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  • Jaguar: “Os cartunistas estão desaparecendo”

    Agenda Bafafá em 22 de Maio de 2016    Informar erro
    Jaguar: “Os cartunistas estão desaparecendo”

    Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, mais conhecido como Jaguar, carioca nascido Praça Vieira Souto (atual praça da Cruz Vermelha), completa 61 anos de carreira.  Jaguar começou a carreira na revista Manchete, em 1952, quando era funcionário do Banco do Brasil, subalterno de Sérgio Porto. Fundador do Pasquim, símbolo de resistência à ditadura militar, é apontado como um dos grandes mestres do humor gráfico brasileiro. O cartunista foi também um dos criadores da Banda de Ipanema, que ressuscitou o carnaval de rua do Rio de Janeiro então restrito aos bailes de clubes. Publicou os livros “Átila, você é bárbaro”, “Nadie es perfecto”, "Confesso que bebi" e “Ipanema, se não me falha a memória”. Jaguar escreve coluna semanal às quartas-feiras no Jornal O Dia. Em entrevista ao Bafafá, Jaguar garante que é mais inteligente quando bebe e afirma que não existe mais espaço na imprensa para o cartum: “Os cartunistas estão desaparecendo”. Sobre a Banda de Ipanema é enfático: “Agora é só travestis e um monte de viados, por isso deixei de sair na banda”, fuzila. O que mudou no conceito de se fazer jornal no Brasil?  Olha, você me pegou. Eu sou um jornalista típico, entendeu? Nunca fiz uma reunião de pauta. A gente mandava brasa, assim como uma roda de samba, de improviso. Sempre trabalhei com um pessoal muito afinado comigo e não tinha aquele negócio de reuniões insuportáveis, onde fica-se horas. Ao invés de você estar trabalhando, você tá falando besteira, jogando conversa fora. Hoje, o que mudou é o tipo de informação. Na minha época, o jornalista tinha conhecimentos mais amplos. Eu por exemplo não tenho diploma de jornalista, o que só foi feito depois que comecei a trabalhar. Nessa época, era como um clínico geral, que botava o ouvido no peito do paciente e diagnosticava tudo. Hoje tem um cara especializado no dedo mindinho, tem outros especializados no cotovelo. O jornalista está muito assim. Alguns são especializados numa coisa e ignoram completamente as outras. Antigamente o jornalismo era mais romântico. Por que os jornais de opinião estão cada vez mais escassos? Porque a opinião, quando é uma opinião mais radical, ela dificilmente arruma um patrocinador (risos). A razão é essa, a grana. Acabou. Um jornal de opinião, por ter opinião, dificilmente se mantém, os custos hoje são muito altos e é uma coisa mais industrial. Quando o Ziraldo anunciou a recriação do Pasquim, você disse que não ia durar seis meses. Errou na profecia? Eu disse isso? (risos). Então errei, né? Esse Pasquim que está aí não tem nada a ver com outro. O atual só tem algumas figuras: Fausto Wolf, Sérgio Augusto, Nani. Ainda assim, se você observar, nenhum deles participa das entrevistas. Eu cheguei a ser convidado a ser editor desse Pasquim, mas recusei. Sou contra ter renascido um negócio que deveria estar no pantheon dos grandes jornais. Estou até meio estremecido com o Ziraldo pois acho que é a mesma coisa do que tirar do fundo do mar o Titanic, entendeu? O Pasquim de hoje, teoricamente é como era o Pasquim de antes, só que agora é um jornal rebelde patrocinado pela prefeitura (risos). Você está brigado com o Ziraldo? Mais ou menos. Nós éramos muito juntos, agora o Ziraldo está sozinho. Eu não falo mais com ele, o Millor também. Quando ele fez 70 anos não me convidou para sua festa assim como o Millor e o Chico Caruso. Até fiz uma piada boba (risos). Ele não nos convidou pelo seguinte: se eu fosse, ele não seria o melhor cartunista da festa, se o Millôr fosse, ele não seria o melhor humorista e se o Chico fosse, ele não seria o melhor chargista (risos). O que ficou de mais marcante nessa experiência do Pasquim? Foi uma experiência meio maluca. Foi muito divertido porque era um grupo muito brilhante, é como se fosse o Santos Futebol Clube do jornalismo. Você imagina: Millor Fernandes, Ziraldo, Henfil, Paulo Francis, Sérgio Augusto, Fausto Wolf, Ivan Lessa, só tinha craques. Depois saiu todo mundo e eu continuei sozinho durante 10 anos, coisa de maluco, né? Me ferrei, fiquei igual aquele japonês que não foi avisado que a guerra acabou (risos). Até que o Pasquim foi a pique porque não tinha mais como sobreviver por falta total de recursos. Senão eu estaria fazendo o Pasquim até hoje. Vender jornal é mais difícil do que fazer jornal, é isso? Muito mais difícil. Todo mundo se surpreende com a tiragem do Pasquim que chegou a vender 200 mil exemplares. Nós éramos aquele time de jornalistas que tinha só redação, não tinha retaguarda, não tinha planejamento econômico. Se ele tivesse sido bem administrado, poderia ter vendido 1 milhão de exemplares devido a sensação que fez na época. O mercado engoliu as idéias? Eu acho que sim. O mercado faz grandes estragos na criação cultural em geral. É mais difícil lutar contra ele do que contra a ditadura, porque você não sabe quem é o mercado. Ditadura você sabia: eram aqueles milicos querendo prender a gente, dar porrada e cortando o que a gente fazia. O mercado está em volta da gente mas não sabemos se estamos de frente ou de costas para ele (risos). O chargista ainda tem vez no mercado editorial? Tem vez. Quando comecei só tinham cinco chargistas. Agora, alguns jornais tem mais de cinco. Quem não tem vez é o cartunista, isso sim. Eu por exemplo, sou cartunista que sobrevive fazendo charges. Charge é sobre os acontecimentos políticos. O prazo de validade dela é muito curto. Se eu faço uma piada hoje sobre o José Dirceu, daqui há cinco anos ninguém vai se lembrar quem é o José Dirceu e o fato que motivou a charge também terá sido esquecido. Já um cartum, que retrata comportamentos, relações, assuntos variados, poderá ser entendido daqui há cem anos, quem olhar vai achar graça. Não existe mais espaço para o cartum na imprensa. Tanto que os cartunistas estão desaparecendo. Eu fico com pena porque quando aparece um bom cartunista, onde é que ele vai trabalhar? Não tem mercado. Como fundador da Banda de Ipanema, o que acha dela ter virado reduto de “entendidos”?   Quando a Banda foi criada não existia carnaval de rua no Rio, eram só bailes fechados. Depois se disseminou pelo país. Aqui no Rio tem os “filhos” dos fundadores da Banda de Ipanema que é o pessoal do Simpatia que leva um nome emprestado pelo Aldir Blanc. Hoje deve ter 200 bandas. O cara que bolou a Banda de Ipanema na verdade foi o Ferdy Carneiro. Ele deu a idéia para mim e o Albino, que ficou como o eterno “general da banda”. Quando ele morreu, não tinha mais sentido continuar. No começo, ela tinha a ala das piranhas, que não existe mais. Eram aqueles machões que sempre saíam vestidos de mulher: João Saldanha, o Carlinhos Niemeyer que saía de melindrosa (risos). Agora é só travesti e um monte de viados. Por isso deixei de sair na banda. Você escreveu “Confesso que bebi”. Não bebe mais? Eu não bebo mais? (risos) Eu tenho um amigo que teve uma crise de depressão e ligou para a psiquiatra avisando que ia sair comigo, para saber o que ela achava. Ela respondeu: “Já sei que você está perguntando se pode beber” (risos). Já tenho amigos que pararam de beber que me evitam, porque já sabem que eu bebo e bebo mesmo. E por que isso? Primeiro porque eu gosto de ficar bêbado (risos). Segundo porque sou mais inteligente bêbado do que sóbrio e terceiro eu não tenho ressaca, sou privilegiado. Bebo todas as bebidas desde que não seja doce. Eu tenho garrafas de Whisky em quase todos os lugares. Eu compro a garrafa, levo uma porrada, pois pago R$ 70, R$ 80. Mas no dia seguinte, eu tenho a impressão de que estou bebendo de graça (risos). Normalmente começo tomando Steinheger, passo para o chope e quando ele começa a ficar com aquele gosto enjoativo entro no Whisky puro sem gelo – acho um absurdo misturar uma bebida feita com tanto capricho com água brasileira. Depois para terminar peço um cafezinho e arremato com um Underberg que é o melhor remédio. Aliás, vou aproveitar para cobrar através do Bafafá o cachê pela publicidade da bebida. Qual é a definição certa para “carioca da gema”? Muita gente diz que eu sou um carioca típico, um “carioca da gema”. Mas eu não sou, porque não basta ter nascido na cidade, tem que ter pais cariocas, o que não é meu caso pois meus pais são paulistanos. Eu sou um “carioca da clara” (risos). Você nasceu num ano bissexto, só comemora aniversário de quatro em quatro anos? Eu tive sorte porque se tem uma coisa que detesto é comemorar aniversário. Comemorar o que? De estar um ano mais perto da cova? Ano que vem por exemplo, eu vou fazer 18 anos e terei que fazer serviço militar e poderei dirigir (risos). A minha mulher diz que a minha idade mental é de 18 anos (risos). O que acha do George W. Bush? É uma besta quadrada, um débil mental completo que infelizmente tem o poder nas mãos de acabar com o mundo. É um desastre, além de tudo é um usurpador pois ele ganhou trapaceando, foi uma maracutaia vergonhosa. Quais são os cinco mais importantes jornais alternativos da história do Brasil? Os mais notórios. A Manha do Barão de Itararé, que é o antepassado do Pasquim. O Opinião, O Repórter, O Bondinho lá de São Paulo e agora tem o Bafafá, muito bem feito, gostei, bastante profissional. O problema do jornal alternativo é que ele tem que ter cara de jornal profissional, tem que ter boa diagramação, boas ilustrações. É o caso do Bafafá. Como você tá vendo o nosso país? Eu estou esperando que o Lula comece a governar, tá demorando muito (risos). Qual é sua utopia? Minha utopia é não trabalhar. Na verdade eu já estou vivendo ela, pois trabalho muito pouco. Eu executo todo o trabalho da semana em um dia, às quintas-feiras, quando faço charges, crônicas e eventualmente livros. Fora isso eu vou para o Clip ou o Bracarense bater papo com os vagabundos (risos). Agosto de 2003

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