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  • Ricardo Cravo Albin: A nossa música não esgotou e jamais esgotará

    Agenda Bafafá em 22 de Maio de 2016    Informar erro
    Ricardo Cravo Albin: A nossa música não esgotou e jamais esgotará

    Carioca por adoção, nascido na Bahia, Ricardo Cravo Albin é um dos maiores pesquisadores da Música Popular Brasileira. Sua relação com a MPB vem de longe, desde que fundou e dirigiu o MIS - Museu da Imagem e do Som entre 1965 e 1971. Historiador de MPB, produtor musical, produtor de rádio e televisão, crítico e comentarista, Albin foi ainda diretor geral da Embrafilme e presidente do Instituto Nacional do Cinema (INC). É também autor, desde 1973, de aproximadamente 2.500 programas radiofônicos para a Rádio MEC. O seu maior projeto é o Instituto Cultural Cravo Albin. Sociedade civil, sem fins lucrativos, com sede na cidade do Rio de Janeiro, foi fundada em janeiro de 2001 com a finalidade de promover e incentivar atividades de caráter cultural no campo da pesquisa, reflexão e promoção das fontes que alimentam a cultura e, em especial, a música brasileira, visando a divulgação, defesa e conservação do nosso patrimônio histórico e artístico. Outra façanha do historiador é o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, em base digitais, que pode ser acessado no endereço www.dicionariompb.com.br, com cerca de 7000 (sete mil) verbetes. Nesta entrevista exclusiva ao Bafafá, Ricardo Cravo Albin fala sobre sua infância e juventude, seu engajamento com a MPB, estilos musicais, carnaval e muito mais. 

    Fale um pouco sobre sua infância e adolescência! Minha infância foi praticamente entre Salvador onde meu pai tinha uma fábrica de vidros, e numa cidade encantada, muito bonita que é a cidade de Penedo, fundada pelos holandeses às margens do Rio São Francisco em Alagoas. Aos 12 anos ganhei uma bolsa por aproveitamento escolar no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro que oferecia este benefício aos melhores alunos do País. Naquele ano eu fui o melhor aluno do estado de Alagoas e vim para o Rio estudar com tudo pago. Aos 18 anos entrei na Faculdade Nacional de Direito, onde me formei. Registro isso com justo orgulho. Eu sou fruto do Estado Brasileiro, nunca entrei numa escola particular. 

    Como vir morar no Rio de Janeiro? Meus pais vieram me trazer. Meu pai estava gravemente enfermo e acabou morrendo aqui seis meses depois, em 1953. Eu digo com muito orgulho que o Rio de Janeiro é a minha cidade por escolha, jamais saí. Tive oportunidade de morar na Europa e nos Estados Unidos, mas jamais quis ficar mais de um ano longe do Rio de Janeiro. Para mim, a tolerância máxima fora do Rio é de três meses.  De que forma aconteceu o engajamento com a música? O engajamento com a música foi natural. No final dos anos 50, todos os adolescentes estavam voltados para os novos caminhos com a revolução da Bossa Nova. Gostaria de citar uma pessoa que teve grande influência, que foi o Tenório Jr, pianista que era meu vizinho em Laranjeiras. Ali, na Rua Gal. Glicério, nós ouvíamos música. Eu comecei a minha paixão pela música ouvindo jazz, especialmente o jazz das divas negras. A partir daí eu enveredei por um caminho que me levou à faculdade. O Tenório, ao contrário, tornou-se músico profissional já aos 18 anos. Ele acabou seqüestrado, torturado e morto em Buenos Aires durante a ditadura, quando se apresentava num hotel ao lado de Vinícius de Moraes. Foi confundido com um terrorista e nunca mais voltou. 

    Qual é a evolução de nossa música ao longo dos últimos cem anos? A Música Popular Brasileira se caracteriza por extremo dinamismo e, mais do que isso, com um extremo poder de aglutinação, de mistura. A nossa música é exatamente o que nós somos, um País de miscigênico. Tem essa grande sinalização. A fundação do Choro em 1870, a criação do samba e sua consolidação nos fazem ver essa dinâmica de miscigenação na  música popular. A Bossa Nova é fruto disso. Foi o encontro do jazz com a música brasileira. 

    Qual é o estilo mais conhecido no exterior, o Samba ou a Bossa Nova? Sem dúvida a Bossa Nova. Mas quero dizer que a Bossa Nova é um Samba com características próprias.  

    Como está vendo o mercado fonográfico? O mercado fonográfico, como toda indústria, tem seu lado selvagem que quer grana, grana e grana. Por isso, tem uma reserva da parte dos críticos e historiadores como eu. 

    O que acha do funk? Eu pessoalmente não gosto, mas aceito, acho que é perfeitamente tolerável, viável, dentro da sua realidade de berço. É como o rap. Isso tudo é uma demonstração de vitalidade dentro das camadas mais pobres da população marginalizada, sem emprego e que carrega o pior do Brasil em suas costas. 

    E da música sertaneja? Eu gosto dessa diversidade regional da música sertaneja. Agora vamos convir, tem música sertaneja de boa qualidade e de muito má qualidade. Tudo tem o seu verso e o seu contra-verso, o espelho que ela reflete em várias qualificações. 

    Como vê o interesse dos jovens pelo Samba de Raiz? Com o melhor do otimismo. Diria também com o Choro, que voltou a partir da década de oitenta com Rafael Rabelo. É uma maravilha o resgate de Nelson Cavaquinho, Cartola, Zé Ketti e tantos outros. Acho que primeiro é um resgate da memória, em segundo, há uma certa perplexidade comum em viradas de épocas decisivas como séculos e milênios. Há uma necessidade de reconfirmar valores imediatamente anteriores. 

    Você acha que pode aparecer mais um estilo musical no Brasil? Claro que sim. A esperança está permanentemente permeando toda a estrutura de um país miscigênico como o Brasil. Virão coisas que a gente até duvidará que virão. Pode ser muito interessante, menos interessante, mas graças ao caldeirão cultural no Brasil será inevitável. Quem sabe não vem uma nova Bossa Nova? Ou um novo Choro? O caldeirão efervesce no Brasil. A nossa música não esgotou e jamais esgotará. Assim seria se fôssemos uma raça pura. Por que esgotou na Argentina? Porque não se miscigenou convenientemente. 

    Por quê criou o Instituto Cravo Albin? O Instituto leva o nome familiar Cravo Albin porque eu e minha família doamos a nossa herança para o Instituto, incluindo acervo e imóveis. Isso pode estimular outras pessoas a fazer o mesmo, doando acervos de música. 

    Qual é o objetivo do Instituto? Preservar as fontes da Música Popular Brasileira. Fico feliz de declarar ao Bafafá que eu não imaginava que o acervo fosse crescer tanto desde que fundamos o Instituto em 2001. Nós recebemos a cada mês em torno de duas, três doações por parte do público que acredita no nosso esforço. Isso é mais do que os próprios museus e outras instituições congêneres. Isso nos conforta, nos consola. Na fundação, tínhamos em torno de 15 mil itens. Hoje dobramos e já vamos para 33 mil, entre discos, documentos, fotos e objetos. O Instituto é aberto ao público (com agendamento), temos um salão de exposição com novidades a cada dois meses. Atendemos principalmente estudantes que vêm com suas professoras. 

    O que podemos encontrar no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira? Toda enciclopédia de Música Popular Brasileira centrada em sete mil verbetes. 

    O sr. defende que os desfiles das escolas do grupo especial sejam em quatro dias. Por quê? Acho que a potencialidade de dois dias se esgota com a super procura dos ingressos para os desfiles. Isso fez o preço do ingresso subir a um nível astronômico. Se houver a multiplicação por quatro haverá muito mais oferta de ingressos, barateando o acesso. 

    Gostou do renascimento do carnaval de rua no Rio de Janeiro? Com a maior animação. Eu sou uma pessoa de fé, de esperança. A volta do carnaval de rua com os blocos mostra que há um rejuvenescimento na Zona Sul, Oeste e Norte. 

    O que é o projeto Música Popular Brasileira nas Escolas? É uma velha reivindicação dos compositores e da música popular. O projeto consiste em levar a MPB às escolas através de sua história e ensinar quem foram os autores. É um kit com seis cartazes e um CD contando a evolução de nossa música, que será distribuído para todas as escolas do Rio de Janeiro. 

    Outubro 2005 

    Entrevista concedida a Ricardo Rabelo, editor do Bafafá On Line



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