Movimento de escuta é um espetáculo com dançarinos surdos que usa de diferentes linguagens para tratar de comunicação e pertencimento.
Superar limites é da natureza humana. O brasileiro tem em especial a gana de lutar contra as adversidades da vida – e elas não são poucas. Se pensarmos nas Pessoas com Deficiência (PCDs), essa obstinação faz-se mais latente. Quando ela culmina num trabalho artístico, pode ser tão potente quanto arrebatadora.
Essas características são comuns em cinco jovens de diferentes regiões do Rio de Janeiro. Em comum, além da vocação artística, está o fato de serem surdos. Eles integram a Cia de Dança SOM e, mais uma vez sob a direção de Clara Kutner, realizam seu terceiro trabalho – o primeiro num teatro.
Lá se vão cinco anos desde que Clara Kutner, então envolvida com a pesquisa para uma residência artística, chegou ao Instituto Nacional de Educação para Surdos (Ines). Ali, conheceu Alef Felipe, Lucas Guilherme, Luiz Augusto, Thayssa Araújo e Valesca Soares. Essa imersão resultou na instalação “Som, uma coreografia para surdos”, aresentada em 2019 no Oi Futuro. Ela não imaginava que sairia dali uma companhia de dança. E, durante a pandemia, criaram o projeto de video-dança “Já”, com oito episódios.
“Movimento de escuta” é portanto o terceiro trabalho que realizam em conjunto. Os cinco bailarinos assinam juntamente com a diretora o roteiro do espetáculo, que une algumas das muitas referências que os formam como artistas e indivíduos. Cada um deles tem suas histórias de vida, que envolvem romper a linha da “invisibilidade”, atrás da qual, numa sociedade ainda não inclusiva, muitos deficientes estão segregados.
E cada um tem muito a mostrar. O funk e o passinho, dois estilos de dança fortemente presentes nas periferias do Rio de Janeiro, estão também (fortemente) presentes no espetáculo. As coreografias são assinadas por Celly IDD, referência na inserção e construção feminina na vertente que ficou conhecida como Passinho Foda.
As referências trazidas em Movimento de escuta vão além da dança. O roteiro é composto também de referências às artes visuais (Alef Felipe é também artista plástico) e a poesia, abarcando,no caso desta, os Slams, como ficaram conhecidas as disputas de improvisação poética que ocorrem nas periferias. E, sim, há momentos falados, através da linguagem de Libras, uma vez que discutir inserção e pertencimento fazem parte da proposta.
É estimulante ver como eles, diante da impossibilidade da escuta, alcançam a sincronia tão essencial à dança. Tal efeito deve-se ao fato de terem suas atenções e sensibilidades voltadas a estímulos outros, como o da frequência do som, a percepção do entorno e o da própria relação com o tempo.
O que de fato importa numa realização artística não são os meios, mas o resultado. E ele é algo potente e capaz de nos fazer repensar nossa relação com a vida e com o mundo. Sim, superar limites é da natureza humana. Assim como revelar e potencializar belezas.
Ficha técnica:
Criação e direção geral: Clara Kutner
Bailarinos-criadores: Alef Felipe, Lucas Guilherme, Luiz Augusto, Thayssa Araújo e Valesca Soares
Coreografias, técnicas do funk e colaboração musical: Celly IDD
Assistência de Direção e Produção: Layla Paganini
Dramaturgia e colaboração coreográfica: Cia de Dança SOM
Acompanhamento em Libras e acessibilidade: GS Produções e acessibilidade
Direção Musical: Luciano Câmara
Desenho de Luz: Tiago Rios
Direção de arte: Clara Kutner e Cora Marinho
Assessoria de Imprensa: Christovam de Chevalier
Realização: Doralice Produções, A Arte Nunca Dorme Produções e Cia de Dança SOM
Capacidade: 20 pessoas
Classificação: 16 anos