O ex-presidente de Portugal Mário Soares é um ferrenho opositor da guerra dos EUA contra o Iraque. Em entrevista exclusiva ao Bafafá, concedida durante Conferência promovida pela Universidade da Paz no Rio de Janeiro, o líder português atacou duramente a intenção norte-americana de invadir este país do Oriente-Médio.
Fundador e Secretário-Geral do Partido Socialista, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Primeiro-Ministro e Presidente da República, Soares é atualmente deputado do Parlamento Europeu. Aos 78 anos, também dirige a Fundação Mário Soares que tem por finalidade realizar, promover e patrocinar ações formativas de caráter cultural, científico e educativo nos domínios dos direitos humanos, da ciência política e das relações internacionais.
Para o ex-mandatário português, o governo dos EUA é de extrema direita e representa os setores mais conservadores do país. Na sua opinião, a guerra ao Iraque pode gerar um conflito internacional interminável e de grandes proporções.
Como o Sr. está vendo a iminente guerra dos EUA contra o Iraque?
Vejo com a maior das preocupações, visto que se esta guerra for desencadeada contra a opinião me parece que majoritária do Conselho de Segurança das Nações Unidas, é um golpe profundo no direito internacional e em toda a constituição em favor do entendimento entre os povos e da paz.
Os Estados Unidos estão passando por cima de todos os direitos internacionais neste conflito. Eu acho que nós temos a desgraça de ter neste país uma administração, a de George Bush, profundamente reacionária. É a extrema direita no poder. O Bush é dono de uma companhia petrolífera do Texas e evidentemente uma das preocupações dele é essa. Esse que é o fenômeno preocupante.
Eu acho significativo um jornal, que tem uma grande tradição liberal como é o New York Times, ter feito um editorial contra a maneira que a administração Bush está a conduzir a América para a guerra. Eu penso que vai provocar grandes convulsões no próprio Estados Unidos e vai criar uma situação de crise econômica muito profunda.
O conflito não é só no Iraque, é também em Israel e na Palestina. Ambos estão relacionados. Se eles querem fazer a recomposição de todo o sistema geoestratégico do Médio Oriente, regulamentando o petróleo e assim dominar as riquezas energéticas da região, é evidente que isso vai criar um conflito interminável que não se sabe quando vai acabar.
A França e a Rússia estão dispostos a vetar a resolução das Nações Unidas que autoriza a guerra. Como avalia essa posição?
Com muita simpatia, tenho pena que o governo do meu país tenha se pronunciado a favor das posições de Bush. Evidentemente, que o governo é o governo. O presidente de Portugal tem outra posição e isso é importante porque o povo português está absolutamente contra a guerra.
Existe alguma possibilidade de acontecer uma 3ª Guerra Mundial?
Não diria uma 3ª Guerra Mundial mas uma guerra muito extensa e interminável. Ao contrário do que pensa o Sr. Bush, que está convencido de que atacando o Iraque vai dar um golpe no terrorismo fundamentalista islâmico, ele está a criar mais fundamentalismo, mais violência, mais terrorismo.
Para onde caminha a humanidade?
Eu acho que esta tentativa de dominação mundial e imperial da parte do presidente Bush é uma loucura, porque o mundo é suficientemente vasto para não ter um só império. Portanto vai haver uma reação mundial – e está a haver – contra esta guerra que vai desde o Papa até os chefes das outras igrejas, mas também do povo na rua. Ela é injusta e ilegítima.
O Sr. acha que o Consenso de Washington fracassou?
Penso que sim, como o neo-liberalismo. É uma solucão completamente fracassada, tem que se encontrar outra.
Como avalia a ascensão da esquerda na América Latina?
Estou a ver que há um grande consenso para desenvolver a América Latina com independência e autonomia. O governo do presidente Lula abriu uma grande oportunidade de renovação e liderança do Brasil, não só na América Latina, mas também da renovação da maneira de fazer política e de como satisfazer as aspirações dos movimentos sociais.
Qual recado o Sr. daria para o povo brasileiro?
Nenhum. Venho aqui a aprender, não venho aqui a ensinar.
Entrevista concedida ao editor do Bafafá Ricardo Rabelo
Março de 2003