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  • Wilson Moreira: “O samba-enredo virou marcha”

    Agenda Bafafá em 16 de Agosto de 2020    Informar erro
    Wilson Moreira: “O samba-enredo virou marcha”

    Nascido em 12 de dezembro de 1936, o carioca de Realengo Wilson Moreira ficou órfão do pai aos nove anos e trabalhou duro para sustentar a família como engraxate, entregador de marmita e até guia de cego. No entanto, estava predestinado ao samba. Com apenas 15 anos já integrava a ala de compositores da Mocidade Independente de Padre Miguel.
     
    O sucesso veio aos 29 anos atraindo atenção de grandes nomes da MPB. Ao longo da carreira já foi gravado por Clara Nunes, Eliseth Cardoso, Candeia, Alcione, Martinho da Vila, Dona Ivone Lara, entre outros. Wilson Moreira, que também foi guarda de presídio durante 35 anos, é autor – em parceria com Nei Lopes – do antológico samba “Senhora Liberdade”.
     
    Apesar disso, garante que não teve inspiração na profissão. “Muita gente achava que era uma música de presos (risos). Não teve nada a ver, é um samba de amor, feito de coração (risos)”, assegura. Em entrevista ao Bafafá, Moreira fala sobre vários temas: juventude, música,  inspiração, bossa nova e muito mais. Sobre os desfiles na Sapucaí, não titubeia: “O samba-enredo virou marcha. A cronometragem atrapalha muito o desfile”.

    Como foram a sua infância e adolescência? Minha infância foi em Realengo onde estudei até a 5ª série. Parei porque perdi meu pai e como mais velho trabalhava para sustentar a casa. Aos 18 anos servi exército onde fui soldado cavalariano. Jogava bola, inclusive tendo disputado torneios na segunda divisão. Treinei no Bangu e só não cheguei a profissional porque não deu (riso).

    Quando descobriu a vocação pelo samba? Desde os 13 anos. Assistia os ensaios da escola de samba Os três Mosqueteiros e me influenciava com os cantores e compositores. Com 15 já tinha sambas prontos, mas tinha vergonha de mostrar, porque era uma responsabilidade. Foi quando conheci um compositor chamado Paula Brasão, cuja sogra era minha vizinha, que acabou dando o aval para meu primeiro samba. No carnaval eu assistia os desfiles em Realengo e achava lindo. Um dia, disse para minha mãe: vou sair para desfilar. Ela respondeu: "você gosta, pode sair". E estou até hoje.

    Qual era a fonte de inspiração para compor? Sempre o amor (risos). Eu tenho sambas de amor que deixaram muita gente feliz em Padre Miguel. A letra do Meu Apelo eu fiz nos anos 60 andando de madrugada pela rua. Batia no peito e cantarolava: “eu vou acabar enlouquecendo se você não me quiser...” Guardava a letra de cabeça e chegando em casa anotava.

    Toca algum instrumento? Não. Tentei aprender a tocar violão, mas não deu. Estudei música no MIS com o Guerra Peixe que uma vez me disse que eu tinha a harmonia toda no peito e que era arriscado me atrapalhar se aprendesse a tocar.  Também não leio partitura, mas sei direitinho dar o tom da letra.

    O Brasil valoriza o samba? Valoriza pouco. Precisa ser mais ativo. Tinha que ter gravadoras para gravar sambas de terreiro que é mais cadenciado.

    O que acha de ser tocado no Japão? No Japão valorizam muito a nossa música, sabia? Não tive a oportunidade de ir e até iria se me convidassem (riso), na medida do possível.

    Como foi conciliar a carreira de sambista com a de guarda penitenciário? A vida naquela época era tranqüila, os bandidos não se metiam com as pessoas de bem. Havia respeito. Quando fui trabalhar no presídio, você sabe que havia respeito mútuo? De homem para homem. O preso respeitava o guarda. Várias vezes encontrei com ex-presos na cidade. Me cumprimentavam e até convidavam para tomar cerveja (risos). Nas minhas folgas, que duravam 72 horas, eu compunha. Tinha cuidado de não falhar. Gravava umas fitas e datilografava as letras para poder mostrar ao artista.

    Confere que a música “Senhora Liberdade” teve inspiração em sua profissão de guarda? Muita gente achava que era uma música de presos (riso). Não teve nada a ver, é um samba de amor, feito de coração (risos). Na época, o Sergio Cabral fez um aniversário na casa dele e nos convidou. Estava todo mundo lá: Martinho, João Bosco, Velha Guarda da Portela. Tinha uma mesa de centro e os presentes cantavam em volta dela. Quando chegou a minha vez cantei este samba, feito em parceria com Nei Lopes, então intitulado Violenta Emoção. A Zezé Mota achou lindo e gravou depois com o nome “Senhora Liberdade”. Foi um estouro. Até hoje este samba é cantado em todas as rodas.

    O que acha da bossa nova? Foi um movimento que deu chance para todo mundo que tinha música guardada. Sou fã de muita gente da bossa nova, da Leny Andrade, do João Gilberto com a música “O Pato”. Eu conheci o autor, o Jaime Silva que morava em Madureira. Ele andava com a gente na Portela em Oswaldo Cruz. Fui parceiro de bossanovistas como Adilson Silva e Arnoldo Silva, mas não cheguei a gravar com eles. Na verdade, a bossa nova é samba. O surdo está sempre por trás. Se não tiver ele, não adianta.

    E do samba produzido hoje? A rapaziada faz, mas a gravadora impõe outro tipo de trabalho para vender. O próprio samba-enredo é feito de um jeito, chega no estúdio e muda. É para vender disco. Isso é que atrapalha o compositor, é muito chato. 

    Gosta de funk? Não (riso). É um som muito violento para o tipo de música que faço. Quantas vezes vejo brigas.

    E o pagode? É um samba incompleto (riso).

    Onde se escuta o melhor samba hoje no Rio? Tem várias casas. Primeiro tem o Candongueiro em Niterói. E também o Carioca da Gema na Lapa.

    Quem é o melhor sambista? O Zeca Pagodinho é um grande sambista. Ele escolhe bem, canta bem, é um cara que sabe tirar proveito do samba. Da nova geração, destaco a Nilze Carvalho que deveria cantar mais individualmente. Porque não colocam essa menina para gravar na Universal?  Destaco ainda Luiza Dionísio, Iracema Monteiro e a Simone Lial que cantam muito bem.

    Como está vendo os desfiles na Sapucaí? O samba-enredo virou marcha. Eu fui passista, pandeirista. A cronometragem atrapalha muito o desfile. Eu não posso fazer samba-enredo porque meu samba é cadenciado. O último que fiz foi Quilombo, com Nei Lopes.

    O samba é eterno? O samba de Noel está aí até hoje assim como a obra de Pixinguinha.

    Você tem alguma utopia? Rapaz, você me pegou no contrapé. Uma vez eu estava conversando com o bandolinista Paulinho Marques. Ele falou pra mim que essa coisa de utopia era fogo e me disse: “Esquece isso”, (riso).

    Quais são seus projetos em andamento? Quero gravar um CD com músicas inéditas e conhecidas. Está prontinho e só falta alguém ter coragem de levar para o estúdio. Acho que vou ter de tentar pela Lei Rouanet.

    Quer dar algum recado para seus fãs? Quero que a rapaziada preste bem atenção na Música Popular Brasileira porque é muito bonita. Curtam o samba. Para quem está começando digo que siga em frente, faça as coisas perfeitas e nunca de orelhada (riso).

    Dezembro de 2008.



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