A professora de microbiologia e desenvolvimento de vacinas da UFRJ, Dra. Clarisa B. Palatnik de Sousa, chefiou os estudos que culminaram com a produção da Leishmune, primeira vacina mundial contra a leishmaniose visceral, doença transmitida por cães picados pelo mosquito-palha e que em humanos afeta geralmente baço, fígado e medula óssea. Também publicou estudos sobre vacinas contra a Covid-19.
Em entrevista exclusiva à Agenda Bafafá Rio, Dra. Clarisa faz uma radiografia das vacinas em produção para enfrentar a epidemia de Covid-19 e garante que é fundamental que a doença seja enfrentada com uma única vacina, de preferência com a utilização de vírus inativados como é o caso da vacina chinesa. “A tecnologia da vacina feita a partir do vírus inativado é conhecida desde 1860. Foi desenvolvida por Pasteur e utilizada até o presente contra raiva, Influenza, Hepatites A, poliomielite Salk, etc. Por se composta por vários antígenos, ela gera proteção não apenas contra um pequeno pedaço do vírus, mas contra ele todo”, assegura.
Segundo a pesquisadora, atualmente existem em pesquisa 212 vacinas contra a Covid-19 e 48 em testes clínicos, mas que o ideal seria o mundo se concentrar em apenas uma. “Se tivermos muitas vacinas, mas com eficácia variável algumas podem ser mais fracas que as demais e continuaremos expostos ao vírus”, garante.
Como você está vendo essa provável segunda onda da doença?
Estou preocupada, pois ainda não temos uma vacina. Precisamos urgentemente de uma vacina de vírus inativado completa que sirva contra todos os antígenos do vírus e não apenas contra um deles. Isso porque se um antígeno sofrer mutação, a vacina perde a proteção contra a doença.
Existem vacinas completas contra o vírus e outras a partir de um adenovírus com o seu DNA modificado onde você coloca um gene do coronavírus (Oxford-Astra Zeneca, Cansino, Johnson & Johnson, Gamaleya russa).
O Instituto Butantan deverá produzir uma das vacinas inativadas. Por ter o vírus morto ela não pode causar doenças. Esta vacina demonstrou em macacos, que protege da infecção e deixa os animais sem vírus no nariz e faringe. Desta forma eles não contagiam e a epidemia deve se interromper se um grande número de pessoas se vacinarem. Por terem vários antígenos, elas geram proteção contra vírus que causam a doença em outros países e podem proteger de vírus mutantes. Estas vacinas apresentaram reações leves em apenas 30 % dos voluntários humanos.
Já outras vacinas, como a
AstraZeneca que a Fiocruz vai fabricar ou a russa Sputnik, apenas usam um pedaço da informação genética do coronavírus introduzido em um adenovírus de chimpanzé. A gente não sabe o que pode acontecer com vacinas a partir de vírus manipulados. Mas sim sabemos que a vacina de Oxford-AstraZeneca protegeu os macacos da pneumonia e não da infecção. Os macacos ficaram expondo vírus no nariz e garganta e, portanto mantém o contágio. Essa vacina sabidamente não interromperá a epidemia. As vacinas de adenovirus determinaram reações em 27-78% dos voluntários.
Essa vacina de adenovírus pode não ser segura. O aparecimento de casos de mielite transversa e os erros revelados recentemente nos seus ensaios de imunogenicidade reforçam esta ideia. Já nos seus poucos resultados publicados se mostrava que das doses não tinham efeito superior a uma dose. Sua tecnologia é conhecida desde 2012 e não existe nenhuma vacina licenciada que a utilize, enquanto que a vacina a partir do vírus inativado é conhecida desde 1860 e muitas vacinas licenciadas a empregam.
Você acha que a vacina chinesa é a melhor?
As vacinas Sinovac e Sinopharm são as melhores que estão sendo oferecidas, pois utilizam tecnologia já conhecida. Elas vêm demonstrando bons resultados e a vacina Sinovac, que será produzida pelo Instituto Butantan foi a primeira que teve publicação científica.
Acredito que o Brasil devia tentar produzir sozinho uma vacina de vírus inativado Sem ter que depender da vacina chinesa. A China não terá capacidade de atender todos os países. O Instituto Butantan revela que inicialmente só terá condições de distribuir 46 milhões de doses, num país de 212 milhões de pessoas. E cada pessoa deve receber duas doses. Ou seja , poderá proteger cerca de 10 % da população apenas.
Acho que este tipo de vacina será mais eficiente do que as que as outras. Se você usa a vacina inativada completa será melhor. Grande parte da tecnologia da vacina chinesa é de domínio público. O Brasil não é apenas um grande mercado, é um país com muitos desenvolvedores de vacinas e com indústrias nacionais competentes.
Dessas vacinas em desenvolvimento, 90% são de indústrias particulares. Temos atualmente 212 vacinas contra a Covid-19 em produção e 48 vacinas em teste. Isso nunca aconteceu na história. A varíola foi erradicada usando apenas uma vacina em todo o mundo.
A vacina de adenovírus da
AstraZeneca diminui a pneumonia, mas não elimina o vírus na garganta e no nariz. Portanto, não vai eliminar o contágio. Isso apenas amenizará os sintomas de quem contrair pneumonia. Se muita gente utilizar essa vacina vamos ter que continuar usando máscaras e fazendo distanciamento social eternamente. Não é uma vacina que oferece uma solução. É uma loucura também, cada estado vacinar com uma vacina diferente.
Você acha que se deveria unificar em apenas uma vacina?
Sim, no Brasil e no Mundo. Eu não entendo porque países como o Brasil e a Argentina não produzem a sua própria vacina. Nós temos no Brasil o Instituto Butantan e Biomanguinhos (Fiocruz). Eles podem dar uma resposta a essa situação.
Infelizmente, estamos dominados pelos interesses das indústrias. Existem as vacinas da Pfizer e da Moderna feitas com RNA mensageiro que degrada muito facilmente, pois precisam de um freezer com temperatura -80 para conservar. Não é qualquer lugar que tem estas condições.
Desde o início, já se sabia que essa vacina não ia atender todos os países, pois a maioria não têm caminhões adequados para transportar de um lugar ao outro. De novo lembro que toda pandemia universal sempre foi resolvida ou controlada com o uso de uma única vacina.
Como você está vendo a liberalização de circulação de pessoas na rua, inclusive com festas para duas mil pessoas na praia?
Horrível. Muita gente está agindo como se a pandemia não fosse real, só enxerga quando vê pessoas próximas adoecendo. Quando você sai com máscara, algumas pessoas riem de nós.
Até não termos uma boa vacina continuaremos como na Idade Média. Atualmente a quarentena é o que se tem de mais seguro.
O jovem é tão vulnerável quanto uma pessoa de meia idade ou idosa?
Pode ser menos vulnerável, mas pode arriscar e provocar involuntáriamente a doença na família levando o vírus para casa. O receptor do vírus está relacionado com certos tecidos, e é mais frequente nos casos de diabetes, pressão alta, por exemplo, que atingem mais pessoas idosas.
Você acha que teremos uma segunda onda no Brasil?
Eu não tenho uma opinião técnica a respeito, mas pelo que vemos sim, será inevitável.