Em um país que produz cerca de 200 mil toneladas de resíduos por dia, grande parte ainda destinada a lixões e aterros, a Universidade Federal do Rio de Janeiro dá um passo relevante na busca por soluções concretas para o problema do lixo e das emissões de carbono.
A instituição colocou em operação um laboratório de escala semi-industrial dedicado à transformação de resíduos sólidos e dióxido de carbono em produtos úteis, energia e insumos industriais.
Instalado na Cidade Universitária, o Laboratório de Pesquisa Aplicada em Pirólise de Resíduos e Descarbonização é coordenado pelo Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig/Coppe) e abriga um dos maiores reatores de pirólise em funcionamento em centros de pesquisa da América do Sul. O equipamento, com 18 toneladas, opera ao lado de uma planta de descarbonização projetada e construída no Brasil.
Do lixo ao insumo: tecnologia aplicada em escala real
A proposta do laboratório é testar e desenvolver tecnologias capazes de tratar resíduos que hoje não têm valor econômico, como plásticos que sobram após a reciclagem, restos de biomassa e lixo flutuante, transformando-os em produtos com aplicação prática.
O processo central é a pirólise, um aquecimento em ambiente controlado, sem presença de oxigênio, que converte resíduos sólidos em três produtos principais: óleo pirolítico, gases combustíveis e biochar. O óleo pode ser utilizado na geração de energia ou refinado em frações semelhantes a combustíveis. Os gases alimentam o próprio sistema, aumentando a eficiência energética. Já o biochar é um carvão de alta qualidade, usado como fertilizante e condicionador de solo, com capacidade de retenção de carbono.
Segundo os pesquisadores, a combinação adequada de pirólise para resíduos secos, biogás para resíduos úmidos e separação correta pode reduzir drasticamente o volume destinado a aterros, chegando a algo entre 5% e 10% do total hoje descartado.
CO₂ deixa de ser passivo ambiental e vira produto
Além do lixo, o laboratório atua diretamente sobre o dióxido de carbono, principal gás associado às mudanças climáticas. Em vez de apenas capturar o CO₂, a planta de descarbonização o converte em barrilha, ou carbonato de sódio, insumo estratégico utilizado na fabricação de vidro, tratamento de água, indústria têxtil, papel e celulose, petroquímica e perfuração de poços.
O processo fixa o carbono de forma estável a partir da reação do CO₂ com soda cáustica. Parte desse dióxido de carbono é gerada no próprio laboratório, tanto pelo reator de pirólise quanto por um gerador movido a biometano.
O Brasil não produz barrilha em escala industrial há décadas e depende da importação de milhões de toneladas por ano. Ao transformar CO₂ em barrilha, a tecnologia desenvolvida na UFRJ alia sequestro de carbono à substituição de um insumo importado por produção nacional.
Pesquisa aplicada com impacto econômico e social
O laboratório foi concebido como uma plataforma de testes e protótipos para governos, prefeituras e empresas que precisam transformar compromissos ambientais em projetos viáveis. A estrutura permite simular cenários reais de cidades com grandes aterros sanitários e desenhar soluções sob medida para diferentes cadeias produtivas.
Empresas dos setores de energia, cana-de-açúcar, vidro, papel, celulose e saneamento já demonstram interesse nas tecnologias desenvolvidas. A expectativa é que, a partir da pesquisa aplicada, surjam modelos replicáveis em diferentes regiões do país, combinando inovação, geração de empregos e redução de impactos ambientais.
Um novo papel para o lixo na transição climática
Para os coordenadores do projeto, o impacto mais imediato da iniciativa está em duas frentes. A primeira é ambiental e social, ao reduzir a poluição de rios, praias e áreas habitadas por populações vulneráveis que convivem com lixões. A segunda é climática, ao oferecer uma rota concreta de sequestro de carbono em escala industrial.
Ao transformar resíduos e CO₂ em energia, fertilizantes e insumos industriais, o laboratório da UFRJ reposiciona o lixo como parte da solução e coloca o Rio de Janeiro na linha de frente das tecnologias de baixo carbono desenvolvidas no Brasil.
Fonte: Conexão UFRJ