Cem anos separam dramas que, infelizmente, persistem. Nos anos 1920, o Rio de Janeiro era uma cidade de contrastes.
Apesar de sua aparente aura conservadora, com elites influenciadas pelos valores tradicionais, a capital brasileira escondia em suas ruas um submundo marginal, onde o consumo de substâncias estimulantes florescia.
O fato é contado no capítulo "No bairro da substância branca" do livro Mistérios do Rio, de Benjamin Costallat. A obra, do famoso cronista carioca, revela um panorama sombrio onde dependentes químicos, intermediários e revendedores de diferentes classes sociais compunham uma complexa rede de dependência e comércio.
O pó branco era destinado exclusivamente ao consumo por viciados. O comércio da substância era altamente organizado, contando com intermediários e revendedores que garantiam a distribuição entre aqueles que viviam sob o jugo do vício. Esse mercado operava de maneira mais tranquila à noite, quando a movimentação de consumidores aumentava e as transações ocorriam discretamente em ruas e estabelecimentos frequentados por adeptos.
A venda era feita em pequenas quantidades, sendo comum a comercialização em "três pequenos frascos". Os dependentes, conhecidos como "irmãos", formavam uma comunidade unida pelo vício, compartilhando não apenas a substância, mas também um estilo de vida marginalizado. As principais áreas de consumo e comércio incluíam a Rua da Glória, a Lapa e seus arredores, onde o estimulante era vendido e consumido em cafés e pensões elegantes, atraindo indivíduos de diferentes camadas sociais.
As consequências do vício eram devastadoras. Os dependentes se tornavam escravos da substância, perdendo tudo para sustentar o hábito. Apesar de a "classe dos consumidores" manter certa solidariedade entre si, o impacto do consumo era destrutivo, levando muitos à ruína financeira e social. O uso estava profundamente associado ao "mundo noturno da substância terrível", onde a degradação e o sofrimento eram constantes.
O preço variava conforme o local e o público consumidor. Na Rua da Glória e na Lapa, regiões preferidas pelos usuários, a comercialização ocorria de forma mais acessível. Já no luxuoso Palace Club, frequentado pela jeunesse dorée, jovens ricos da elite carioca, os valores chegavam a 200$ por uma pequena quantidade, evidenciando a presença também nos círculos mais abastados da sociedade.
Mistérios do Rio expõe, assim, uma face obscura da história carioca, retratando um submundo onde substâncias estimulantes reinavam, trazendo prazer efêmero e consequências irreversíveis para aqueles que delas dependiam.
NOTA: Este texto tem finalidade exclusivamente histórica e educativa, relatando fatos documentados sobre o Rio de Janeiro dos anos 1920.