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  • Jorge Mautner: A minha utopia é a busca da felicidade

    Agenda Bafafá em 23 de Maio de 2016    Informar erro
    Jorge Mautner: A minha utopia é a busca da felicidade

    Jorge Henrique Mautner nasceu no Rio de Janeiro em 17 de janeiro de 1941, em plena Segunda Guerra Mundial. Filho de austríacos judeus fugidos do holocausto aprendeu a tocar violino aos sete anos com o padrasto Henri Muller da Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo. Além de cantor e compositor, é também escritor, uma faceta pouco conhecida do grande público, sendo autor de nada menos do que 13 livros. A primeira obra “Deus da Chuva e da Morte” lhe rendeu o prêmio Jabuti de literatura com apenas 17 anos. Como músico já ganhou o Gramy latino de 2003 com o disco “Eu não peço desculpas” ao lado de Caetano Veloso.

    Como foi a sua infância? Eu nasci um mês depois que meus pais chegaram vindo da Áustria. Meu pai era da resistência judaica ao nazismo e trabalhou para o Getúlio Vargas apoiar os aliados contra o eixo. Até os sete anos minha mãe estava muito traumatizada com a guerra e eu fiquei sob os cuidados da minha babá Lúcia que era Yalorixá do Candomblé. Passava os finais de semana no terreiro onde me acostumei com os batuques. Depois que mamãe se separou, fui morar em São Paulo onde ela se casou com o Henri Muller, que era violinista do Teatro Municipal. Aprendi o violino com ele, que além de música clássica, tocava canções populares nas rádios Nacional e Record. Sempre o acompanhava nas apresentações o que me deu boa base erudita e popular.

    Como foi a descoberta da literatura? Paralelamente a isso, sempre fui instigado a ler pelo meu pai. Ele era uma pessoa muito formada e me levou à leitura. Sempre tentava me expressar escrevendo ao mesmo tempo em que já compunha músicas que posteriormente seriam sucessos como “Vampiro”, “Olhar Bestial”. O interessante é que eu tentava imitar todos os estilos ao escrever. Lia compulsivamente todos os autores brasileiros, franceses, russos, americanos, chineses. Eu brincava assim.

    O que está achando do nível cultural do Brasil? Ao contrário do que se pensa nós estamos num momento muito precioso da história porque temos uma cultura própria, calcada na amálgama, na reinterpretação de tudo. Essa realidade cultural é a grande característica do Brasil. Nasce das várias culturas indígenas, dos escravos negros, dos portugueses. Nós somos frutos disso tudo. Tem ainda os 30 anos de revolução cultural dos jesuítas que inventaram o país através do idioma e conseguiram acabar com o canibalismo em uma ou duas gerações. Uma descoberta recente revelou que havia um samba originário dos índios, o chocalho, que se encontrou com o semba africano.

    E o que chamam hoje de lixo cultural? Eu não acho que é lixo cultural. O que houve foi a massificação, com a dignidade e os direitos humanos chegando ao que antes era a multidão. A multidão não era nem gente. Hoje em dia cada um é uma pessoa, um indivíduo. O Brasil está sacudindo a poeira de 500 anos. Se investiu mais até hoje para não ter informação do que para ter. O funk, o hip hop, o rapp, o reggae e o samba, são manifestações culturais. O axé é dirigido para fazer sucesso. A Ivete Sangalo, uma cantora maravilhosa que nasceu com o batuque, é um lado profissionalizante de altíssima qualidade da música brasileira. Se você notar, mesmo na música que é só para entretenimento, tem uma elevação de qualidade e da emoção. Eu não faço esse tipo de arte, mas não tenho nada contra. Cheguei inclusive a participar de um disco dela tocando violino. Até pouco tempo atrás, os primeiros cinco ou dez lugares nas paradas eram de músicas estrangeiras. Hoje em dia são todas brasileiras. O Brasil na verdade começa a despontar no século XXI como grande potência cultural tendo esse segredo de convivência, da paz. Até hoje se fingiu de invisível e agora não dá mais. Tem muito a fazer ainda. É o infinito do otimismo pela frente.

    Quais os compositores que mais gosta? É uma lista muito grande. São todos os que me fundamentaram: Dorival Caymmi, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, Noel Rosa, são muitos.

    O que acha do papel de Paulo Coelho na literatura mundial? Eu fui muito amigo quando ele morava no Rio. É um escritor que merece essa leitura que tem no mundo inteiro porque consegue traduzir para a linguagem comum o milagre e a beleza do interesse pelo pensamento. Além de ser o Brasil universal, ele conseguiu aproximar as religiões no perdão, no amor e na reconciliação. Ele pegou os gnomos, os duendes e a bruxaria e os colocou a serviço do bem, inclusive da visão de Jesus do Nazaré. Ele é muito criticado pelos intelectuais, mas por mim não é (riso).

    O que acha da TV no Brasil? O Brasil é o país que mais tem televisões abertas em funcionamento. Acho que essa TV pública do governo vai ser necessária. A TV aberta age por pesquisa, tem que satisfazer o efeito de venda. Existe cada vez mais a preocupação de criar programas populares como o da Regina Case. As próprias novelas mostram um Brasil que nunca antes era exibido. Isso tudo é resultado da mudança dos tempos. A liberdade caminha cada vez mais em direção à participação de todos os setores, de todas as vozes.

    Você acha que na MPB pode surgir algum novo estilo, como a bossa nova? O mistério da arte é inesgotável (risos). Com essa somatória de amálgamas que temos, de inventar e reinventar, o que vem por aí não está nem no mapa (riso).

    O samba é eterno? O samba é eterno, é a labareda da liberdade porque nasce dos batuques.

    Como está vendo o governo Lula? Eu apoio o governo Lula desde o início. Tenho trabalhado com o Ministério da Cultura e o Gilberto Gil visitando os pontos de cultura. Acho que o Lula é um estadista genial da nova esquerda democrática no mundo. Ele não é presidente de uma facção só.

    E a questão da violência no Rio de Janeiro? Isso é uma questão que se resolve através da cultura, da informação, da assistência social. Quando tiver que ser tem de haver confronto direto. É muito bom que as notícias policiais, que antigamente ficavam restritas às últimas páginas dos jornais, apareçam como notícias prioritárias. Acho que a lei e a ordem, com a democracia, vão inevitavelmente se impor. Basta ver as prisões que estão sendo feitas no Brasil. A cultura e o esporte desviam os jovens do crime.

    Você tem alguma utopia? A minha utopia é a busca da felicidade de uma sociedade. Ela vai se exercendo pelas ações, pensamentos. A vida interior é que fabrica a utopia, tua intenção primeira. Tu tem que se perdoar e perdoar os outros. Eu diria que minha utopia está numa frase de São Paulo que diz: “mesmo quando não houver mais fé e esperança, o amor continuará a resplandecer no Universo”.

    Junho 2007

    Entrevista concedida a Ricardo Rabelo.



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