Ao longo da sua tragetória, o Jornal Bafafá fez entrevistas com personalidades importantes que valem destaque até os dias de hoje. Para relembrar essas grandes personagens com quem estivemos, criamos a série NOSSAS MELHORES ENTREVISTAS.
Para iniciar a série, escolhemos a entrevista com o mestre Oscar Niemeyer, o arquiteto mais respeitado no mundo e que mais contribuiu para a arquitetura do século XX.
Mestre das pranchetas e dos traços suaves que originaram importantes projetos arquitetônicos nos quatro cantos do planeta, Niemeyer é uma figura marcante pela sua coerência e espírito público. Faleceu aos 104 anos trabalhando até dias antes de sua morte, em 5 de dezembro de 2012.
Oscar Niemeyer Soares Filho nasceu no Rio de Janeiro em 1907 e formou-se em 1936 pela antiga Escola Nacional de Belas Artes. Seu primeiro trabalho individual foi o prédio da Associação Beneficente Obra do Berço, na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas. O projeto teve influência de Le Corbusier e já utilizava quebra-sóis verticais, uma das características do arquiteto.
A convite do então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, projetou o conjunto arquitetônico da Pampulha, com linhas arrojadas e modernas, abrindo mão dos ângulos retos e optando pelas linhas curvas. Em 1946, junto com dez outros arquitetos, projetou a sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York.
Sua grande realização, no entanto, foi a nova capital do país, Brasília. Seguindo o estilo iniciado na obra da Pampulha, Oscar Niemeyer rejeitou os conceitos funcionalistas e criou obras como o Congresso, a Catedral, os Palácios da Alvorada, do Itamaraty e do Planalto, o Teatro Nacional e o Memorial JK que valeram a Brasília o título de patrimônio cultural da humanidade, outorgado pela ONU.
No Rio de Janeiro, seus trabalhos estão por toda parte. Os Cieps, o Sambódromo e o Museu de Arte Contemporânea de Niterói enchem de orgulho cariocas, fluminenses e todos os brasileiros. Foi responsável pelo projeto "Caminho Niemeyer", um belíssimo conjunto de obras que vai da Estação das Barcas, no Centro de Niterói, até a praia da Boa Viagem.
Ao longo da carreira, Oscar Niemeyer recebeu diversos prêmios e condecorações, entre elas o Prêmio Lênin Internacional, URSS (1963); Prêmio Benito Juarez do Centenário da Revolução Mexicana (1968); Medalha do Conselho Artístico da Unesco (1980) e a Medalha Real de Ouro, concedida pelo Royal Institute of British Architects, tornando-se o primeiro arquiteto latino-americano a receber esta honraria.
Entrevista concedida em seu escritório para o Jornal Bafafá em dezembro de 2004:
Como foi a sua juventude?
Oscar Niemeyer - Família tradicional, retrato do Papa na parede, muito preconceito. O que, diante das misérias do mundo, logo esqueci, entrando ainda jovem para o Partido Comunista Brasileiro.
O que o levou à arquitetura?
Oscar Niemeyer - O desenho. Gostava de desenhar, e foi o desenho que me conduziu à arquitetura.
Tinha participação política quando estudante?
Oscar Niemeyer - Participava do Socorro Vermelho, mas foi só depois da saída de Prestes da prisão que entrei para o PCB.
Por que optou pelo PCB?
Oscar Niemeyer - Porque é o partido do povo – o partido que luta contra as misérias e as injustiças do mundo.
Seu primeiro projeto individual, a Obra do Berço na Lagoa, teve que inspiração?
Oscar Niemeyer - Uma obra simples, feita em duas etapas. Lembro, com satisfação, que ao voltar da Europa, verificando que o erro cometido na posição das placas de concreto na fachada permitia ao Sol entrar nas salas, paguei do meu bolso a modificação indispensável. Como nada tinha cobrado pelo projeto, essa obra, a primeira que fiz, só lembra idealismo e empreendimento.
Como foi criar o projeto da Pampulha em Belo Horizonte?
Oscar Niemeyer - Foi com esse projeto que iniciei, de fato, a minha arquitetura. Uma arquitetura baseada na técnica, toda feita de liberdade e invenção. Livre e transparente como o nosso clima permite. Pampulha foi o início de Brasília. A mesma pressa, a mesma correria, as mesmas angústias e esperanças.
Qual foi o ponto de partida para planejar Brasília?
Oscar Niemeyer - Lembro JK a me procurar em minha casa das Canoas: "Oscar, fizemos Pampulha; agora vamos fazer a nova capital". E Brasília começou.
Quarenta e quatro anos depois, como vê a capital do País?
Oscar Niemeyer - Uma aventura que deu bom resultado. É o progresso a se espalhar pelo interior do país, como JK previa. É claro que surgem problemas que a mediocridade e o poder imobiliário são difíceis de conter, mas o povo gosta da cidade. Ninguém quer sair de lá. Parece que o céu é maior, que os espaços são mais generosos, e esse é um contraste evidente com as outras cidades. Tranqüiliza-me constatar que os visitantes de Brasília podem gostar ou não dos palácios, mas nunca dizer que viram antes coisa parecida. A arquitetura é acima de tudo surpresa e invenção.
Ficou alguma coisa positiva do período militar no Brasil?
Oscar Niemeyer - Não. Uma lembrança dolorosa que não devemos esquecer.
Para idealizar os Cieps, partiu de algum pressuposto?
Oscar Niemeyer - No caso dos Cieps – o que muitas vezes acontece – o programa, organizado por Darcy Ribeiro, era mais importante do que a arquitetura. Foi ele quem imaginou os alunos em tempo integral nessas escolas, com o espaço para estudo que lhes faltava em casa, biblioteca e os complementos de saúde e esporte previstos.
Como vê as reclamações de que alunos e professores têm que gritar para serem ouvidos nos Cieps?
Oscar Niemeyer - Ar condicionado era coisa economicamente inviável e o rebaixamento do corredor permitia a ventilação entre as duas fachadas, a solução mais simples. Surgiu o problema do barulho, um pouco questionável. No prédio do Ministério de Educação e Saúde, a situação é a mesma e nunca foi criticada. Até na Itália – no Palácio Mondadori que projetei (a sede dessa editora) – as divisões são baixas, nada além de dois metros de altura. A princípio, apareceram dúvidas (pois os italianos falavam muito alto); porém todos se acostumaram e nada foi modificado.
E o Sambódromo?
Oscar Niemeyer - Sambódromo... Houve a reação ignorante tentando impedir a sua construção. Diziam que três meses eram tempo curto demais e até que um rio passava por baixo das arquibancadas. Brizola não deu bola e, corajoso, realizou o projeto elaborado por mim.
Quais projetos o senhor mais gosta?
Oscar Niemeyer - O meu preferido talvez seja a Universidade de Constantine na Argélia. É monumental, criando os espaços livres que os vinte edifícios inicialmente programados nunca permitiram.
Como explica a derrocada do comunismo?
Oscar Niemeyer - Quando se lê "Os demônios", de Dostoiévski, sente-se como a revolta contra a miséria é antiga. E foram muitas, antes da Revolução de Outubro, que transformaram um país de mujiques na segunda potência mundial. Foram 70 anos de glória, incluindo a vitória contra o nazismo, quando milhões de soldados soviéticos morreram em defesa da paz. Tudo isso deve ter influído para o que ocorreu na União Soviética, que, acredito, voltará aos velhos tempos, se considerarmos que as razões que justificam o comunismo permanecem. Que uma luz surja no horizonte contra essa fase final do capitalismo, com Bush a espalhar sangue e tortura por todo o mundo.
Concorda com quem diz que acabou o conceito de Esquerda X Direita?
Oscar Niemeyer - É claro que não. Nunca ficou tão evidente, neste clima de violência e miséria, a divergência entre pobres e ricos, a oposição entre Direita e Esquerda. Uma onda de revolta cresce por toda parte contra o imperialismo norte-americano. Até a América Latina procura se unir diante do inesperado que comanda o mundo.
Para onde caminha Cuba?
Oscar Niemeyer - É difícil falar mal de Cuba, e da Revolução Cubana mais ainda. É um exemplo para a América Latina e todo o mundo.
O que acha da TV brasileira?
Oscar Niemeyer - Considero que ela é importante como meio de comunicação, mas continua sujeita à influência do regime capitalista que ainda prevalece entre nós.
O que acha do brasileiro?
Oscar Niemeyer - Ao meu ver o brasileiro é obstinado, luta para ser feliz.
O que mais admira no Brasil?
Oscar Niemeyer - A natureza fantástica que o destino nos deu.
O que mais repugna?
Oscar Niemeyer - No momento, este clima de violência e desrespeito ao ser humano, que o império Bush dissemina pelo mundo.
Qual foi o brasileiro do século?
Oscar Niemeyer - O nosso irmão das favelas, que luta e sofre contra as injustiças do mundo.
Qual foi o brasileiro antítese disso?
Oscar Niemeyer - Muitos. Os que ainda aceitam a injustiça social que combatemos.
Como acha que os brasileiros vão se lembrar do senhor na posteridade?
Oscar Niemeyer - Um ser humano como outro qualquer... que nasceu e morreu como a natureza impõe.
Tem alguma utopia?
Oscar Niemeyer - Sou realista demais. Acredito que o comunismo poderá organizar a vida melhor, torná-la mais justa para todos. Apenas isso. Quanto ao ser humano, ele continuará a viver, insignificante e indefeso, os momentos de euforia e desespero que o destino lhe oferece.
Qual a sua avaliação sobre o governo Lula?
Oscar Niemeyer - É um operário no poder. Ainda acreditamos nas promessas que fez, em sua luta contra a pobreza, numa atitude mais firme no campo da política externa – agora mais oportuna diante do ódio que o império Bush vai criando por toda parte. E o sentimento nacionalista a invadir toda a América Latina, mais do que nunca ameaçada pelo imperialismo norte-americano.