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  • Amir Haddad: O teatro do Rio de Janeiro é muito ruim e chato

    Agenda Bafafá em 23 de Maio de 2016    Informar erro
    Amir Haddad: O teatro do Rio de Janeiro é muito ruim e chato

    Amir Haddad é um dos diretores de teatro mais respeitados do País. Mineiro de Guaxupé, onde nasceu em 1937, foi criado no interior de São Paulo, na cidade de Rancharia. Em 1954, se muda para a capital para estudar direito, onde tem como colegas José Celso Martinez e Renato Borghi, que o convidam para dirigir Cândida, de Bernard Shaw. O engajamento é imediato. Interrompe a faculdade e participa da criação do Teatro Oficina em 1958 e no ano seguinte ganha seu primeiro prêmio de melhor direção com a peça A Incubadeira, de José Celso. A partir de 1961 segue para Belém, no Pará, onde realiza uma série de trabalhos para a Escola de Teatro de Belém. Sua aterrissagem no Rio de Janeiro acontece em 1965, quando o Teatro Universitário Carioca o convida para dirigir O Coronel de Macambira, de Joaquim Cardoso. O amor pela Cidade Maravilhosa é imediato. Fixa residência aqui e passa a produzir intensamente. O teatro de Amir Haddad conquista a capital carioca quando ele lança o grupo “Tá na Rua”. Como o próprio nome diz, a companhia tem como objetivo encenar os espetáculos em locais abertos, interagindo com o público e “quebrando” a tradição do cenário italiano.

    Em entrevista exclusiva ao Bafafá On Line, o premiado diretor Amir Haddad faz uma radiografia dos palcos cariocas. E não economiza críticas. “O repertório do Rio é para cidades de estações de águas, para Poços de Caldas. Estamos reduzidos à expressão mínima de nossas possibilidades, apesar da força cultural da cidade. Isso é até criminoso”, fuzila o diretor.

    Onde e quando surgiu o Tá na Rua?
    Surgiu de uma necessidade de sobrevivência diante do nó cultural em que o País ficou depois da Ditadura. Eu digo sempre que meu trabalho é uma contradição do governo Médici, pois fui um escape para suportar aquele tipo de vida. O grupo Tá na Rua assume essa forma, esse nome, a partir de 1980. Mas, desde a década de 70, venho estudando formas alternativas de representação para temas como linguagem, autoritarismo, domínio e opressão. Quando tive espaço, saí para a rua com uma proposta que era o contrário de tudo o que se fazia no teatro então. Eu queria me livrar daquela contaminação e sobreviver à Ditadura. E sobrevivi. Como um abutre, uma ave de rapina, fui desenvolvendo pelos recantos da Ditadura. Grande parte do meu trabalho foi no DCE da UFF, durante o tempo em que esteve fechado pela repressão. Nós ocupamos o prédio que estava vazio e ensaiamos nossas peças durante três anos. Nesse período, a polícia ia lá e trocava a fechadura. Mas, sempre retornávamos. Meu trabalho nunca foi político, sempre foi ideológico. Uma das maneiras que encontrei para escapar da censura foi trabalhar a linguagem e não a mensagem. Isso toca até o coração do policial, ele não se dá conta que isso é político porque pouquíssima gente associa afeto com ideologia.

    Você é contra o cenário italiano, por que razão?
    Eu queria modificar a questão do espaço. Dentro da sala fechada eu já tinha feito tudo, inclusive rompido com a cena italiana. A Fernanda Montenegro disse outro dia que o palco italiano ficou pequeno para mim. E ficou. Procurei outros espaços para saber o limite do alcance de meus espetáculos sem estar fechado entre paredes. Por isso fui para a rua.

    O que é a “desconstrução da dramaturgia”?  
    Durante a Ditadura encenei um espetáculo chamado “A Construção”. Com ele posso dizer que comecei o trabalho do que chamo de desconstrução da dramaturgia, que era muito apegada ao século 19 e da burguesia protestante. A desconstrução é desmontar a estrutura da dramaturgia tradicional para espaços abertos, com uma visão mais ampla de mundo e não para uma parcela como é o caso do teatro do realismo burguês.

    Como explica o declínio de público jovem nos teatros?
    O teatro do Rio de Janeiro é muito ruim e chato. O que um jovem vai fazer no teatro? O repertório do Rio é para cidades de estações de águas, para Poços de Caldas. Estamos reduzidos à expressão mínima de nossas possibilidades, apesar da força cultural da cidade. Isso é até criminoso. O investimento para a produção cultural e artística deveria ser muito maior em todos os sentidos e não apenas “Broadwayano”, que insiste nesta coisa caipira, quase cafajeste. E provinciana, numa cidade como o Rio de Janeiro onde as pessoas gastam seu dinheiro, enfrentam o perigo, para assistir essa coisa evangélica. Como é que um jovem vai se interessar por uma atividade morta? O jovem tem compromisso com a vida. Ele tem que pensar nela todos os minutos. Está formando suas células, seu corpo e sua sexualidade para a vida. E você oferece para ele um produto morto, empacotado? Uma múmia maquiada? Por isso ele não vai ao teatro e faz muito bem. Tem certo tipo de teatro que é perigoso, faz mal.

    Como você está vendo a televisão no País?
    Eu não consigo fazer uma avaliação artística de televisão. Prefiro analisar pelo lado sócio-político. Acho que a TV é uma arma poderosa que é capaz de controlar a mente e os corações de um país inteiro, como tem sido feito no Brasil. Ela não foi implantada gratuitamente. A TV Globo começou a funcionar exatamente um ano depois do golpe militar. Desde então, tem servido ideologicamente a certo grupo social. O que ela vende é muito pior do o que a gente vê na tela. Ainda assim fico encantado com muitos atores de novelas. São talentosos, metem a cara, investem o que ganham no teatro. Têm outros que só pegam o rabo do foguete da TV para descolar dinheiro por aí.

    E o cinema?
    O cinema brasileiro está numa diversidade muito grande que eu não consigo mais acompanhar. Mudou alguma coisa na cultura durante a gestão Lula/Gilberto Gil? Mudou tudo. Por mais dificuldades e contradições hoje temos um horizonte pela frente. Somente agora a gente começa a desmontar o projeto cultural da Ditadura, que começa em 1965 com a TV Globo, acoplado à censura e ao desmonte da educação humanista. A política dos pontos de cultura é uma idéia interessante, ainda incipiente, mas que pode crescer bastante. A distribuição de verbas, os editais da Funarte, são coisas que não existiam e que estimulam as pessoas a se organizar, a produzir. Os artistas têm que perceber a sua função na construção do País. Qual é o nosso papel?

    Como você está vendo a decadência social do Rio de Janeiro?
    Uma cidade que fica 10 anos sob o comando da família César Maia e Garotinho não pode estar muito bem. Eu tenho esperança no Sérgio Cabral, apesar de ter dúvidas de uma gestão de Luiz Paulo Conde à frente da Secretaria de Cultura. Desejo a ele o maior sucesso e abro um crédito. Uma coisa que pode recuperar esta cidade é um investimento maciço na área da cultura. A decadência social do Rio de Janeiro é resultado de descaso, de más políticas, de violência institucional, de preconceitos. A Lapa, por exemplo, é um acontecimento, mas não tem nenhum investimento na população que está sendo invadida e afastada de suas casas. Não há sensibilidade nas áreas governamentais para olhar para isso.

    O que mais admira nas pessoas?
    Eu gosto de gente honesta, franca, verdadeira, que assume seus enganos para poder se corrigir. A hipocrisia me incomoda, mas eu sei me defender dela. É uma doença. E o que mais abomina? O contrário de tudo que disse antes (riso). Qual é o paralelo que faz com o trabalho de Augusto Boal? Tanto eu como o Boal, somos pessoas igualmente preocupadas com o mundo. Não dissociamos o nosso trabalho dessa preocupação. Não somos artistas divididos, que pensam uma coisa e fazem outra. Temos uma meta social, com a história, o ser humano, o desenvolvimento. Meu teatro nunca propõe uma resposta. Ele oferece reflexões sobre questões prazerosas e nem sempre prazerosas. O Boal propõe também um teatro sobre reflexão da realidade, de conscientização e aprendizado. Não quer solucionar o mundo através de um espetáculo. Acho o Augusto Boal muito melhor do que eu. Ele diz que tem inveja de mim e eu digo que tenho inveja dele (riso). Ele conseguiu uma coisa milagrosa que é sistematizar o trabalho no mundo inteiro. Essa capacidade dele de disseminação, de levar a semente para longe, eu invejo. Isso é uma benção e gosto dele por causa disso.

    Dezembro de 2006
    Entrevista concedida a Ricardo Rabelo.
    Foto: Divulgação



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