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  • Nei Lopes: “Gravadoras acham que samba é coisa de preto, velho e pobre”

    Agenda Bafafá em 06 de Maio de 2016    Informar erro
    Nei Lopes: “Gravadoras acham que samba é coisa de preto, velho e pobre”

    Nascido em 1942, Nei Lopes é uma figura expoente do mundo do samba carioca. Formado em direito e escritor com 25 livros publicados, desde cedo descobriu a vocação pela música cantando nas festas do bairro de Irajá, onde nasceu. Em 40 anos de carreira já compôs mais de 300 sambas, entre eles, “Goiabada Cascão” e “Senhora Liberdade”, ambas com Wilson Moreira, seu grande parceiro.

    Em entrevista ao Bafafá, Nei Lopes fala sobre seus primórdios na carreira de sambista, fontes de inspiração, política das rádios e gravadoras e muito mais. “As gravadoras, mídia e a turma da cultura acham que samba é coisa de preto, velho e pobre. Da mesma forma que acham que todo roqueiro é intelectual (risos). Eles não sabem o que estão perdendo”, fuzila o compositor.

    Fale sobre a sua infância e juventude

    Nasci no Irajá, em 1942; fiz curso ginasial na Escola Técnica Visconde de Mauá, de 1953 a 1957 (era tão bom que fiz questão de repetir o último ano); de lá, fui cursar o científico no C.E Barão do Rio Branco, em Santa Cruz (observe que eu fui no rumo oeste, sempre, do subúrbio pra zona rural). Aí, dei um tempo num cursinho vestibular, pra relembrar o latim do ginásio; então, entrei pra Faculdade Nacional de Direito, muito bem colocado no vestibular. Enquanto isso, eu batucava, cantava e dançava (muito bem) samba, além de outras chinfras.

    Quando descobriu a vocação pela música?

    Nasci numa família de músicos, embora quase todos amadores. Isso vinha desde meu avô materno, no século 19. Já nasci dentro.

    Sambista era discriminado?

    Samba era coisa de "crioulo do morro" - o que não era o nosso caso, lá em casa. A rua tinha uma subidinha, mas não chegava a tanto. Então, imagina o quê que eu tive que fazer pra assumir esse gosto. Mas consegui.

    Quando cantou pela primeira vez em público?

    Com uns sete ou oito anos eu já cantava, nas festinhas, principalmente um samba que, agora, eu sei que é do falecido Henricão, que tinha dupla com a Carmem Costa: "Se você for ao baile / não esqueça do chale/ que pode chover. /Esse seu resfriado / ainda não está curado/ pode recolher". Já comecei por cima, cantando samba sincopado. E cantava também com meu irmão Zeca, fazendo "vozes", como fazem hoje os sertanejos. Só que a gente cantava música boa, samba-exaltação: "Ó, Bahia da magia / do feitiço e da fé/ Bahia que tem tanta igreja / e tem tanto candomblé...". Esse samba foi gravado pelo Trio de Ouro, ainda com Dalva de Oliveira. E a gente cantava, vocalizando, eu e meu saudoso irmão Zeca. Eu com uns 10, ele com uns 13 anos, veja você!

    E quando compôs a primeira música?

    No ginásio, escrevi um soneto de pé quebrado para um brotinho (hoje, uma velha coroca, coitada!). Meu irmão mais velho, Ernesto (também já falecido), que era cobra no violão, pegou e musicou. Virou um samba-canção: uma bela melodia numa letra bem vagabunda: “Se tu quisesses me amar”. Mas, valeu.

    Quantas músicas já compôs?

    Eu gravo pouco. Tenho cerca de 300, em 40 anos de carreira profissional. E devo ter outras tantas no baú. Somando as que eu joguei fora, devo ter feito 1.000. O que, entretanto, é menos que as gravadas do meu amigo Paulo César Pinheiro, que é recordista.

    Qual é a sua fonte de inspiração?

    A observação. Sou mais de ver do que meditar.

    Onde é melhor compor, em casa ou no bar com os amigos?

    Em casa, no meu ambiente de trabalho. O bar é pra beber e conversar. As que eu escrevi no bar, crente que estavam ótimas, passada a euforia, eu via que era besteira. Aí, lixo!

    Quem é seu principal parceiro?

    Cada um na sua hora e no seu estilo. Tenho vários “principais”. Inclusive, eu mesmo.

    Quantos discos gravou?

    Eu mesmo cantando meus sambas tenho uns seis.

    Chegou a se formar em direito. Advogou?

    Não só me formei, em 1966, como até hoje sou inscrito na OAB-RJ, com a anuidade em dia e votando nas eleições para o Conselho. Fui dono do primeiro escritório no bairro de Vista Alegre, hoje um bairro de suburbanos bacanas. Eu era o “doutoire” da portuguesada. Mas só tive saco pra aturar durante seis anos (mais os dois com a “carta de solicitador”, estagiário, ainda estudante).

    Além da música o que fazia profissionalmente?

    Isso aí que acabei de falar. Depois, fui ser redator de textos e acabei fazendo jingles. O que acabou me levando aos estúdios de gravação e à carreira de compositor profissional.

    Para qual escola de samba torce?

    "Saí" (quem desfila é soldado, como dizia o saudoso Waldinar Ranulpho) por mais de 30 anos nos Academicos do Salgueiro. Depois, saí na Vila, como dirigente do Depto Cultural, até o meio da década de 90. No meio dessa confusão, saí até no carro principal da Unidos da Ponte, encarapitado lá em cima, ao lado da Alcione, que era o tema do enredo.  Mas aí, enchi o saco também.

    Como vê a separação de samba com a MPB? Isso é coisa de gravadora?

    Vejo como uma tremenda discriminação, uma tremenda sacanagem. Quando compositor bacaninha faz samba, a música vira MPB.

    Porque as rádios não tocam samba?

    Porque eles (gravadoras, mídia e a turma da “cultura”) acham que samba é coisa de preto, velho e pobre. Da mesma forma que acham que todo roqueiro é intelectual (risos). Eles não sabem o que estão perdendo!

    Está gostando dos jovens estarem cantando samba?

    A juventude sempre cantou samba.

    Onde se faz o melhor samba no Rio?

    Aqui em casa, claro! (risos)

    O que está achando dos desfiles da Marquês de Sapucaí?

    Acho que são bonitos; apenas.

    O que está achando do governo Dilma?

    Está difícil, né? Ótimas posições, principalmente no plano internacional, na sequência do que foi plantado no governo anterior. Mas no plano interno, está confuso. 

    Quais são os seus projetos no momento?

    Aguardo o lançamento de um CD que fiz com produção do maestro Guga Stroeter, em São Paulo, em que canto com grande orquestra, sambas bonitos do refinado repertório dos "pagodes de mesa". Tem, Luiz Carlos da Vila, Almir Guineto, Wilson Moreira, Nei Lopes etc. Estou finalizando um novo romance (sobre o ambiente dos negros cariocas nos anos 50) e mais um dicionário de História da África.

    Tem alguma utopia?

    Um Brasil descolonizado e sem racismo; onde a presença do segmento afro descendente seja naturalmente aceita em sua real importância.

    Fevereiro 2013

    Entrevista concedida a Ricardo Rabelo


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