MAIS COISAS >> Entrevistas

  • Nelson Rodrigues Filho: Só fiquei vivo por causa do meu pai

    Agenda Bafafá em 16 de Junho de 2021    Informar erro
    Nelson Rodrigues Filho: Só fiquei vivo por causa do meu pai

    Difícil é não chamar a atenção por onde passa. Afinal, são raros os casos de pessoas como Nelson Rodrigues Filho que cultuam uma extensa barba há 23 anos. Nelsinho, como é conhecido, seguiu os passos do pai, o dramaturgo Nelson Rodrigues e exerce uma extensa atividade ligada ao teatro e a roteiros.
     
    Formado em engenharia e jornalismo, durante a ditadura militar esteve preso sete anos por integrar os quadros do MR8 e participar da luta armada. Ao ser solto, além de deixar a barba crescer, abriu o famoso restaurante Barbas, palco de importantes manifestações políticas e culturais no início da década de 80. Apaixonado por gatos, além de diretor de teatro, produtor, roteirista, é diretor do bloco Barbas, que desfila no sábado de carnaval pelas ruas de Botafogo.
     
    Em entrevista ao Bafafá, Nelson Rodrigues Filho conta que só não foi morto nos cárceres da ditadura, graças ao pai que intercedia por ele. "Só fiquei vivo por causa dele".
     
    Fale sobre a sua militância política que acabou levando-o à prisão.

    Eu militava no movimento estudantil e quando me formei em engenharia em 1968, aderi ao MR8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro). Houve quinhentos MR8 na vida, mas esse era o segundo. Depois, o movimento se desfez. Naquela época, você não podia distribuir um panfleto sem uma retaguarda armada, senão era imediatamente preso e depois torturado. Na universidade, se você abria a boca também era preso, tinha muita gente infiltrada, era um tempo de terror, de muita deduragem, os porteiros de edifícios eram cooptados ou obrigados a informar sobre atitudes estranhas.

    Fui preso em 29 de março de 1972 e solto em 16 de outubro de 1979, quase oito anos depois. Nos dois primeiros anos, fiquei primeiro preso no Batalhão de Guardas, isolado, depois na Fortaleza de Santa Cruz, depois Ilha Grande, Bangu e finalmente Frei Caneca, graças a uma greve de fome que fizemos.

    É verdade que o seu pai intercedeu junto ao presidente Médici para conseguir sua libertação?

    O meu velho sempre me apoiou, sempre me deu toda força, embora discordando. Só fiquei vivo por causa de meu pai, senão eu estava morto. Dentro da cadeia, a gente travava uma luta política. Eu era uma pessoa importante por ser filho do Nelson. Qualquer coisa que me acontecesse ou ao coletivo podia ter repercussão. A gente não recomenda prisão para ninguém. Quando estive preso foi um momento de reflexão que me permitiu fazer amizades que ficaram até hoje. Você passa a conviver 24 horas do dia com o parceiro. Se você está solto e tem alguém que você não gosta, vai para outro bar, mas preso, não tem jeito, e tem bancar o cara na tua frente escovando os dentes. Mas a gente forjou um sentido de coletivo muito importante.  

    Sua barba grande é algum tipo de promessa?

    Primeiro, eu sempre detestei fazer barba, coisa que só acontecia de dois em dois meses. Quando fui preso, deixei a barba crescer e a mantive ao sair da prisão. Desde então, há 23 anos, não corto, não aparo, se fizer isso, ela cresce de novo, fica fina. É que nem uma roseira, se você aparar, você dá vida a sua roseira, que cresce forte. Mas como eu não estou querendo muitas rosas na minha barba, deixa ela assim mesmo (riso). Eu estou completamente habituado, vai ser muito esquisito eu viver sem barba. Faz parte de minha personalidade, é meu vestuário.

    Confere a informação de que seu pai adorava enterros?

    Quando era pequeno. Ele ficava fissurado com as cerimônias, os cavalos. Antigamente, tinha muitos velórios nas casas. Um vizinho morria e o demais iam lá ver, então ele ficava lá olhando.

    Você acabou fundando um bloco de carnaval (Barbas). A esquerda sempre foi festiva?

    Eu e um grupo de companheiros tínhamos um restaurante, o Barbas, que ganhou esse nome porque todos éramos barbudos. O local se transformou num centro cultural, onde tudo acontecia. Foi abre-ala para o samba chegar na Zona Sul, foi abre-ala para lançamento de livros com debate, círculos de psicanálise e encontros de poesia. Isso, enquanto ainda explodiam bombas em jornaleiros que vendiam literatura de esquerda.

    Foi então que o Mauro Duarte, compositor do Império Serrano, disse que só faltava fundar um bloco. Isso foi em 1985, e ele acabou saindo junto com o Simpatia. Me lembro até que o Ari tocava cavaco no bloco e depois saía correndo para pegar a metade do simpatia. Daí nasceu uma forte corrente de carnaval de rua. A esquerda realmente gosta de carnaval, mas não é tão festiva.

    Quais são os seus projetos para este ano?

    Tenho algumas peças para fazer e tenho que viajar com as já feitas. Quero também escrever roteiros, desenvolver projetos de cinema, de vídeo. Eu estou muito interessado na obra do meu velho “A vida como ela é”, que estou estudando. Neste momento preciso, estou voltado para o carnaval e também para um projeto de criação da Casa Brasil em Havana, Cuba. É um espaço que se propõe a incrementar o intercâmbio cultural entre Brasil e Cuba e que funcionaria numa casa antiga, que será restaurada em Havana velha.

    O local terá restaurante, videoteca, exposições de fotografia, pinturas. Quando estive em Cuba, fiquei impressionado com a semelhança, o tipo de ser dos cubanos, o afeto com os brasileiros, a dança que nos une. Exceto a preferência deles pelo beisebol e nós pelo futebol, tudo é muito similar, os ritos religiosos, as raízes africanas. Foi então que constatei que não tinha Casa Brasil, coisa que existe em toda a Europa, na Alemanha, França, em Portugal. Desde então, estamos levando a frente esse projeto e já fundamos a Associação Cultural Casa do Brasil. Vamos realizar um grande evento no meio do ano com o pessoal do Buena Vista, em várias cidades, Niterói, Rio, Recife, Campinas e Vitória.

    Para onde caminha a humanidade?

    O Bush está sendo mais realista que o próprio rei em relação ao seu poderio. A gente vai ter que se acostumar com as guerras do Bush, será o 4º Reich. Na Palestina, a paz estava quase sendo conseguida e depois dos atentados em Nova Iorque, Israel passou a arrasar as cidades. Escavadeira virou arma de guerra. O Sharon é um fascista louco, o mesmo que em 1983 brindou o mundo com o massacre de campos palestinos. É o que é mais absurdo! Dentro dessa lógica, os Estados Unidos podem ter armas atômicas e os outros países, não. A ONU é subserviente aos EUA. A Coréia do Norte, com toda a razão, por que vai deixar de promover suas armas, se tem uma onda belicista louca? O ano de 2003 vai ser esquisito.

    Janeiro de 2003

    Entrevista concedida a Ricardo Rabelo, editor do Bafafá 



    • MAIS COISAS QUE PODEM TE INTERESSAR

      Entrevista: Eliete Bouskela, 1ª mulher a presidir a Academia Nacional de Medicina
      Saiba Mais
      Exclusivo: Ruy Castro fala ao Bafafá sobre o processo criativo durante a pandemia
      Saiba Mais
      Exclusivo: Pesquisadora Clarisa Palatnik defendo uso de uma única vacina contra a Covid-19
      Saiba Mais


    • COMENTE AQUI

      código captcha

      O QUE ANDAM FALANDO DISSO:


      • Comentário do post Miguel Babangida:
        Fui carcereiro desse rapaz no final de 72. Eu era Cabo do Exército e tinha 21 anos. Houve um erro na baixa do contingente daquele ano e precisaram alocar Cabos para tirar serviço de soldados, usando metralhadoras INA. Ele ficou encarcerado no xadrez denominado X-1, que ficava do lado direito do quartel, em relação a quem entrava pelo Corpo da Guarda. Me lembro de que certa vez intermediei a compra de um maço de cigarros para ele. Falei com o Oficial de dia, que permitiu. Se não me engano era Continental sem filtro.


DIVULGAÇÃO