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  • Franklin Martins: Esse golpe foi organizado pela mídia

    Da Redação em 23 de Maio de 2016    Informar erro
    Franklin Martins: Esse golpe foi organizado pela mídia

    O jornalista Franklin Martins começou o seu engajamento na política aos 20 anos como estudante de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (à época Universidade do Brasil), ao ser eleito presidente do DCE da Universidade e, logo depois, vice-presidente da União Metropolitana dos Estudantes. Com a ditadura, aderiu à luta armada como militante do grupo comunista MR-8 e da Dissidência Universitária da Guanabara. Ganhou notoriedade ao ser um dos articuladores do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrik, em 1969. A ação possibilitou a libertação de 15 guerrilheiros presos. Exilado em Cuba, Chile e França, voltou com a anistia 10 anos depois. Atuou como repórter em vários veículos até chegar à TV Globo como comentarista em 1996. Em 2002, foi indicado ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo federal durante o mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva onde ficou até dezembro de 2010. 

    Em palestra no Sindicato dos Engenheiros do Rio, SENGE-RJ, Franklin Martins avaliou o momento político nacional, em especial o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. Para ele, a ascensão de Temer é fruto de um golpe de estado. “Esse golpe foi organizado pela mídia, é um bombardeio de informação enviesada e partidarizada”, garante. Apesar de reconhecer que o ato foi uma grande derrota para o projeto político do PT e de Lula, Franklin acredita que o povo saberá encontrar os mecanismos para fazer prevalecer os seus interesses. “Temer vai tentar impor um programa de retrocesso que o povo brasileiro não aceitará”. E completa: “O futuro é nosso”.

    Como está vendo a deposição de Dilma?

    Esse processo de golpe de Estado nos impactou fortemente. Estou vivendo o meu segundo golpe. No primeiro, eu tinha 15 anos. Esse agora eu tenho quase 70. A primeira reação, repetindo o Chico Buarque, é golpe de novo não. Estou convencido que não é mais o mesmo tipo de golpe de Estado. O Brasil é um país muito mais maduro, consciente, organizado e disposto a lutar pelos seus direitos. Este golpe não vai ter a longevidade da ditadura. O primeiro ponto é a democracia. Queremos resolver através do voto. É assim que formaremos maiorias e minorias políticas e organizaremos as nossas instituições. Isso é uma conquista da luta contra a ditadura, da Constituinte e do processo político posterior. É isso que os golpistas estão atacando. Vamos ser claros: eles não estão só atacando os 54 milhões de eleitores de Dilma, estão atacando os 110 milhões de eleitores. Nós estamos vivendo um retrocesso, atingindo aquilo que está na base da agenda política que é o voto. Esse golpe foi organizado pela mídia. É um bombardeio de informação enviesada e partidarizada.

    O que acha da reforma política e da regulação da mídia?

    O Brasil é grande na sua diversidade e precisa reduzir as desigualdades regionais. Os avanços nos últimos anos foram excepcionais, mas algumas coisas ficaram pendentes, entre elas a reforma política e a regulação da comunicação. A votação proporcional não dá certo, porque estimula o dono do mandato ao invés do partido que o elegeu. Por isso, o Congresso é cada vez mais dominado pelo dinheiro. Virou um grande balcão. Não existe chance de melhorar nas próximas eleições desta forma. A reforma política não acontece porque quem vota ela é este Congresso elitista. A regulação da mídia é urgente. As rádios e televisões são concessões. Todas os setores da economia onde vigora o sistema de concessões têm obrigações. Isso vale para a energia, transporte público urbano, aviação. Todos têm regulação que precisa ser cumprida, caso contrário perdem a concessão. Na radiodifusão não. O nosso código geral de telecomunicações é de 1962. Ele não responde pelos problemas atuais. Naquela época tinham dois milhões de aparelhos de TV, hoje todas as casas têm. Sem regulação é a lei da selva. Sempre ganha o forte. É indispensável democratizar. Não é censura. Os governos Lula e Dilma ficaram devendo nessa área. É muito difícil aprovar isso no Congresso porque os deputados têm medo de ser bombardeados pela imprensa. Os blogs e portais estão gerando informação a partir da internet. Os grupos midiáticos não têm o monopólio total, só na radiodifusão. Mas, é pouco.

    A inclusão social está ameaçada?

    Só é possível ter democracia, moeda estável, crescimento, com inclusão social. Senão, nada disso é possível. Fragiliza. Temos que defender a agenda que estamos construindo, defender a democracia.

    E a Soberania Nacional

    Nós não precisamos que os nossos ministros tirem os sapatos nos aeroportos dos Estados Unidos. Não precisamos consultar a Casa Branca para instituir um novo modelo de exploração do Pré Sal. Não precisamos ter o ok dos EUA para construir uma política de relacionamento, de integração regional, de solidariedade com a África. Ou seja: o Brasil não é o quintal dos EUA. Tem ainda uma questão geopolítica: o Brasil descobriu as maiores jazidas de óleo e gás dos últimos 30 anos. Eles estão nos atacando da forma que podem, não enviaram marines para cá, mas estão de olho na exploração.

    O que acha de nossas elites? 

    As elites são dinheiristas predadores, não têm projeto de país. O povo para eles é um acidente geográfico. Elas sempre governaram para um terço das pessoas. Ao contrário do governo Lula que provou que é possível governar para todos. O povo não é um estorvo, uma carga, é energia, possibilidade de crescimento. Ele precisa ter condições de se desenvolver. As elites perderam quatro eleições seguidas e querem aplicar seu projeto com Temer e se impuseram ao país. Nós sofremos uma derrota muito forte. Estamos com desafios imensos pela frente. Esse ministério do Temer é cheio de filhos de políticos, é a cara da sessão da Câmara que derrubou Dilma. O seu governo é uma improvisação absoluta, não sabe o que fazer com o país.

    O que fazer agora?

    Vamos fazer política, construir maiorias, tentar reduzir o isolamento. É preciso oxigenar, gerar pensamentos com o que vem de novo. Nos últimos meses, a sociedade despertou. Hoje ela quer mais, a garotada tem pautas diferentes. Existe um Brasil novo pulsando, acho que vai reforçar a luta. Eu olho para o governo Temer e para a TV Globo e digo: nós perdemos, não vamos subestimar, a democracia foi seriamente atingida. Mas, sinceramente, o futuro é nosso.

    Esse golpe era irreversível? 

    O futuro ao Deus pertence. Esse governo é fruto de um golpe. Ele rasgou o instituto do voto sem que Dilma tenha cometido nenhum crime de responsabilidade. Ela foi tirada do poder, posto um vice que vai aplicar um programa que foi derrotado nas eleições. É gravíssimo, mas acredito que o povo brasileiro vai resistir, vai defender a democracia. Esse golpe não prevalecerá por muito tempo.

    Caminhamos para uma crise maior?

    Esse governo vai sofrer uma instabilidade muito grande porque não é fruto do voto. É fruto de um golpe articulado pelas grandes corporações de mídia, pelos partidos de oposição, pelo Congresso, pelo Ministério Público, parte do judiciário que omitiu-se. O que vai sair do governo Temer? Não vai ter nenhum céu de brigadeiro não. Acho que vai tentar impor um programa de retrocesso que o povo brasileiro não aceitará.

    Qual é recado para a sociedade?

    O povo saberá encontrar os mecanismos para fazer prevalecer os seus interesses.

    E o Supremo continuará omisso?

    Nós temos Supremo?

    E o papel da imprensa independente?

    A imprensa independente sempre teve, nos momentos de grandes dificuldades, um papel muito importante, muito relevante. Ela tem que ser cada vez mais competente, profissional e mais leve que a mídia tradicional.

    Quais são os pontos fundamentais para uma agenda nacional no país?

    Depois da redemocratização, a partir da nova Constituição e da luta democrática, o país construiu uma agenda nacional de seis pontos. Primeiro ponto, a democracia, o voto. Segundo, a necessidade de uma moeda estável, terceiro é crescimento econômico, não basta ter moeda. O país tem que crescer para abrir oportunidades. Quarto é inclusão social, o Brasil é um país profundamente injusto do ponto de vista social. O quinto ponto é a redução das desigualdades regionais. Não pode concentrar todo o crescimento em São Paulo ou no Rio. Ele tem que ser distribuído para todo o país. Isso é até bom para paulistas e fluminenses, pois impede o inchaço das grandes cidades. Em sexto, a construção de uma política de soberania nacional. O Brasil não é o quintal dos EUA. Queremos boas relações com eles, mas não com o caráter de subordinação. Devemos construir relações fortes com a América Latina, a África, ter relações com outras grandes nações no mundo que não sejam os Estados Unidos. O Brasil tem de defender os seus interesses e seus valores. Esta agenda de seis pontos está ameaçada pelo golpe que levou Temer ao poder.

    As utopias morreram?

    Por que elas morreram? Continuam existindo.

    Maio de 2016



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      • Comentário do post leonardo couto:
        Correto as observações de Franklin eé de alguém que votou equivocadamente em Aécio outro farsante como a maioria do Psdb que joga a social-democracia no lixo,são apenas cortesãos deste modelo atrasado do Brasil,só querem ser bajulados por banqueiros e o tal de Fhc é um total descaso a uma consolidação intelectual consistente,então vem com argumentação beócia da história para sustentar a sua egomania.

      • Comentário do post Luiz Henrique:
        Estou de acordo com você e acho que a mídia teve grande interferência nisso, afinada com o maior articulador do golpe: Mechel Teme.r

      • Comentário do post Adnan El Kadri:
        Franklin Martins, com a lucidez de sempre, aponta a saída. A luta democrática indelegável, das lideranças políticas progressistas e do povo; Todos estão convocados a resistir ao atraso e o retrocesso imposto pelo GOLPE parlamentar perpetrado pela elite corrupta, representada por cunha, temer, eliseu padilha, enfim o governo golpista.

      • Comentário do post Delonei Ferreira dos Santos:
        De inicio até defendi a Presidenta Dilma; por não ver nenhum político na linha de frente que fosse digno e tivesse as qualidades para assumir a presidência e por ser apesar de tudo a melhor opção para o Brasil. O governo do PT veio se sustentando, em cima do trabalhador brasileiro, Fazendo uma política social que leva a igualdade dos trabalhadores; quantas pessoas que ganhavam razoalvelmente bem ou pensavam que ganhavam bem por receberam 6 ou 7 salarios mensais se comparado com salários mínimos, e hoje passaram a ganhar salários mínimo e muitos outros estão se aproximando de ganhar somente o salário mínimo. que justiça social é essa? agora o pessoal do poder público, desde funcionário de prefeitura até senadores, esses sim nunca vão perder o seu poder aquisitivo. Igualdade social, somente para os plebeus. è isso que nossos representantes querem. E não posso concordar com o argumente que o impichment é Golpe, se ele faz parte da democracia, e que democracia é essa que se perpetua no poder por mais de 16 anos? A democracia contínua em pé, não há nada de errado nisso. Ainda mais que a gente sabe que as eleições foram ganhas por troca de comida? por mentiras, falsas promessas e desvio de dinheiro público. Quando que um petista vai admitir que cometeu algum erro? quando que um ladrão admite que roubou se ninguém viu ele roubando? Quem representa um povo, deve ter a conciência de que tem tudo em suas mãos, administra dinheiro, bens moveis e imóveis mas não é dono de nada, é do povo e para o povo de ser revertido.

      • Comentário do post walter correa:
        Não adianta nada os partidos de esquerda e os simpatizantes com as idéias socialistas ficarem reagindo somente quando a direita toma alguma atitude reacionária, temos que nos organizar numa frente ampla e somar com os pontos em comum. As necessidades fundamentais são as mesmas de sempre, não adianta querer tirar coelho da cartola, é tudo muito simples: distribuição melhor da renda, melhores condições de saúde, moradia digna para as pessoas que vivem principalmente nas favelas, não da Globo é claro, reforma agrária, apoiando os movimentos sem terra, mas não entregando uma terra nem nada, somente com uma enxada, e o ensino básico fundamental e direcionar os alunos da faixa dos 12 aos 16 anos para o Ensino Técnico, para que possam ter uma profissão aos 16 e não ingressar no tráfico. Também não adianta nada ficarmos gritando volta Dilma e quando ela voltar, não ter uma Frente Ampla para dar apoio, sustentação e fazer as exigências necessárias para começar a criar uma nação. São muitos os problemas, infinitos os desafios, mas cada coisa ao seu tempo, temos que formar essa base com todos comprometidos.



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