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  • Afonsinho: “Não adianta ter paz com desigualdade e injustiça”

    Da Redação em 23 de Outubro de 2016    Informar erro
    Afonsinho: “Não adianta ter paz com desigualdade e injustiça”

    Afonso Celso Garcia Reis, mais conhecido como Afonsinho, nasceu em São Paulo em 1947 e foi criado no município de Marília no interior do estado. Ex-jogador de futebol ficou nacionalmente conhecido ao jogar como meia armador no time do Botafogo entre 1965 e 1970 ao lado de craques como Jairzinho e Gerson. Atleta militante e estudante de medicina, participou das manifestações contra a ditadura e foi o primeiro jogador do Brasil a conquistar o passe livre. Atuou também pelo Olaria, Vasco da Gama, Santos, Flamengo, América-MG, Madureira e Fluminense onde encerrou a carreira. Paralelamente ao futebol formou-se em medicina pela Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, hoje UNIRIO, função que exerce até hoje como médico de família na Ilha de Paquetá onde reside. 

    Em entrevista ao Bafafá, Afonsinho admite que chegou a ser sondado para participar da luta armada contra o regime. “Gostava de participar dos debates sobre a situação política no país e fui realmente sondado, mas não tinha condições de ir, pois ainda estava jogando”, segreda. O ex-jogador fala sobre vários temas: infância, início no futebol, Copa do Mundo no Brasil e política. “Não há argumento que sustente a destituição de Dilma. Foi um golpe midiático-parlamentar”, assegura. Sobre utopias, não titubeia: “Todo mundo fala em paz, mas a paz é filha da justiça. Não adianta ter paz com desigualdade e injustiça”.

    Como foram a sua infância e juventude?

    A minha infância foi em Marília de uma família de ferroviários. Meu avô era imigrante português e maquinista de trem. Meu pai era telegrafista e meu padrinho do administrativo da estrada de ferro. Minha mãe era professora primária e acabou influenciando papai que se interessou também pelo magistério onde acabou ficando mais de 30 anos. Quando ele se formou professor fomos morar em Jaú quando eu tinha de 09 para 10 anos. Lá ele fez curso para diretor de grupo escolar. Desde Marília eu jogava bola na rua e no quintal da fazenda de café Coqueiro no acesso ao aeroporto. Em Jaú fazia timezinhos de garotos com destaque para o Infantil Náutico do time de mesmo nome. Daí para o XV de Jaú foi um pulo, time que já tinha certa tradição. Eu pegava bolas atrás do gol e acabei no time amador. De 1963 a 1965, com 15 anos, já disputava a segunda divisão profissional e viajava de Kombi para os jogos (riso).

    Como foi a ida para o Botafogo? 

    O primeiro convite para jogar no Rio foi do fluminense. Como era no meio do ano meu pai sugeriu que esperasse o ano letivo terminar para aceitar. Nesse intervalo teve uma mudança no fluminense e o seu diretor de base, seu Walter Vasconcellos, acabou contratado pelo Botafogo. Ao completar o ano fui para o Rio de Janeiro com a carta de admissão dos dois times (riso). Cheguei na rodoviária, não conhecida nada. Fui parar num lugar errado e acabei pegando um ônibus para ir até o fluminense. No caminho passei pelo Botafogo e acabei descendo (riso). Fiz o teste e mandaram voltar para ficar. Cheguei ao Rio depois do carnaval de 65 e paralelamente fui estudar o terceiro científico. Fiquei um semestre jogando nos juniores e acabei sendo aproveitado no time principal. Foram cinco anos de Botafogo e um período rico.

    Como foi jogar ao lado do Jairzinho?

    Tinham vários jogadores da seleção: Manga, Jairzinho, Rildo, Leônidas, Gerson. Quando eu virei titular fazia o meio de campo com o Gerson.

    Confere que foi dispensado do Botafogo por não querer cortar o cabelo e a barba?

    Era uma rebeldia da juventude na época. Me encostar por isso foi um pretexto. A verdade é que com as mudanças no clube o Zagalo montou o time com um volante, um jogador de marcação, um meia armador e um ponta esquerda voltando. Eu não tinha mais vez no time. Acabou que o relacionamento foi se deteriorando e culminou com minha ida à justiça pelo passe livre. Eu não podia sair do time e não podia jogar em outro. Passou a ser um martírio ir ao clube. Acabei emprestado ao Olaria onde fui muito bem, quase um renascimento. O time fez uma excursão pelo mundo e acabou convidado para fazer jogos treinos com a seleção que ia para o Mundial de 70.

    Por que não jogou a Copa de 70?

    Todo jogador aspira a seleção, eu também, como estava em crise com o Botafogo sem jogar em sequencia penso que não havia condições de ser convocado em 70. A partir daí resolvi parar e prosseguir os estudos de medicina.

    Você foi o primeiro jogador a conquistar o passe livre?

    Sim, fui o primeiro a obter o passe na justiça.

    Confere que quase aderiu à luta armada para depor a Ditadura?

    Além de jogador eu era estudante e gostava de participar dos debates sobre a situação política no país. Fui realmente sondado, mas não tinha condições de ir, pois ainda estava jogando.

    Como está vendo a política no país?

    Ficou muito claro que houve um golpe. Não há argumento que sustente a destituição de Dilma. Foi um golpe midiático-parlamentar. Lamentável, nesta altura, nos depararmos com uma situação dolorosa dessas. O que fica mais claro é a fragilidade política da sociedade brasileira. Sem querer esconder as falhas do governo penso que foi uma solução radical. O conjunto de fatores de sua destituição inclui o machismo. É preciso se organizar de maneira a reencontrar o caminho democrático.

    Como viu a Copa do Mundo no Brasil?

    O Brasil caiu de produção e tomou aqueles 7 X 1 da Alemanha. Isso é fruto da má condução do futebol no país. E também da baixa qualidade de nossos craques, basta ver o desempenho dos atletas brasileiros na Liga Europeia. Hoje exportamos goleiros e zagueiros ao invés de atacantes. Na Copa do Mundo no Brasil, sobrecarregaram o Neymar com a função de capitão e só agora o tiraram do cargo. Foi um desacerto que acabou sendo fatal. Outra coisa também é que o Brasil deu mais valor à preparação física do que técnica e isso não é característica de nosso futebol. Inverteu-se a prioridade

    Você é médico aposentado, mas atua ainda como médico de família?

    É uma identificação muito grande para mim. Nunca atuei numa empresa privada, sempre trabalhei com o serviço público.

    Como é morar em Paquetá?

    A minha mulher sempre frequentou Paquetá e quando me aposentei resolvemos morar lá.

    Tem alguma utopia? 

    Sempre acredito no homem. Ele tem que ser capaz de coisas sublimes e criativas. Por isso existem os Picasso, Niemeyer, Pelé. A minha utopia é distribuir o produto do trabalho de maneira mais justa. Todo mundo fala em paz, mas a paz é filha da justiça. Não adianta ter paz com desigualdade e injustiça.

    Outubro 2016, entrevista concedida ao editor do Bafafá Ricardo Rabelo.


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      • Comentário do post Eduardo Barros:
        Gostaria muito de saber o e-mail do Afonsinho, tenho um documento que gostaria muito de enviar a esse craque.

      • Comentário do post Paulo Roberto Ferreira de Souza:
        O Dr. Afonsinho jogou muita bola, num time do Botafogo que só tinha craques. Marcou época. O homem, para ser respeitado, tem que ter coerência em tudo que diz e que faz. Assim foi o jogador Afonsinho, assim é hoje o Dr. Afonsinho. Tem o meu respeito e a minha admiração.

      • Comentário do post Wellington Faria Santos:
        Briga do Zagallo com o Afonsinho foi na excursão do time do Botafogo convidado pela Federação Mexicana de Futebol a participar do Torneio da Cidade do México, em fevereiro de 1970. Zagallo no vestiário do Estádio Azteca, barrou o Afonsinho e colocou o Nei Conceição na posição de meia armador que era a posição do Afonsinho camisa 8 Alvinegra. Afonsinho não aceitou ser barrado pelo Zagallo e resolveu não sentar no banco de reservas do Botafogo. A delegação do Botafogo voltou ao Rio, o Zagallo falou para o vice-diretor de futebol Xisto Toniato afastar o Afonsinho do time do Botafogo por indisciplina. Afonsinho foi emprestado ao Olaria para jogar o Campeonato Carioca de 1970. Afonsinho voltou ao Botafogo, o Zagallo foi demitido de técnico do Botafogo no final do Carioca. O Xisto Toniato implicou com o Afonsinho por usar o cabelo grande e a barba tipo Harpy, Che Guevara. Afonsinho não aceitou cortar o cabelo e raspar a barba, acabou afastado pelo dirigente de futebol Xisto Toniato. Afonsinho entrou na justiça no TJD da Ferj e ganhou o Passe Livre. Afonsinho alugou o passe ao Olaria e jogou o Campeonato Carioca de 1971.

      • Comentário do post Tomas Jose Padovani:
        Foi com grande prazer ler a entrevista com Afonsinho e saber que ele continua sendo um humanista consequente! Em 1970 jovem estudante e atleta ele deu uma entrevista a uma revista chamada BONDINHO que era editada e distribuida pelos Supermercados Pão de Açucar e já defendia idéias progressistas em plena ditadura militar!

      • Comentário do post Regina Helena Alves de Souza:
        Tenho muito orgulho de ter acompanhado sua carreira .Sair de Jau e vir vê lo jogar não tem preço .Primeiro passe livre e estudar medicina .Lindo Afonsinho.!



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