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  • Marcos Valle: “Sem o samba e o jazz, a bossa nova não existiria”

    Agenda Bafafá em 04 de Fevereiro de 2021    Informar erro
    Marcos Valle: “Sem o samba e o jazz, a bossa nova não existiria”

    Carioca, filho de paraenses, Marcos Kostenbader Valle, é compositor, cantor, instrumentista e arranjador. Começou a tocar piano clássico com apenas seis anos e ainda adolescente descobriu a bossa nova, estilo musical que adotou e ajudou a ganhar o mundo. Seu estilo inovador conquistou respeito e admiração no Brasil e no exterior, principalmente nos Estados Unidos onde morou oito anos, chegando inclusive a compor para a diva Sarah Vaughan. Às vésperas de completar 50 anos de carreira e 70 anos de vida, Marcos Valle já gravou 35 discos, temas de novelas e compôs centenas de músicas.

    Em entrevista ao Bafafá, faz uma radiografia da carreira. Conta que fez parte da segunda geração da bossa nova fundindo estilos como o jazz e o baião. A partir de 1990, suas músicas ganharam as pistas de dança de casas noturnas de Londres, Paris e Tóquio. Questionado sobre as origens da bossa nova, não titubeia: “Sem o samba tradicional e o jazz, a bossa nova não existiria”.

    Como foram a sua infância e juventude?

    Venho de uma família de classe média, meu pai era advogado paraense radicado no Rio. Éramos cinco filhos e ele procurou nos dar a melhor vida possível. Eu nasci em Copacabana numa travessa entre as ruas Miguel Lemos e Djalma Urich, onde tinha um teatro de revista. Era um apartamento muito simples. Depois papai conseguiu se mudar para a Rua Sá Ferreira. Mais tarde, construiu uma casa no Leblon, na Rua Codajás, onde depois o Tom Jobim foi morar em frente. Desde cedo eu tinha duas coisas muito fortes: a música, por influência da minha avó materna que tocava piano clássico e do papai que gostava de música popular. O primeiro ritmo que me atraiu foi o baião por causa do Luiz Gonzaga. A segunda coisa era o esporte que papai fazia questão que praticássemos.

    Confere que começou a tocar piano com seis anos?

    Sim, tocando música clássica. Ficava dedilhando o piano e meus pais resolveram me colocar no conservatório. Era bom, mas também difícil, pois tinha que estudar duas horas por dia (riso). Consegui conciliar com as outras atividades como jogar bola (riso). Estudei sete anos e conclui o conservatório. Já adolescente estudei no Santo Inácio e no Brasileiro de Almeida, cuja dona era a mãe do Tom.

    Depois foi estudar direito?

    Sim, fiz o primeiro ano de direito na PUC para então abandonar (riso). Já tocava em festinhas, clubes, sempre me destacando.

    E o início da carreira?

    Aos 18 anos encontro o Edu Lobo dentro de um ônibus e ele me convida a tocar em formato de trio ao lado de Dori Caymmi. Também passei a frequentar os saraus musicais na casa do Ary Barroso pouco antes dele falecer. Estavam lá Tom, Baden, Lúcia Rangel, Carlinhos Lyra. Eu ficava empolgado no meio de tantos caras talentosos. Já compunha algumas músicas, mas não tinha coragem de mostrar (riso). Só um tempo depois toquei para o Vinícius na casa dele no Parque Guinle. Tinha um cara chamado Lula Freire, onde o pessoal da bossa nova se reunia, que disse que minhas músicas precisavam ser gravadas pelo Tamba Trio, entre elas, “Sonho de Maria”, composta junto com meu irmão Paulo Sérgio. Naquela noite mesmo chegaram Menescal, Baden e o Tom que passaram a admirar meu trabalho. Logo depois o grupo Os Cariocas gravam duas músicas minhas e a carreira deslancha. Acabei contratado pela Odeon para gravar um disco. Confesso que não esperava, já que o meio de bossa nova era de altíssima qualidade (riso). 

    Qual é seu papel na bossa nova?

    Em primeiro lugar dar continuidade à bossa nova. Eu era da segunda geração como Edu Lobo, Dori Caymmi e Francis Hime. Minhas influências vinham da música clássica e da música popular, do baião, do jazz e das marchinhas de carnaval. Não fiquei parado na bossa nova tradicional. Acho que permiti parcerias com outras correntes. 

    Por que optou por morar nos EUA? Foi um exílio voluntário?

    Tinha ido em 1965 para trabalhar com o Sérgio Mendes depois de gravar Samba de Verão. Em 1975, a censura estava fortíssima no Brasil e mutilava as músicas. Enchi o saco e passei a não me apresentar em público, quase que engolindo a voz (riso). Era uma espécie de autocensura. A letra da música Viola Enluarada não sei até hoje como passou. E olha que eles censuravam até a interpretação (riso). Ai fui para os Estados Unidos para morar em Los Angeles. A idéia não era ficar, mas acabei cinco anos lá (riso). O grupo Chicago gravou algumas músicas minhas e me projetou. Acabei compondo para a Sarah Vaughan e outros nomes da música negra americana. 

    O que seria da bossa nova sem o jazz?

    A bossa nova é uma maneira diferente de se tocar o samba tradicional. A harmonia da bossa nova era mais sofisticada, os sambistas não tinham muito conhecimento de música. Compositores como eu e o Tom tinham estudado música clássica e gostávamos de jazz. O encadeamento de harmonia foi influência do jazz. Depois acontece o inverso, a bossa nova entra nos EUA e faz enorme sucesso. Isso graças também ao fato dos músicos de jazz adotarem o estilo. Sem o samba tradicional e o jazz, a bossa nova não existiria.

    Onde é mais fácil fazer música? Nos EUA ou no Brasil?

    No Brasil, mas não tenha dúvida nenhuma (riso). Eu sou consegui fazer música nos EUA porque era muito forte o estímulo de trabalhar com grandes artistas como Sarah Vaughan. Morar no Brasil é muito mais inspirador (riso). 

    Você é um músico super cultuado na Europa e Japão? Embora eu tivesse uma entrada nos EUA, na Europa foi bem mais tarde. Recentemente, os DJs londrinos procuraram estilos que não fossem bate-estaca e alguém começou a toca meu disco “Os Grilos”. Essa música chamou a atenção nas pistas de dança e também para a minha obra. Um dia a cantora Joyce me telefona para dizer que eu estava sendo tocado na noite em toda a Europa. A partir dai passei a ser convidado para shows e a gravar. Hoje tenho esse mercado e público também no Japão, Austrália e Cingapura. Isso me motiva muito a continuar a fazer música. 

    Confere que já tocou nos quatro continentes? Nos quatro continentes. Nunca parei para contar quantos países, mas foram muitos. Toquei na Europa inteira, Cingapura, Austrália, Japão, EUA, Canadá. O público japonês adora música brasileira e só lá já estive mais de 20 vezes. Anualmente faço turnês em todos esses países. Acabei de chegar do Cazaquistão onde toquei para mais de mil pessoas. Nunca gostei tanto de tocar ao vivo, aquele negócio que tive em 75 ficou para trás. Hoje eu quero cantar, quero botar tudo para fora (riso).

    Qual é a tua inspiração?

    A emoção. Um acorde daqui, outro dali, te puxa para uma música. Mas, normalmente, é preciso de um estímulo. Às vezes as idéias vêm quando estou caminhando, dormindo, lendo. Procuro ter sempre um papel à mão. Chego a ligar para a minha secretária eletrônica para cantarolar uma música. 

    O que está achando da nova safra da MPB?

    Estou gostando. Essa moçada tem outros meios de divulgar o seu trabalho. Por exemplo, a Mallu Magalhães, mulher do meu parceiro Marcelo Camelo, despontou pela Internet. Isso estimula as pessoas a criar. Tem muita gente nova aparecendo. O interessante é que não romperam com o passado, sabem tudo dos músicos da minha geração.  

    A Internet está quebrando paradigmas?

    Sim. Rompeu os vícios, os bloqueios.

    Como está a sua agenda de shows?

    Vou fazer quatro shows em Curitiba em novembro. Depois toco na Miranda, uma casa na Lagoa. Em seguida sigo para Boston, nos Estados Unidos, onde serei homenageado pela Burt School, a escola de música mais famosa do mundo. 

    Quais são os seus projetos?

    No ano que vem completo 50 anos de carreira. Vou gravar vários CDs e realizar dezenas de shows. Tenho ainda um plano de transformar minhas músicas num projeto sinfônico em parceria com Jacques Morelembaum. 

    Tem alguma utopia?

    Tentar aproximar mais as pessoas, reduzindo as desigualdades. Que as gerações novas possam desfrutar de momentos melhores no Brasil. Essa é a minha utopia.

    Novembro 2012



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