Com duas indicações ao Prêmio Shell de Teatro de 2024 - nas categorias direção (Pedro Sá Moraes) e cenografia (Ricardo Siri) - e indicado ao Prêmio 19º APTR de Teatro (2025) na categoria jovem talento (Luize Mendes Dias), "Hereditária" está em cartaz no teatro do Espaço Cultural Sérgio Porto, de sexta a domingo, até 23 de fevereiro.
Idealizado por Moira Braga, o espetáculo parte da descoberta da artista, aos sete anos de idade, de uma condição genética rara - Stargardt -, que causaria a perda de sua visão, para investigar os múltiplos sentidos da hereditariedade, do genético ao social. Há quase duas décadas atuando como autora, bailarina e atriz em espetáculos de dança, teatro e no audiovisual, esta é a primeira vez que Moira traz ao palco sua biografia, e tematiza a doença de Stargardt.
“A ideia é dar uma resposta larga sobre de onde vem a doença”, explica Moira, “e abrir a reflexão para um leque mais amplo, investigando o que são nossas heranças e nossa hereditariedade, tudo que chega pra nós através da ancestralidade, tudo que fica pelo caminho, assim como as heranças que escolhemos ter”.
A dramaturgia, composta pela atriz junto com o diretor do espetáculo Pedro Sá Moraes, entrelaça eventos da vida pessoal e dos antepassados de Moira a referências históricas e mitológicas — como o mito grego das Moiras: três irmãs funestas que tecem o destino de todos os seres. Entre o biográfico, o poético e o político, Hereditária reflete sobre o quanto de nossas vidas é predeterminado e o quanto temos o poder de escolher.
Para além de uma contrapartida social, a montagem de “Hereditária" tem a ampliação do acesso na raiz de sua concepção — o que é marca registrada dos trabalhos de Moira. No palco, a idealizadora contracena com duas outras atrizes, Luize Mendes Dias, também intérprete de libras, e Isadora Medella, também multi-instrumentista. Libras e audiodescrição estão entrelaçadas de forma orgânica desde a dramaturgia até as movimentações de cena, expandindo as fronteiras do que costuma se compreender por “acessibilidade". “Esse é naturalmente meu ponto de partida", diz Moira, "quero que o meu trabalho acesse o maior número de pessoas e, por isso, fomos concebendo mecanismos estéticos e dramatúrgicos que proporcionem a expansão desse acesso".
Um musical diferente
A narrativa, atravessada por canções originais compostas por Sá Moraes, possui uma abordagem estética diferente do que costuma se entender por “Teatro Musical”. A direção musical, assinada por Pedro junto com Isadora Medella, explora as vozes, os corpos e até os objetos cênicos como instrumentos musicais.
Nesta forma de fazer teatro, que recebe o nome de Teatrocanção "a musicalidade é o norte que ajuda a encontrar o tom da atuação, a pulsação de cada cena, mesmo quando não há nenhuma nota musical sendo tocada", diz o diretor, indicado ao Prêmio Shell em 2023 pela direção musical e canções originais do espetáculo “Em busca de Judith”.
O cenário é uma instalação visual e sonora do músico e artista plástico Ricardo Siri. É composto por objetos que, ao serem manipulados (pisados, percutidos, tocados, transportados) produzem os ambientes e sonoridades da peça. Para que pessoas cegas e de baixa visão tenham acesso a este cenário, serão convidadas a entrar no teatro alguns minutos antes da abertura de portas e explorar os objetos cênicos de forma táctil.
Ao contrário dos musicais tradicionais, com números de dança virtuosísticos, a direção de movimento de “Hereditária”, assinada pelo performer, ator e professor da UFBA, Edu O. parte da diversidade de potências de cada corpo para compor gestos e movimentos cênicos.
Edu, primeiro professor de dança cadeirante de uma universidade pública brasileira, é uma referência no debate sobre a deficiência nas artes, e traz sua reflexão a respeito do capacitismo, ou “bipedismo compulsório” para a criação de Hereditária.
O capacitismo é um conjunto de ações e perspectivas excludentes, que refletem de forma cotidiana uma realidade social bastante grave. Um levantamento do Ministério da Saúde revela que o Brasil possui, atualmente, 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, representando 23,9% da população. Destas, quase 70% não concluíram o ensino fundamental e apenas 1% estão no mercado de trabalho.
Moira comenta que existem boas políticas públicas para pessoas com deficiência, como o percentual mínimo de PCDs em produções artísticas, mas ela alerta sobre a falta de informação da população em geral: “O que precisamos agora é a ampliação do acesso à informação. Me choca a falta de conhecimento sobre o que estamos fazendo, o que é uma audiodescrição, como faz, porque é necessária. A gente precisa falar muito sobre isso. Precisamos que os patrocinadores se interessem, que o público queira conhecer”, afirma.
FICHA TÉCNICA
- Idealização- Moira Braga
- Dramaturgia - Moira Braga e Pedro Sá Moraes
- Direção - Pedro Sá Moraes
- Elenco - Isadora Medella, Luize Mendes Dias, Moira Braga
- Canções originais - Pedro Sá Moraes
- Direção musical - Pedro Sá Moraes e Isadora Medella
- Direção de movimento - Edu O.
- Cenografia- Ricardo Siri
- Figurino - Vania Ms. Vee
- Iluminação - Ana Luzia De Simoni
- Identidade visual - Vinícius Santilli | Grambolart
- Fotos - Junior Zagotto, Pedro Sá Moraes, Felipe Rodrigues
- Registro Audiovisual | Edição - Felipe Rodrigues
- Maquiagem - Lucia Carrara
- Assessoria de Imprensa- Jaciara Rodrigues - Dedicata Comunica
- Consultoria em Libras - Jadson Abraão
- Consultoria em audiodescrição - Felipe Monteiro
- Contabilidade - Marcio Nascimento
- Assistência de produção - Nicholas Bastos
- Direção de Produção - Jordana Korich
- Realização - Grande Mãe Produções, Movimento Falado Ltda., Sá Moraes Produções.
Duração: 60min
Classificação etária: 16 anos.
Indicações ao Prêmio Shell de Teatro (2024):
Melhor Direção (Pedro Sá Moraes).
Melhor Cenário (Ricardo Siri).Indicação ao Prêmio APTR de Teatro (2025):
Jovem Talento (Luize Mendes Dias)