmente, Noel já fazia bossa. Havia um movimento na França chamado “Nouvelle Vague”. O primeiro disco de bossa nova foi chamado de Nova Onda. Bossa foram outras pessoas que colocaram. Tom não gostava de ser chamado de bossanovista, ele dizia que era sambista. Baden recusava também. Tanto quem pegou mais isso foi Roberto Menescal, Bôscoli. Quando eles foram para os Estados Unidos para aquele famoso show no Carnegie Hall quem salvou o show foi Carmem Costa, Bola Sete e Zé Paulo. E os músicos americanos ficaram impressionados com a harmonia moderna. Stan Gezt foi quem começou a fazer bossa nos Estados Unidos. 
     
    Pode-se definir a bossa nova como uma das muitas maneiras de se fazer samba?
    Sim. Se você pegar os discos antigos de Zé Menezes, que tocava tudo que era instrumento de percussão e era considerado por Radamés Gnatalli, você vai encontrar bossa. Eu acho apenas que sistematizaram. Quem tocava em baile, também era obrigado a “fazer uma bossa”, que era encostar a partitura e tocar de improviso em cima do tema. Se você observar bem, a bossa nova é uma batida que dá para dançar tranquilamente. Já se dançava aquele tipo de batida em gafieira. A bossa nova vem com o decorrer dos anos. Havia um músico excepcional, Moacir Santos, que veio do interior de Pernambuco, que nem piano tinha em casa. Ele desenhava um teclado e compunha por ali. Depois, à noite, quando o pessoal da orquestra saia da Rádio Nacional, ele ia lá, pegava a chave do piano e tocava. Foi ele um dos professores de Tom Jobim.
     
    Setembro 2008 
     


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