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  • José Pepe Mujica: A generosidade é o melhor negócio

    Da Redação em 05 de Maio de 2016    Informar erro
    José Pepe Mujica: A generosidade é o melhor negócio

    Ex-presidente do Uruguai, José Alberto Mujica Cordano, conhecido apenas como Pepe Mujica, foi recebido como “Pop Star” no Rio de Janeiro. Além de agraciado como Personalidade do Ano pela Federação das Câmaras de Comércio e Indústria da América do Sul, Mujica palestrou para milhares de estudantes na concha acústica da UERJ onde foi ovacionado.
    A história de Pepe Mujica é um filme. Nascido em 1935, o ex-guerrilheiro e líder do movimento Tupamaro participou de assaltos e sequestros até ser preso e passar 14 anos atrás das grades, sendo libertado em 1985. Posteriormente, foi deputado, ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca até ser eleito presidente do Uruguai em 2010. Seu mandato foi marcado pela simplicidade e austeridade. Chegou a abrir mão de 90% do salário que doava para instituições de caridade e circulava por Montevidéu em um Fusca. Sua residência é um sítio nos arredores da capital onde cria galinhas e vive da agricultura.
    Em entrevistas e discursos, o agora senador Pepe Mujica deixou muitas mensagens aos brasileiros. Entre elas, de que o Brasil tem de fazer a integração com a América Latina. “Vocês não precisam deixar de ser brasileiros, mas precisam também ser latino-americanos”. Sobre a crise política, defendeu a presidente Dilma: “Tenho um grande carinho pelo povo brasileiro. O Brasil tem força suficiente para superar as dificuldades pelas quais está passando”, assinalou. Sobre utopias, foi enfático: Só a multidão pode mudar a realidade. Não há homens imprescindíveis, há causas imprescindíveis. E criticou também a tentativa de desestabilização das democracias no continente. “A nossa democracia não é perfeita porque não somos perfeitos. Mas, temos que defendê-la para melhorá-la, não para sepultá-la”.

    Qual seria o modelo ideal de sociedade para você?

    Viver é aprender para saber se podemos continuar sonhando. Por enquanto vivemos na periferia do mundo central, ninguém nos presenteou a posteridade. Não adianta sermos desenvolvidos se não somos felizes. Por quê? Porque a única vida que temos é esta. E ela é rápida. Não se pode comprar o tempo dela. Temos que ter tempo para aproveitá-la. Tempo para os nossos filhos, para os nossos amigos, para o amor. E isso não pode ser hipotecado porque isso se chama liberdade. Só somos livres se gastamos o tempo de nossa vida em coisas que gostamos e não em obrigações. A vida não é só trabalhar. Hoje a tragédia e a felicidade estão juntas. Minha geração achava que mudando a forma de produção e de distribuição teríamos um homem novo. Hoje nós sabemos que se não mudarmos continuaremos mamando a mamadeira do capitalismo, reproduzindo valores capitalistas. Para que esta realidade mude temos também de mudar nós mesmos. Isso é uma batalha cultural. Os jovens têm de lutar para que não lhes roubem a liberdade. E não devem esperar que ela seja um presente. A liberdade está dentro de nós. Temos que ter a sobriedade de dominar nossas vidas mesmo que tenhamos que cair e começar de novo. Os pássaros cantam todos os dias quando sai o sol. Cantam porque agradecem a vida. O que está em jogo é a felicidade humana. O que importa é ser rico de tempo livre. É outro tipo de riqueza. Tempo para relações humanas. O que nos dá vontade de viver são os seres que amamos e nos relacionamos. Vivemos num mundo que só quer riqueza, ganhar dinheiro e envenenando a única ferramenta que temos que é a política. Se um partido não serve tem que fundar outro e assim sucessivamente. E tem que repudiar os ricos na política. Os políticos têm de viver como a maioria, não como a minoria privilegiada. Não precisamos de luxo, temos que viver com os valores da maioria. Não se trata de odiar os ricos. Se ele gosta de dinheiro dedique-se à indústria, ao comércio e não à política, onde precisamos de gente que pense no coletivo. Senão damos oportunidade ao golpismo de direita. As pessoas deixam de acreditar nos partidos e perdem a confiança. Quando isso acontece é um mundo de fera. Temos que aprender que a mesa deles é uma e a nossa outra. Eles precisam muita coisa e nos não. Podemos andar em fusca, não temos preço, por isso somos coerentes com os interesses de nosso povo. É um problema moral, de ética. A cultura capitalista nos impõe que sejamos um comprador escravizado, que para ser feliz temos que comprar um telefone novo a cada quatro meses, trocar de carro a cada dois anos. Ou deixas que te dirijam ou aprendes a dirigir. Nunca teremos um mundo melhor se não lutarmos para isso.

    O Sr acha que está havendo algo semelhante à Operação Condor para desestabilizar governos democráticos na América Latina?

    "Yo no creo en brujas, pero que las hay, hay" (Não acredito em bruxas, mas que existem, existem). Temos que ter cuidado. Claro que a direita trabalha para isso, o problema é a oportunidade que damos a ela. Golpes de estado nem pensar. Esse filme nós vimos muitas vezes na América Latina. A nossa democracia não é perfeita porque não somos perfeitos. Mas, temos que defendê-la para melhorá-la, não para sepultá-la.

    Como está vendo a “crise política” no Brasil?

    Sou senador de outro país. Não vim ao Brasil para opinar sobre a presidente Dilma ou sobre ministro tal. Tenho um grande carinho pelo povo brasileiro. O Brasil tem força suficiente para superar as dificuldades pelas quais está passando. O problema é que vocês só veem o derrotismo e acham que nada serve para nada. Muita gente que melhorou não se dá conta de que a melhora é resultado de medidas que foram tomadas ao longo dos anos. Muita gente crê que melhorou apenas pelo seu esforço individual e não vê que lhe deram a oportunidade. Isso se passa não apenas no Brasil, mas em todos os lugares, em outras sociedades modernas.

    Mercosul e o Unasud são estratégicos para uma América Latina mais igualitária?

    O problema mais grave que tem a América Latina é a desigualdade. As economias crescem, mas cresce também a pobreza. Mas os ricos não pagam quase nada de impostos. O mundo está se agrupando em unidades. Os latino-americanos sem uma voz comum não terão representação. É preciso do suporte de todos. Não vou estar vivo, mas a maioria de vocês sim. Não há outro caminho senão nos juntarmos. Até quando vão levar os nossos melhores cérebros para o exterior? Temos que ser proprietários de nosso próprio conhecimento. As multinacionais tentam levar os nossos cérebros mais brilhantes, com isso levam a nata do mundo. Acho que o Mercosul tem um montão de defeitos, mas sem ele seria pior. Temos que lutar para que ele seja ainda melhor. Não é dividindo. Nosso grande mercado são os pobres da América Latina que precisam ser incorporados à civilização. Esta é a briga, para dentro, por todos. Vocês não precisam deixar de ser brasileiros, mas precisam também ser latino-americanos.  

    Está vendo o mundo dividido em blocos?

    Acho que é possível construirmos um continente de paz. Não ser mais livre por ter um grande exército. Somos ricos, temos causas e valores. Estamos a frente de uma nova civilização. Daqui a 20 anos todo o mundo falará dois idiomas, uma língua nativa e provavelmente o inglês. A forma de comunicação vai mudar toda a forma de cultura humana que conhecemos. Temos que começar a pensar como espécie não como país. A ideia nacional não se sustenta. Os latino-americanos têm de estar juntos num mundo que está se agrupando em grandes continentes. Nações, inclusive como o Brasil, não são nada sem uma integração. Os pobres da África não são da África, são nossos! A generosidade é o melhor negócio para a humanidade.

    Como é a experiência da legalização da maconha no Uruguai?

    Começamos fazendo um experimento no Uruguai com a legalização. Não sabemos o resultado que vai dar. O que sabemos é que o que fazíamos não estava dando resultado. Se você quer uma mudança, não siga fazendo sempre o mesmo. O que queremos é o fim do tráfico de drogas, porque ele é pior que a droga. Por isso queremos a regulamentação do consumo. Quando digo regulamentar, quero dizer nos assegurarmos que o consumidor tenha uma opção para comprar sem que precise recorrer ao narcotráfico. Porque se ele precisa fazer isso, aí sim é um inferno. Se temos um mundo clandestino, quando identificamos a pessoa que está com um problema de vício já é tarde. Já não podemos tratá-lo apenas como um doente. Se queremos mudar, não podemos continuar fazendo a mesma coisa. Já que não podemos derrotar o tráfico decidimos lhe arrebatar o mercado, expropriar seu negócio. Isso não é liberação, é regulação. O mercado existe, o consumidor não tem outra alternativa do que comprar do traficante. Se eu lhe forneço uma cota e vejo que ele quer mais, aí posso saber que ele precisa de tratamento. Principalmente entre os jovens, o proibido atrai. Se eu vendo a maconha num café eu retiro a poesia de comprar proibido.

    Alguma profissão de fé?

    O avanço tecnológico nos presenteou mais 40 anos de vida do que há 100 anos. Essa é a grande riqueza que temos. Eu não estou procurando aplausos, quero acender a chama das causas nobres na militância.

    E o papel da mulher na sociedade?

    As mulheres conquistaram seu espaço não por presente, mas sim pela imposição de sua capacidade na sociedade. Na medida em que o trabalho passa cada vez mais a ser intelectual vão desaparecendo as distancias que existiam. Não tenho dúvida que é um processo irreversível. Não creio na igualdade de gêneros, creio na igualdade de direitos. O homem é um desastre. Andamos pela vida precisando de mães para nos organizar e conduzir. Mas, somos machistas e não gostamos de reconhecer isso. Por isso penso que é preciso dividir as tarefas. Num mundo de paz e tranquilidade. O refúgio do ser humano é o ninho, por isso temos que cuidar de nossas companheiras até o juízo final.

    O que acha da maioridade penal?

    Tive muitos anos presos, consegui escapar duas vezes da cadeia. Mas, dentro dela também tem valores, mesmo no meio da delinquência. As prisões deveriam reabilitar, mas a realidade é outra. Não ajuda a superar as deformações, mas tendem a multiplicar o problema. O que temos para oferecer é muito pior. As cadeias foram transformadas em universidades do delito. E queremos prolongar essa penúria? O homem da rua existe, quando é preso está revoltado. Ele tem o sentimento de repulsa, mas ele é um problema nosso também.

    Tem alguma utopia?

    Tem utopia maior que uma religião? Pensar em ter uma vida pós-terrena? O homem insiste em manter esse lindo sonho porque precisa. Se somos animais utópicos, temos que acreditar na política, a única ferramenta que pode levar a um mundo e a uma sociedade melhor. Só a multidão pode mudar a realidade. Não há homens imprescindíveis, há causas imprescindíveis. Precisamos da força coletiva, sem ela não somos nada. Não mudamos a realidade num bar. Por isso, lutem pelo melhor, mas entendam a realidade. Os únicos derrotados são os que deixam de lutar.

    Qual recado daria para as futuras gerações?

    Estão em crise os valores de nossa civilização. Estão caindo formas ancestrais, feudais. O mundo inteiro tem uma crise de representatividade de partidos e figuras políticas. Não deixemos que roubem a nossa liberdade. Ela não se vende, se ganha. E se ganha fazendo algo pelos demais. Isso se chama solidariedade, a luta contra o egoísmo que a sociedade nos impõe.

    Agosto 2015



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