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  • Ivan Milanez: A melhor roda de samba é no subúrbio

    Agenda Bafafá em 16 de Agosto de 2020    Informar erro
    Ivan Milanez: A melhor roda de samba é no subúrbio

    Compositor e percussionista respeitado, Ivan Milanez integra a Velha Guarda da Império Serrano. Filho de fundadores da verde-e-branco de Madureira é apontado também como um dos responsáveis pelo estouro da Lapa como bairro do samba no Rio de Janeiro. Foi ele que montou uma das primeiras rodas junto aos Arcos da Lapa.
     
    Sua trajetória inclui shows e gravações com grandes nomes como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Almir Guineto, Alcione, Tia Surica da Portela, Rosinha de Valença, Beth Carvalho e Wilson Moreira, entre outros.

    Em entrevista ao Bafafá, Ivan Milanez fala sobre a infância, os primórdios na música e muitos outros temas. Questionado se conseguiu ganhar dinheiro com o samba, responde com ironia: “Ainda não gravei uma música que eu possa dizer que consegui comprar um rádio de pilha”, (risos).

    Sobre a melhor roda de samba da cidade, não titubeia: “A melhor roda de samba é no subúrbio”.

    Como foi a sua infância?
    Minha infância não foi no Império (Serrano), mas na Serrinha. Morei em diversos lugares, mas sempre voltava. Aos cinco anos eu não desfilava, porém ajudava minha mãe a costurar fantasias para as escolas. Meu pai (Dinho), na verdade não era meu pai, mas pai de minha irmã - engraçado é que muita gente dizia que eu havia o puxado - foi diretor de bateria na década de 50 junto com Alcides Gregório. O que muita gente não sabe, mas pretendo resgatar um dia, é que ele foi um dos primeiros diretores de bateria lá na Serrinha.

    Quando começou a tocar?
    Tocava desde garoto, mas não tinha idéia que podia ser músico profissional. Eu tocava nas rodas de samba com uma turma do bairro. Participava de uma roda com um pessoal mais antigo (Mano Décio, Mestre Fuleiro e Dona Ivone Lara) onde aprendi as malícias do samba, do partido-alto.

    E os desfiles?
    Comecei a desfilar só por volta dos 18 anos. Nem todo ano dava para desfilar, pois a gente tinha outras coisas para fazer. Mais tarde eu passei pelas alas, bateria até a ala dos compositores aos 25 anos, quando já era músico profissional.

    Qual a origem do sobrenome Milanez? É artístico?
    É meu mesmo. Veio da parte da família de minha avó que era de Belo Horizonte (MG), mas não sei explicar se é de origem espanhola.

    Você é um dos criadores da Ala Sente o Drama. De quem foi a ideia do nome?
    Sente o drama era um cumprimento que a gente usava lá na Serrinha. Jorginho, Careca e Jamelão já eram passistas da escola muito antes de nós. O grupo deles se chamava “Três Pelés”. Eram os melhores passistas da casa. Como eles já tinham uma noção coreográfica, juntamos os amigos e começamos a ensaiar aqui na quadra da Império. A coreografia era criada por nós mesmos.

    Você já se apresentou fora do Brasil?
    Na Argentina e em Paris com o Império Serrano. Como músico profissional, toquei três meses em Ibiza e três meses em Barcelona.

    Não surgiu nenhum convite para permanecer por lá?
    Não houve, porque a dificuldade de permanência era muito grande e não já era tão jovem assim. Estava com quase 40 anos e não dava para ficar aventurando. Aqui no Brasil me apresentei em quase todos os estados através de Roberto Ribeiro e do Projeto Pixinguinha. Dez anos depois comecei com Zeca Pagodinho. Aliás, fui eu quem deu o nome de Grupo família para acompanhar Roberto Ribeiro e Banda Molejo para tocar com Zeca.

    E como foi a história da fundação da banda?
    Quando o Zeca começou a carreira, logo estourou com o primeiro CD. Só que ele não tinha grupo certo. Então, chamou uns amigos - Bira Havaí, Paulo 7 Cordas e eu -  para formar um grupo. A gente tinha um estúdio onde nos reuníamos para gravar os sambas-enredo para disputar na escola. Um dia a gente se reuniu no estúdio e cada um deu um nome. Sugeri o nome Banda Molejo, porque molejo tem tudo a ver com samba. Um amigo que participava da reunião disse que banda ficaria meio esquisita, pois banda tem que ter metal, sopro. Aí eu disse que justamente a graça seria um grupo de samba, que não tem metal, mas com nome de banda. Tempos depois, nosso grupo se afastou. E foi quando Bira reencontrou o filho, Anderson, e junto com os amigos formaram o Grupo Molejo. Mas, na verdade, o nome é meu. Talvez, se eu registrasse, eles teriam que me dar alguma coisa. Mas eu não estava com esse pensamento.

    Como é hoje seu relacionamento com Zeca Pagodinho?
     A gente se dá bem. Tivemos alguns probleminhas normais em função do trabalho. Ele vai vivendo a vida dele e eu a minha, dentro do possível

    É difícil a profissão de compositor?
    Embora as pessoas me respeitem como um compositor bem relacionado, ainda não gravei uma música que eu possa dizer “consegui comprar um rádio de pilha” (riso). O bom para o compositor é quando ele grava uma música que faz sucesso e sabe que conseguiu, por exemplo, dar início aos estudos do filho. Por enquanto, eu não cheguei nessa fase, mas costumo dizer para as pessoas que também não saio da fila (riso). Uma hora eu vou chegar lá na frente.

    E as rodas de samba?
    Há dez anos eu, Marquinhos de Oswaldo Cruz e Renatinho Pilares fomos convidados pelo Jair (proprietário do Arco da Velha) para formar uma roda de samba nos Arcos da Lapa. Isso foi na época em que a Lapa estava sem movimento algum. Nós fazíamos a roda na rua e, aos pouquinhos, as pessoas foram chegando. Tempos depois, cada um foi para o seu lado e eu fui convidado para abrir uma roda em uma casa de produtos naturais. Eu organizava a roda e minha mulher (Romana) era a cozinheira. A roda era na Rua Joaquim Silva, que na época também não tinha nada. Foi aí, nesta época, que surgiu uma casa de samba chamada Semente. A casa surgiu através desta roda que abri na Lapa. Por isso, nasceu o grupo Semente (grupo da cantora Teresa Cristina).

    Em sua opinião qual era a melhor roda de samba da cidade?
    A melhor roda de samba é no subúrbio. O samba de raiz da Tia Doca, do Cacique de Ramos, do Arlindo Cruz tanto em Cascadura quanto na Abolição. E foi através dessas rodas que as pessoas ajudaram a quebrar o tabu de que samba era uma bagunça. Foi assim que apareceram novas idéias, novas pessoas. Aqui é que era o grande ponto.

    A Lapa é o melhor local para se ouvir samba?
    Hoje eu posso dizer que lá funciona mais como um ponto comercial. As casas abriram depois do que fizemos. Eu cheguei a ganhar uma Moção de Louvor na Câmara dos Vereadores como um gerador de empregos por ter iniciado uma roda de samba na Lapa, quando ela era completamente “apagada”. As pessoas até me perguntam se tem algum resgate ao meu respeito. Costumo responder que as pessoas é que tem que pensar. Elas estão ricas e eu continuo pobre.

    Como surgiu o convite para ser padrinho do Galocantô?
    No tempo em que fazia a roda de samba na Joaquim Silva, convidei uns meninos que tocavam muito bem samba. Na época, eles tinham outro nome. Quando o grupo se consolidou, os integrantes fizeram questão de que eu fosse o padrinho, por dado uma oportunidade a eles.

    Qual a orientação que você daria para quem está começando a tocar?
    Não desistam. Vocês agora têm mais oportunidade que a geração anterior. Na minha época, por exemplo, a maioria dos músicos era autodidata. Estudem, frequentem uma escola de música, mas sem perder o talento. Chico Anysio já falava “Para ser um grande artista tem que ter talento, mas ter talento só não adianta. Tem que gostar. Tem que ter estrela.” Às vezes, o cara não tem talento, mas tem uma estrela boa e acaba conseguindo.

    Fevereiro de 2009



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