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  • Fernando Ferreira Botelho, o Dodô do Flamengo

    Da Redação em 06 de Maio de 2016    Informar erro
    Fernando Ferreira Botelho, o Dodô do Flamengo

    Fernando Ferreira Botelho, o Fernandinho, também conhecido como Dodô, foi o primeiro goleiro profissional do time do Flamengo na década de 30. Nascido em 03 de março de 1913, e hoje com 99 anos, é um dos últimos ex-atletas vivo da época. Começou jogando no meio de campo nas divisões juvenis, mas acabou no gol quando o titular se machucou, entre 1931 e 1935. Em entrevista exclusiva ao Bafafá, Dodô faz uma radiografia dos primórdios do futebol carioca. Seu depoimento surpreende pela lucidez e riqueza de detalhes. Ele conta que tudo era importado da Inglaterra. “Vinha tudo num baú, bolas, camisas, meias, chuteiras”. Revela ainda que o carioca sempre gostou de futebol. “Não tinha nenhum esporte que rivalizava”. Sobre a fatídica derrota para o Uruguai, em pleno Maracanã, na final da Copa de 50, desabafa: “O futebol é o único esporte que conheço em que o mais fraco pode ganhar do mais forte”. Questionado sobre as chances do Brasil ser campeão mundial na Copa de 2014, demonstra desânimo. “Com essa seleção só um milagre para sermos campeões mundiais”, fuzila. Como foram a sua infância e juventude? A minha infância foi muito boa. Eu morava na Rua Paissandu no Flamengo e lá passei sete anos maravilhosos de 1925 a 1932.

    Quando descobriu a paixão pelo futebol?

    Minha mãe era flamenguista. Fui para o time do Flamengo através do intermédio de um jogador antigo, amigo dela, chamado Ademar Martins, o “Japonês”. Como o Flamengo ficava também na Rua Paissandu, era como se fosse meu quintal.

    Como era jogar bola naquela época?

    Tudo era importado. As bolas eram inglesas, aliás, tudo vinha de lá num baú grande, camisas, meias, chuteiras. Tínhamos duas camisas, uma azul e outra branca. Como os jogos eram só uma vez por semana, aos domingos, dava perfeitamente.

    Confere que começou como goleiro por acaso?

    O Flamengo tinha uma garotada boa de juvenis. Um senhor, chamado Júlio Silva, tomava conta desses garotos. No campeonato de 1932, cinco garotos vieram das divisões de base: eu, Moyseis, Baianinho, Nelson e Rolinha. Já naquela época o Flamengo formava jogadores em casa. Minha posição era meio de campo, mas um dia o goleiro Elídio quebrou a costela na trave e acabei sendo chamado para seu lugar, pois tinha o hábito de defender bolas no gol. Como não se substituía jogador eu fui parar no gol. Virei titular até 1935.

    O futebol já era popular?

    O Flamengo era mais popular que o Fluminense. Depois entrou o Vasco. O América tinha muito mais torcida que o Botafogo. As partidas aconteciam no campo do Fluminense, mas o melhor campo da cidade era o do Vasco, em São Januário. Os vascaínos não sabem que quem o construiu foi o Raul Campos. Esse foi o homem que ergueu o estádio, num lugar degradado e perigoso. O campo está lá até hoje e continua sendo o melhor do Rio de Janeiro.

    Os jogadores eram remunerados?

    No meu tempo de amador não. Veio o profissionalismo a partir de 1932 com alguns jogadores pagos, coisa que o Fluminense implantou na gestão do Arnaldo Guinle que tinha muito dinheiro. Ainda assim, eu como profissional, nunca fui remunerado. Mas era um prazer jogar pelo time e ajudava também a conquistar as moças. Já éramos conhecidos, tinha até balinhas com o nosso retrato (riso). A população era muito menor, não tinha isso de dar autógrafo.

    Como eram os treinamentos?

    De terça a sexta. Descansávamos na segunda e no sábado, véspera das partidas. Tínhamos um preparador físico muito bom, um ex-boxeur argentino e um técnico uruguaio chamado Ramon Platero que tinha sido auxiliar técnico da Seleção Uruguaia.

    As jogadas eram leais?

    Os jogos eram leais. Podia até ter um ou outro desleal, mas era raro. Hoje os treinadores mandam “matar a jogada”, tem até 50 faltas numa partida.

    O público era empolgado?

    O carioca sempre gostou de futebol, não tinha nenhum esporte que rivalizava.

    Como era a relação com a imprensa?

    A relação era boa. O jornal “Crítica”, de Mário Filho, cobrava, mas era respeitoso. Não tínhamos também esses escândalos que tem hoje (riso).

    Como foi sua estreia no time principal?

    Melhor não podia ser, ganhamos de 1 a 0 do Fluminense (riso). Aliás, era meu freguês, ganhei todas deles ao longo da minha carreira (riso).

    E sua despedida? 

    Em 1935, estava com o joelho machucado e perdemos para o Vasco por 4 a 3 apesar do time também ser o nosso freguês. Já o Botafogo e o América não eram fregueses, eram duros de jogar. Tanto que o Botafogo foi campeão em 32.

    Conseguiu ganhar dinheiro?

    Ao parar de jogar o time do Flamengo me deu 50 contos, muito dinheiro na época. Serviu de entrada para comprar meu apartamento que custava 80 contos. Foi o primeiro prédio de oito andares em Ipanema, o Marajoara, tinha vista até da Avenida Niemeyer. É onde moro até hoje.

    O que fez depois de parar de jogar?

    Eu fundei um time chamado Olímpico Clube. Reunia jogadores que tinham parado de jogar, entre eles eu, o Preguinho e o Jarbas. Fazíamos excursões, inclusive no exterior. Chegamos a ir jogar em Santos de avião fretado da Condor, coisa raríssima naquela época.

    E a derrota na final da Copa de 50?

    Eu estava lá, foi na véspera de meu casamento. Foi triste, um desespero, um velório. Era um jogo em que bastava empatar. Essas coisas acontecem. O futebol é o único esporte que conheço em que o mais fraco pode ganhar do mais forte. Nos outros, o ruim não ganha do bom.

    Qual foi o melhor jogador de todos os tempos?

    O Zico, ele maltratou o futebol carioca (riso). Todos os times do Rio de Janeiro não suportavam ele, pois foi nove vezes campeão carioca. Sabe o que é isso? O Flamengo ganhou tudo com o Zico, campeonato carioca, campeonato brasileiro, campeonato mundial. O time dele foi um dos maiores que eu vi jogar na minha vida. Temos ainda Pelé, Romário, Bebeto. Mas, o maior foi o Zico.

    E o time da Copa de 70?  

    Não foi um time maravilhoso, mas foi bem armado. O ataque era muito bom, o Jairzinho foi o melhor jogador dessa copa.

    Como está vendo a nossa seleção?

    Mal, muito mal. Muito corrido, sem futebol. Você já viu o Brasil, às vésperas da Copa do Mundo, ainda não ter titular? Hoje só se fala no Neymar. Quais são os outros jogadores? Agora apareceu o beque do Vasco, o Dedê, mas não temos novidade. Os que jogam no exterior estão acabados, o Pato está todo dia parado, o Kaká é incerto. Eu estou querendo que ganhe, mas com essa seleção só um milagre para sermos campeões mundiais.

    E o desempenho do Mano Menezes?

    Acho todos eles fracos.

    E o futebol da Espanha?

    Está jogando o futebol que o Brasil jogava antigamente. A defesa é fraca, mas o time é agressivo. O negócio não é fazer gol, é ganhar o jogo. Não adianta querer ganhar de 20 a 0. Podem dizer que estou velho e gagá, mas não estou. Tenho 99 anos, mas minha cabeça está boa e adoro futebol.

    O senhor pretende assistir a Copa de 2014?

    Se Deus quiser! Eu quero estar vivo para isso (riso).                                                                                                                      

    E o time do Flamengo?

    No momento está mal, mas todos eles também (riso). O problema é que não temos mais pontas e meio de campo. Agora os laterais fazem o trabalho deles. Antigamente tinha o esquema WM, mas hoje mudaram. Não foi isso o que os ingleses ensinaram. O flamengo precisa de meio de campo, aliás, o Brasil todo precisa. O Ronaldinho é jogador muito explorado, está com 32 anos. Mas, e os outros? A volta do Vagner Love foi maravilhosa, ele sim joga bola, tem apetite, mas peca pelo físico. É um jogador bom, clássico, o Brasil tinha muitos. Ele é muito melhor que o Thiago Neves!

    Qual foi o acontecimento mais importante do século XX?

    Para mim o cinema falado foi o grande acontecimento, fora de série.

    Gosta do Brasil?

    Eu me considero um homem de sorte. Há dois anos eu vi a morte e escapei. Adoro a alegria do brasileiro, do carioca. Sempre foi assim. As novas gerações estão muito maltratadas, muita coisa ruim está acontecendo. Peço que “papai do céu” ajude e resolva isso (riso).

    Está gostando do governo da Dilma?

    Estou, se ela continuar assim melhor ainda. Não votei nela, mas não sou teimoso, votaria sem problema. O Serra é um político cansado. Abril 2012



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