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  • Naná Vasconcelos: Tirei o berimbau da capoeira

    Agenda Bafafá em 06 de Maio de 2016    Informar erro
    Naná Vasconcelos: Tirei o berimbau da capoeira

    O percussionista pernambucano Juvenal de Holanda Vasconcelos, conhecido como Naná Vasconcelos, começou a tocar profissionalmente aos 12 anos de idade. De origem humilde, seguiu os passos do pai, também músico, e nunca mais parou. Em 1967, mudou-se para o Rio de Janeiro onde gravou dois discos com Milton Nascimento. Não demorou a fazer sucesso que o levou para Nova Iorque onde morou 27 anos e tocou com grandes nomes do jazz, entre eles, Pat Metheny, Evelyn Glenni e Collin Walcott. Não foi por acaso que foi eleito oito vezes o melhor percussionista do mundo pela revista americana Down Beat e ganhou oito prêmios Grammy. Com 24 discos gravados, prestes a completar 70 anos em agosto, Naná Vasconcellos fala com exclusividade ao Bafafá. Ele conta que foi responsável pela introdução do berimbau como instrumento musical. “Eu tirei o berimbau da capoeira e fiz dele um instrumento solista”. Autodidata, revela o segredo para o sucesso: “O que me moveu foi a intuição. Além disso, utilizo a própria voz como instrumento e para dar o tom”. Sobre a bossa nova, garante: “Ela é sofisticação do samba. Não precisa encher de tamborim e cuíca, é samba da maior pureza”. Como foram a sua infância e juventude? Comecei como percussionista profissional aos 12 anos de idade em um cabaré, uma casa noturna, acompanhando meu pai que tocava manola, um violão tenor de quatro cordas. Eu batia tanto nas panelas e pinicos lá de casa que ele acabou tendo que me levar junto (riso). Tinha que ter uma autorização do juizado de menores e sequer podia descer do palco. Foi uma escola da vida, graças a isso sou um músico flexível, aprendi muito tocando todo tipo de música. E quando exatamente descobriu que a música seria a sua vida? Estudei até o ginásio e aprendi a tocar sozinho. Tinha o hábito de, durante a Voz do Brasil, sintonizar a Voz da América para escutar jazz. Descobri que ouvir era uma das coisas mais importantes para um músico. Quando meu pai morreu, passei a fazer parte da Banda Municipal de Recife. Paralelamente, comprei uma bateria e treinava todos os dias pela manhã escondido num camarim desativado do Teatro Municipal (riso). Chegou a estudar música? O que me moveu foi a intuição. Nunca estudei música. Leio partitura, mas as pessoas não escrevem para mim. Elas preferem as coisas que eu faço que não se escrevem (riso). Utilizo a própria voz como instrumento e para dar o tom. Costumo dizer que o primeiro instrumento é a voz, o melhor instrumento é o corpo e o resto é consequência disso. Para cada instrumento que eu toco coloco um elemento orgânico. Se toco um tambor adiciono a voz como instrumento. Esse é o estilo Naná, só eu toco assim (riso). Trabalhei com crianças, inclusive crianças deficientes na França. Foi ai que despertei para construir meus instrumentos e a utilizar o corpo como instrumento. E como foi a virada na música? No início dos anos 60, durante um programa de rádio em Recife, tinha uns músicos de bossa nova querendo tocar a música Adriana, do Roberto Menescal, num compasso de jazz. Precisavam de um baterista local para isso. Eu disse para eles: eu toco jazz e faço solo! Toquei, foi um sucesso, e ganhei a fama de melhor baterista de Recife (riso). Curioso é que comigo as coisas sempre aconteceram assim: estar no lugar certo na hora certa (riso). Eu nunca procurei emprego. Em 1967, quando vim para o Rio de Janeiro, o Geraldinho Azevedo me levou para uma festa na casa do Milton. Ao chegar, por intuição, disse ao Milton que iria tocar com ele. No final da festa, ficaram só umas quatro pessoas. Milton pegou o violão para mostrar a música que iria gravar dias depois. Pedi licença, fui à cozinha e peguei algumas panelas para acompanhá-lo. Quando ele terminou de tocar, me perguntou: o que você está fazendo na segunda-feira? (riso). E eu, no dia seguinte, me mudei para a casa dele sem pedir já que não tinha para onde ir (riso). O Milton não tinha grupo, acabei sendo a orquestra dele, compondo ritmos para suas músicas. Ele era um estranho no pedaço e não vinha da bossa nova. Com quem mais você tocou? Teve uma época que eu fazia um show com o Milton no Teatro da Praia e depois outro com a Gal na boate Sucata na Lagoa. No início dos anos 70, o músico argentino Gato Barbieri me chamou para fazer alguns shows na Argentina. Posteriormente ele viria a fazer a música do filme “O último tango em Paris”. Depois desses shows sugeriu que fossemos para Nova Iorque e aceitei. Quando chego lá, com quem eu vou morar? Com o Glauber Rocha. Não falava nada de inglês, mas já tinha lugar para morar e contrato para gravar com o Barbieri (riso). Tem algum estilo pessoal? Tenho. Eu tirei o berimbau da capoeira e fiz dele um instrumento solista. Isso fora do Brasil, com o Gato Barbieri. Nos shows, ele me dava três minutos para eu fazer um solo. O mundo caía. Eu acabava roubando a cena e isso passou a incomodar o Gato (riso). Depois fizemos uma turnê na Europa e decidi ficar por lá mesmo, com a grana que tinha ganhado. Disse para mim mesmo: se der certo ok, senão volto para o Brasil para tocar com o Milton (riso). E deu certo. Uma semana depois já estava gravando um disco só com o berimbau. Fiquei em Paris até 1976 e retornei para Nova Iorque onde morei 27 anos. Na verdade, nunca sai daqui, nunca perdi a minha identidade (riso). Só voltei para valer para o Brasil em 2002. E suas influências? Jimi Hendrix, ele mostrou que o instrumento não tem limitações. Qual é o instrumento que mais gosta? O corpo (risos). Meu melhor instrumento é o corpo, o resto é consequência disso. Não canto, uso a voz como instrumento. Quando entendi que eu tinha um estilo que não parecia com nada.  A bossa nova é samba? É a sofisticação do samba. Você não precisa encher de tamborim e cuíca, é samba da maior pureza (riso). A bossa nova trouxe riqueza harmônica. O jazz bebeu da bossa nova? Totalmente. E digo mais: foi o americano que propagou a bossa nova para o mundo (riso). Quem ajudou para isso? Não foram os negros, foram os brancos que não cantavam gritando, nomes como Stan Getz. A bossa nova demorou para ser entendida no Brasil. Por que a bossa nova estagnou? Porque a bossa nova é João Gilberto. Ele não deixa sucessores! Quais são seus projetos? Estou tocando meus projetos. Um deles é o ABC musical com crianças pobres. Faço workshops nas escolas públicas e seleciono 100 crianças de várias regiões do Brasil para apresentações em público. Fiz a mesma coisa na Angola incentivando o folclore regional. E os discos? Meu penúltimo disco, Sinfonias e Batuques, ganhou o Grammy em 2011. Agora, estou lançando “Quatro Elementos”. Como vê o papel da Internet e do digital na música? A tecnologia é inevitável. É preciso saber como lidar com ela. A nova geração está começando a entender que o segredo não está lá fora, está aqui. As gravadoras estão morrendo? Ninguém mais está comprando disco, todo mundo baixa (riso). Eu mesmo só vendo disco nos shows. As gravadoras só irão relançar clássicos (riso). Como explica a volta do vinil? Porque a gente estava com saudade do chiado (riso). Tem alguma utopia? Sou um eterno sonhador e faço tudo para ver um sonho realizado. Nada é impossível, falo isso para as crianças. A música mais difícil de fazer é o silêncio, porque é um estado de espírito. Às vezes a pessoa está calada, mas não está em silêncio, está na maior zoeira (riso). Abril 2014

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