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  • Carlinhos de Jesus: Não existe ser humano incapaz de aprender a dançar

    Agenda Bafafá em 23 de Maio de 2016    Informar erro
    Carlinhos de Jesus: Não existe ser humano incapaz de aprender a dançar

    Carlos Augusto da Silva Caetano de Jesus, mais conhecido como Carlinhos de Jesus, é hoje a principal referência da Dança de Salão no Brasil. Ao longo da carreira, o dançarino conseguiu popularizar o estilo com coreografias impecáveis e um gingado de samba, bolero e salsa que encantam o País e o mundo. A versatilidade de Carlinhos de Jesus impressiona. Além de dançar, é dono de academia que leva seu nome, profere palestras e workshops em todo o País, coreografa a Comissão de Frente da Mangueira e ainda encontra tempo para dirigir um curso de Dança de Salão numa universidade.
    Você é carioca nascido no subúrbio de Marechal Hermes e criado em Cavalcante. Como foi sua infância?
    Foi muito saudável. No subúrbio a gente vive intensamente todas as faixas etárias de nossa vida. Eu venho de uma época muito musical, muito tranqüila, não tinha violência. A gente vivia na rua brincando com os amigos, estudando e dançando nas festas que tinham em todas as agremiações do bairro. Vivi toda a minha infância, adolescência e parte da minha idade adulta no subúrbio que só deixei aos 27 anos de idade para morar na Zona Sul.

    Como foi sua iniciação à dança?
    Aprendi sozinho, olhando as pessoas. Era muito comum a gente freqüentar festas de 15 anos, formaturas, aniversários. Eu tinha quatro anos e já acompanhava meus pais que eram convidados para atividades do bairro. Gostava da dança e participava das festas junto com os adultos. Conta minha mãe que as pessoas paravam para ver eu e minha irmã dançar. Como os adultos, já fazíamos todos os cruzados possíveis. A partir dos oito anos e durante toda a minha adolescência, eu me oferecia para dançar a valsa nos aniversários de 15 anos. Batia na porta e falava com o pai das moças. Eu pedia 15 convites e dizia que iria chamar 15 rapazes para dançar a valsa. Fui formando um grupo que ensaiava e estava sempre disponível para estes eventos. Aos 18 anos servi o Exército, onde participava dos bailes da Vila Militar. Eu era o único raso que dançava nos bailes dos cadetes (riso).

    Quando começou, existia algum preconceito com a dança de salão?
    No subúrbio não tinha isso de que dança era coisa de viado. Era comum as pessoas dançarem nos bailes, as meninas gostavam.

    Quando se profissionalizou?
    Trabalhava na Fundação Estadual de Educação do Menor do Governo do Estado. Só a partir dos 26 anos eu percebi que poderia ser um profissional. Até então eu dançava sem compromisso. Frequentava as festas na casa do Sérgio Cabral e da Magali. Ela chamava as amigas que queriam dançar comigo. Passei a dar aulas, a coisa rendeu, foi crescendo e de repente vi que ganhava mais que trabalhando no Estado. Foi quando abri a minha primeira academia, em 1987.

    Qual é a origem da dança de salão?
    A dança de salão tem uma influência européia com a Corte de Portugal e suas valsas, com toda aquela pompa. Depois recebeu influência africana e do samba. Passou a ser dançado por gente humilde. Surgiram então as gafieiras. A característica era ser dançado ao som de uma orquestra com naipe de metais. O repertório incluía bolero, samba, tango. Hoje fazem parte da dança de salão também a salsa e o forró.

    Como explica o boom pelo estilo?
    O dia-a-dia é tão agitado que as pessoas precisam espairecer. A dança de salão propicia encontros sociais e desperta o interesse de muita gente por esse caráter de festa. E é também uma diversão barata.

    Você é apontado como a pessoa que resgatou a dança de salão. Confere?
    Sem querer ser pretensioso isso é verdade. Sempre quis colocar a dança como algo digno, que tinha que ser exibida em público. Passei a participar dos festivais de dança e acabei difundindo o gênero no País. Eu trouxe também a salsa para o Brasil executando didaticamente o estilo em minha academia e nos bailes. Comprei uma mala de discos de salsa no exterior. O show ao lado da Elba Ramalho, intitulado Elba Popular Brasileira, fez muito sucesso e também contribuiu para tornar o estilo mais conhecido. Eu queria mostrar que a dança podia sair do salão e ir para o palco, TV, cinema e o teatro. Eu lutei por isso.

    Qual é a situação da dança de salão no Brasil?
    Muito boa. Eu posso te dizer também, com certo orgulho, que nenhum profissional deste País desbravou a dança de salão como eu. Dei aulas em lugares em que nunca ninguém tinha ouvido falar na modalidade. Não existe mais uma cidade no País em que a dança de salão não esteja presente. Hoje ela ocupa um espaço muito grande, mas ainda queremos mais (riso).

    Quanto tempo leva para virar um “pé-de-valsa”?
    Eu digo uma coisa com certeza absoluta para você e seus leitores: dançar não é difícil. O ser humano se movimenta o tempo todo. A dança é isso também só que com movimentos coordenados ao som de uma música. São os passos de dança. É só exercitar. Não existe ser humano incapaz de aprender a dançar.

    O que acha de ser o coreógrafo da Comissão de Frente da Mangueira?
    Eu sou um guerreiro na Mangueira. Para mim é motivo de muito orgulho fazer parte dessa família. Fico emocionado, feliz. A escola é querida e respeitada por todos. É um celeiro de bambas.

    Fale sobre as palestras e workshops que faz?
    Isso se tornou um dos grandes must do meu trabalho. Nas minhas palestras eu faço um link entre minha história e temas como sucesso, objetividade no contexto da empresa objeto de questão. Já fiz palestra para 4.200 pessoas.
    Qual é a característica do bloco “Dois prá lá, Dois pra cá”?
    Ele surgiu em 1990. É o único bloco que atravessa dois bairros (Botafogo e Copacabana) e passa por um túnel (Novo).

    O que está achando da situação política nacional?
    Péssima. Estou desiludido, decepcionado. Viajo muito para o exterior e fico envergonhado com o que acontece aqui. Eu estava na Alemanha quando vi o primeiro arrastão carioca na televisão. Me senti tão mal com aquilo, dentro da minha cidade.A única coisa boa nossa lá fora é música e futebol. Quando se fala do resto, as pessoas criticam muito o País. A violência é um absurdo. O Rio de Janeiro é o cartão postal e a porta de entrada da Brasil. Como é que pode um grupo de chineses ser assaltado saindo do aeroporto? Não existe policiamento, vigilância. Tem o problema da falta de ensino e de saneamento básico nas comunidades pobres. Ao ver um político corrupto na TV, muita gente se dá o direito de ir para a rua assaltar. Violência gera violência. Somos muito mal administrados. Faltam políticos sérios que mudem esse quadro.

    O que mais admira na vida?
    Solidariedade, respeito, amizade.

    O que mais abomina?
    Inveja, falsidade, mentira, falta de caráter e de integridade moral.

    Tem alguma utopia?
    Que os homens respeitem suas diferenças raciais, religiosas, políticas e seja qual for. Já pensou se não existisse o 11 de Setembro e pessoas de índole ruim? Gostaria de viver numa sociedade sem violência.

    Novembro 2006
    Entrevista concedida a Ricardo Rabelo.


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