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  • Oscar Niemeyer: O brasileiro é obstinado

    Agenda Bafafá em 04 de Junho de 2021    Informar erro
    Oscar Niemeyer: O brasileiro é obstinado

    Bafafá publica uma entrevista exclusiva com Oscar Niemeyer, o arquiteto brasileiro mais respeitado no mundo e que mais contribuiu para a arquitetura do Século XX. Mestre das pranchetas e dos traços suaves que originaram importantes projetos arquitetônicos nos quatro cantos do planeta, Niemeyer é uma figura marcante pela sua coerência e espírito público.

    Oscar Niemeyer Soares Filho nasceu no Rio de Janeiro em 1907 e formou-se em 1936 pela antiga Escola Nacional de Belas Artes. Seu primeiro trabalho individual foi o prédio da Associação Beneficente Obra do Berço, na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas. O projeto teve influência de Le Corbusier e já utilizava quebra-sóis verticais, uma das características do arquiteto.

    A convite do então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, projetou o conjunto arquitetônico da Pampulha, com linhas arrojadas e modernas, abrindo mão dos ângulos retos e optando pelas linhas curvas. Em 1946, junto com dez outros arquitetos, projetou a sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York. Sua grande realização no entanto foi a nova capital do país, Brasília. Seguindo o estilo iniciado na obra da Pampulha, Oscar Niemeyer rejeitou os conceitos funcionalistas e criou obras como o Congresso, a Catedral, os Palácios da Alvorada, do Itamaraty e do Planalto, o Teatro Nacional e o Memorial JK que valeram a Brasília o título de patrimônio cultural da humanidade, outorgado pela ONU.

    No Rio de Janeiro, seus trabalhos estão por toda parte. Os Cieps, o Sambódromo e o Museu de Arte Contemporânea de Niterói enchem os olhos de orgulho dos cariocas e fluminenses. No momento, é responsável pelo projeto "Caminho Niemeyer", um conjunto de obras que vai da Estação das Barcas, no Centro de Niterói, até a praia da Boa Viagem.

    Ao longo da carreira, Oscar Niemeyer recebeu diversos prêmios e condecorações, entre elas o Prêmio Lênin Internacional, URSS (1963); Prêmio Benito Juarez do Centenário da Revolução Mexicana (1968); Medalha do Conselho Artístico da Unesco (1980) e a Medalha Real de Ouro, concedida pelo Royal Institute of British Architects, tornando-se o primeiro arquiteto latino-americano a receber esta honraria.

    Como foi a sua juventude? Família tradicional, retrato do Papa na parede, muito preconceito. O que, diante das misérias do mundo, logo esqueci, entrando ainda jovem para o Partido Comunista Brasileiro.

    O que o levou à arquitetura? O desenho. Gostava de desenhar, e foi o desenho que me conduziu à arquitetura.

    Tinha participação política quando estudante? Participava do Socorro Vermelho, mas foi só depois da saída de Prestes da prisão que entrei para o PCB.

    Por que optou pelo PCB? Porque é o partido do povo – o partido que luta contra as misérias e as injustiças do mundo.

    Seu primeiro projeto individual, a Obra do Berço na Lagoa, teve que inspiração? Uma obra simples, feita em duas etapas. Lembro, com satisfação, que ao voltar da Europa, verificando que o erro cometido na posição das placas de concreto na fachada permitia ao Sol entrar nas salas, paguei do meu bolso a modificação indispensável. Como nada tinha cobrado pelo projeto, essa obra, a primeira que fiz, só lembra idealismo e empreendimento.

    Como foi criar o projeto da Pampulha em Belo Horizonte? Foi com esse projeto que iniciei, de fato, a minha arquitetura. Uma arquitetura baseada na técnica, toda feita de liberdade e invenção. Livre e transparente como o nosso clima permite. Pampulha foi o início de Brasília. A mesma pressa, a mesma correria, as mesmas angústias e esperanças.

    Qual foi o ponto de partida para planejar Brasília? Lembro JK a me procurar em minha casa das Canoas: "Oscar, fizemos Pampulha; agora vamos fazer a nova capital". E Brasília começou.

    Quarenta e quatro anos depois, como vê a capital do País? Uma aventura que deu bom resultado. É o progresso a se espalhar pelo interior do país, como JK previa. É claro que surgem problemas que a mediocridade e o poder imobiliário são difíceis de conter, mas o povo gosta da cidade. Ninguém quer sair de lá. Parece que o céu é maior, que os espaços são mais generosos, e esse é um contraste evidente com as outras cidades. Tranqüiliza-me constatar que os visitantes de Brasília podem gostar ou não dos palácios, mas nunca dizer que viram antes coisa parecida. A arquitetura é acima de tudo surpresa e invenção.

    Ficou alguma coisa positiva do período militar no Brasil? Não. Uma lembrança dolorosa que não devemos esquecer.

    Para idealizar os Cieps, partiu de algum pressuposto? No caso dos Cieps – o que muitas vezes acontece – o programa, organizado por Darcy Ribeiro, era mais importante do que a arquitetura. Foi ele quem imaginou os alunos em tempo integral nessas escolas, com o espaço para estudo que lhes faltava em casa, biblioteca e os complementos de saúde e esporte previstos.

    Como vê as reclamações de que alunos e professores têm que gritar para serem ouvidos nos Cieps? Ar condicionado era coisa economicamente inviável, e o rebaixamento do corredor permitindo a ventilação entre as duas fachadas, a solução mais simples.

    Surgiu o problema do barulho, um pouco questionável. No prédio do Ministério de Educação e Saúde, a situação é a mesma, e nunca foi criticada. Até na Itália – no Palácio Mondadori que projetei (a sede dessa editora) – as divisões são baixas, nada além de dois metros de altura. A princípio apareceram dúvidas (pois os italianos falavam muito alto); porém todos se acostumaram e nada foi modificado.

    E o Sambódromo? Sambódromo... Houve a reação ignorante tentando impedir a sua construção. Diziam que três meses eram tempo curto demais e até que um rio passava por baixo das arquibancadas. Brizola não deu bola e, corajoso, realizou o projeto elaborado por mim.

    Quais projetos de que mais gosta? O meu preferido talvez seja a Universidade de Constantine na Argélia. É monumental, criando os espaços livres que os vinte edifícios inicialmente programados nunca permitiram.

    Como explica a derrocada do comunismo? Quando se lê "Os demônios", de Dostoiévski, sente-se como a revolta contra a miséria é antiga. E foram muitas, antes da Revolução de Outubro, que transformaram um país de mujiques na segunda potência mundial. Foram 70 anos de glória, incluindo a vitória contra o nazismo, quando milhões de soldados soviéticos morreram em defesa da paz. Tudo isso deve ter influído para o que ocorreu na União Soviética, que, acredito, voltará aos velhos tempos, se considerarmos que as razões que justificam o comunismo permanecem. Que uma luz surja no horizonte contra essa fase final do capitalismo, com Bush a espalhar sangue e tortura por todo o mundo.

    Concorda com quem diz que acabou o conceito de Esquerda X Direita? É claro que não. Nunca ficou tão evidente, neste clima de violência e miséria, a divergência entre pobres e ricos, a oposição entre Direita e Esquerda. Uma onda de revolta cresce por toda parte contra o imperialismo norte-americano. Até a América Latina procura se unir diante do inesperado que comanda o mundo.

    Para onde caminha Cuba? É difícil falar mal de Cuba, e da Revolução Cubana mais ainda. É um exemplo para a América Latina e todo o mundo.

    O que acha da TV brasileira? Considero que ela é importante como meio de comunicação, mas continua sujeita à influência do regime capitalista que ainda prevalece entre nós.

    O que acha do brasileiro? Ao meu ver o brasileiro é obstinado, luta para ser feliz.

    O que mais admira no Brasil? A natureza fantástica que o destino nos deu.

    O que mais repugna? No momento, este clima de violência e desrespeito ao ser humano, que o império Bush dissemina pelo mundo.

    Qual foi o brasileiro do século? O nosso irmão das favelas, que luta e sofre contra as injustiças do mundo.

    Qual foi o brasileiro antítese disso? Muitos. Os que ainda aceitam a injustiça social que combatemos.

    Como acha que os brasileiros vão lembrar-se do senhor na posteridade? Um ser humano como outro qualquer... que nasceu e morreu como a natureza impõe.

    Tem alguma utopia? Sou realista demais. Acredito que o comunismo poderá organizar a vida melhor, torná-la mais justa para todos. Apenas isso. Quanto ao ser humano, ele continuará a viver, insignificante e indefeso, os momentos de euforia e desespero que o destino lhe oferece.

    Qual avaliação faz do governo Lula? É um operário no poder. Ainda acreditamos nas promessas que fez, em sua luta contra a pobreza, numa atitude mais firme no campo da política externa – agora mais oportuna diante do ódio que o império Bush vai criando por toda parte. E o sentimento nacionalista a invadir toda a América Latina, mais do que nunca ameaçada pelo imperialismo norte-americano.

    Dezembro 2004.



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