Realizado nos princípios do teatro documentário, “Um homem sem importância” parte da carta escrita por Leo Lama a seu pai, o dramaturgo Plínio Marcos, no dia de sua morte. Através do relato íntimo e contundente de um filho a respeito da trajetória única de seu pai, o solo narrativo mescla memória pessoal e coletiva, conduzindo o público pelos bastidores de duas gerações marcadas pela ditadura civil-militar de 1964.
Dirigida e interpretada por Bruno Peixoto, a peça fica em curta temporada no Espaço Cultural Sérgio Porto, até dia 10 de novembro.
Plínio Marcos, um dos dramaturgos mais importantes do teatro brasileiro, foi também um dos que mais sofreu nas mãos da censura, tendo sua obra silenciada por mais de duas décadas.
Segundo Bruno Peixoto, a carta de Leo Lama parte do lugar comum, de como Plínio Marcos ficou conhecido como um autor maldito, e disseca a figura social do pai, revelando um homem que não se preocupava com as glórias efêmeras do seu ofício, mas com o propósito de sua vida.
O coletivo, que costuma se aprofundar em um longo processo de pesquisa antes de iniciar cada trabalho, descobriu a carta de Leo Lama enquanto estudava o texto “Balada de um palhaço”, de Plínio Marcos, considerada pelo próprio autor como uma de suas obras mais relevantes.
Escrita no final de 1980, a peça é um diálogo entre dois palhaços de um circo decadente que discutem o que fazer para que o circo continue vivo. “Era uma forma de falar sobre aquele momento do teatro brasileiro, que também não sabia o que fazer depois de 21 anos de ditadura”, revela o grupo.
Usando uma maleta, alguns banquinhos e um buquê de flores amarelas, Bruno busca levar ao palco o essencial de Plinio Marcos. “Muita gente não sabe, mas o caminho artístico dele começou no circo, como o Palhaço Frajola. Achávamos que a figura do palhaço, que se relaciona com o fracasso com um sorriso nos lábios, era importante para estar nessa encenação.
O nosso palhaço não apenas mostra um lado desconhecido do próprio Plínio Marcos, mas também se relaciona diretamente com sua obra teatral que mais se preocupou em analisar as duras contradições de nosso ofício”, conclui o ator.
A dramaturgia conta ainda com manuscritos de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, um dos artistas mais inquietos da sua geração, reconhecido não só pelo seu trabalho como ator, mas principalmente pela busca incessante por uma nova dramaturgia brasileira, por sua produção de ensaios e críticas, e pela organização política da classe artística.
“Não há uma data precisa de quando o manuscrito que levamos a cena foi escrito, mas ele pertence a um momento maduro de Vianinha e sintetiza a sua busca por um teatro brasileiro radicalmente crítico, que não perde a ternura ou o bom-humor” comenta Bruno.
Ao revistar a trajetória desta “geração interrompida” do teatro brasileiro, o coletivo En La Barca, que comemora uma década de atividades em 2024, presta uma homenagem ao legado de artistas que marcaram a história do país.
Há 25 anos partia Plínio Marcos e há 50 Vianinha. O coletivo defende que, ao preservar a memória destes autores mais radicais, o teatro contribui para uma pequena parcela do ajuste de contas com a História, um ajuste que ainda não foi feito enquanto sociedade. “A luta contra o esquecimento assume várias formas e essa é a forma que escolhemos de lutar”, afirmam os artistas.
EN LA BARCA
Sediado no Rio de Janeiro, desde 2014, o coletivo desenvolve um trabalho baseado no resgate de memórias históricas silenciadas, desconhecidas ou invisibilizadas. Nos últimos 10 anos esteve à frente da criação de oito peças teatrais, três documentários em audiovisual e três publicações dedicadas a memória dos seus processos de pesquisa.
Pelo trabalho continuado na tradição documental, foi reconhecido em 2023 pelo IBRAM – Instituto Brasileiro de Museus – como Ponto de Memória. Em 2024, criou o LEDAC – Laboratório de Estudos Documentais nas Artes Cênicas - como um braço pedagógico de suas atividades, voltado para a formação de atores e atrizes na abordagem da tradição teatral documental. O Laboratório cumpriu residência no Centro Técnico de Artes da Funarte no primeiro semestre recebendo dezenas de artistas entre os meses de março e junho
Classificação: 12 anos
Duração: 50 minutos
FICHA TÉCNICA:
- A partir do texto "Meu pai morreu", de Leo Lama e de manuscritos de Oduvaldo Vianna Filho
- Desenho de criação: Anna Fernanda e Bruno Peixoto
- Dramaturgia documental, direção e atuação: Bruno Peixoto
- Figurinos e objetos: Anna Fernanda
- Programação visual: Manuela Paiva Ellon
- Iluminação: Bruno Peixoto e Thiago Gouvêa
- Assistência de produção: Lucia Talabi e Pedro Otávio Cavalcante
- Consultoria artística e teórica: João Raphael Alves, Kailany Guimarães e Marcelo Valle
- Fotografias: Anna Fernanda
- Assessoria de imprensa: Mar Comunicação
- Produção: Jacuba Produções Artísticas
- Realização: En La Barca Jornadas Teatrais