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  • Samuel Pinheiro Guimarães

    Da Redação em 06 de Maio de 2016    Informar erro
    Samuel Pinheiro Guimarães

    Samuel Pinheiro Guimarães Neto é um dos diplomatas brasileiros de maior prestígio internacional. Nascido no Rio de Janeiro em 30 de outubro de 1939, é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (atual UFRJ) e mestre em economia pela Boston University. Ocupou diversos cargos públicos ao longo da carreira, chegando a secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores nos dois mandatos do presidente Lula. Ocupou ainda o cargo de ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da presidência da República. Diplomata permanentemente atento aos interesses do País, sempre procurou manter a independência política do Itamaraty em temas importantes, fazendo o Brasil ser protagonista em muitos acontecimentos, ao invés de simples espectador. Atualmente, é professor do Instituto Rio Branco (IRBr/MRE), onde leciona a disciplina Política internacional e Política Externa Brasileira.

    Em entrevista exclusiva ao Bafafá, Samuel Pinheiro Guimarães faz uma radiografia do momento político mundial e nacional, abordando temas relevantes, como crise política, FMI, China, política externa da presidente Dilma, ONU e até utopias. “Para obter apoio popular a Presidente teria de reorientar sua política econômica, que vem minando as bases de seu apoio popular junto às forças progressistas, na medida em que esta política produz o desemprego, corta investimentos e reduz os programas sociais”, critica Guimarães. E alerta: “Querem criar um ambiente de descrédito e de desmoralização das forças progressistas, cujo principal objetivo é inviabilizar a candidatura do presidente Lula em 2018, único candidato que temem”. Questionado se tem algum recado para as futuras gerações, afirma: “A luta contra as classes hegemônicas é uma luta permanente, da qual não se deve desanimar nunca, por mais árdua que seja e por mais difícil que possa parecer a vitória. Sem luta não há vitória”.

    Ela já foi chamada de “nova operação Condor”. Como definir a ação desestabilizadora desenvolvida concomitantemente contra os governos mais à esquerda na América Latina, a exemplo dos do Brasil, da Argentina, Venezuela, Equador e Chile? Tal como na Operação Condor, essa movimentação conservadora teria o apoio de Washington ou de grupos norte-americanos?

    Houve e há uma reação política, aberta e encoberta dos americanos face aos novos governos progressistas, eleitos depois da derrota de governos neoliberais, como Menem, Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. É uma tentativa para implantar novos governos que retomem e aprofundem as políticas neoliberais do passado, que são advogadas pelo Consenso de Washington, antigo, mas sempre tão atual: abertura comercial e financeira, privatização e desnacionalização, redução do Estado ao mínimo, desregulamentação geral, metas de inflação rígidas, controle da inflação acima de tudo (isto é, do emprego e do desenvolvimento) etc.

    Esta ação política, econômica e midiática tem o apoio, mais ou menos discreto, conforme o grau de “flexibilidade” e subserviência do governo local, de agências do governo americano, como a CIA, a NSA e outras, de ONGs e de fundações americanas, mas, também de líderes políticos nacionais, de associações nacionais, de empresas nacionais, de ONGs nacionais e das mídias nacionais.

    A ênfase dada pelo Itamaraty às relações com blocos econômicos, como o Mercosul e os Brics, não representa – conforme sustentam grupos críticos conservadores – uma ameaça aos nossos negócios com mercados tradicionais, como os EUA e os países europeus?

    De forma alguma. O comércio do Brasil com seus parceiros tradicionais tem crescido de forma acelerada, pelo menos até a crise internacional, assim como suas relações financeiras e os investimentos estrangeiros no Brasil. Os críticos conservadores não gostam da resistência dos países do Mercosul a suas ações que visam a destruição da união aduaneira e da sua insistência em construir uma economia capitalista mais independente, mais dinâmica, mais soberana, na área do Mercosul. Desejam estes críticos conservadores e “cosmopolitas” que o Brasil e os demais países do Mercosul abandonem todos seus instrumentos de política de desenvolvimento, assinando acordos de “livre comércio” que, em realidade, são verdadeiros acordos de submissão econômica aos países mais avançados e poderosos.

    A excessiva dependência das commodities agrícolas e minerais não poderá provocar um futuro estrangulamento da economia brasileira?

    O desenvolvimento econômico, a geração de melhores empregos, a agregação de valor, tem seu motor no setor industrial e não na agricultura ou nos serviços. O próprio desenvolvimento da agricultura depende da utilização de máquinas e de insumos fabricados pela indústria, assim como ocorre no setor de serviços. A ênfase na agricultura e o negligenciamento e até mesmo o desprezo pela indústria, em especial pela indústria de capital nacional, é uma política cambial equivocada, que vem desde Fernando Henrique, concentra os investimentos e o crédito na agricultura e na mineração. Esta dependência das commodities já está provocando o estrangulamento da economia brasileira, contribuindo para um processo de desindustrialização e desnacionalização crescente e de desqualificação da mão de obra e de perda de conhecimento tecnológico.

    A redução dos índices de crescimento da China, nosso principal comprador, não é um prenúncio disso?

    A redução do ritmo de crescimento chinês afeta principalmente a exportação de commodities minerais, no nosso caso o minério de ferro, e menos a de commodities agrícolas, como a soja. Este fenômeno pode ter um feito positivo se contribuir para despertar Governo e sociedade para a necessidade de uma política de reindustrialização do Brasil.

    E por falar em China. Como o senhor vê a expansão chinesa pelo resto do mundo, inclusive o Brasil? 

    A expansão chinesa se verifica em um quadro de disputa, velada, de hegemonia com os Estados Unidos. Há uma profunda simbiose entre a economia chinesa e a americana, devido aos investimentos americanos na China, a aplicação das reservas chinesas em títulos do Tesouro americano etc. Todavia, a China não se propõe a reconstruir uma nova arquitetura comercial e financeira mundial, mas deseja ter uma posição de maior destaque nos organismos do sistema, tais como o FMI. A China representa um extraordinário desafio para o governo brasileiro. A opção estratégica que se coloca é entre obter a cooperação da China para o desenvolvimento industrial do Brasil ou aceitar um programa de cooperação, cuja essência seja manter o Brasil na posição de fornecedor de produtos primários para a economia chinesa e de importador de manufaturados, que é a tradicional relação colonial.

    Alguns críticos afirmam que o governo Dilma tem dado menos importância ao intercâmbio com os países asiáticos e africanos do que propunha o governo Lula. Qual é sua opinião a respeito?

    Há uma diferença de estilo. Foi de grande importância a decisão do Brasil de participar do Novo Banco de Desenvolvimento (o Banco dos BRICS) de enorme importância estratégica como alternativa ao sistema de imposição de políticas econômicas do Banco Mundial, e do Arranjo Contingente de Reservas, uma alternativa ao FMI. Além da participação brasileira no Banco Asiático da Infraestrutura. De grande importância foi a visita ao Brasil do Primeiro Ministro chinês Li Kequiang e a assinatura de numerosos acordos em um valor total de 53 bilhões de dólares. Tudo devidamente minimizado ou antagonizado pela imprensa tradicional e por setores da burocracia.

    Como vê as manobras da oposição na tentativa de promover o impeachment de Dilma?

    Trata-se de uma tentativa de retomada do poder que as classes hegemônicas exerceram no Brasil desde sempre, e do qual foram alijadas, parcialmente, em 2003. Estas classes, e seus aliados externos tradicionais, estão utilizando o Judiciário, o Ministério Público, a Polícia Federal e a grande mídia para criar um ambiente de descrédito e de desmoralização das forças progressistas, cujo principal objetivo é inviabilizar a candidatura do presidente Lula em 2018, único candidato que temem.

    Como deverá agir o governo Dilma não só para afastar a ameaça do impeachment, mas para aprofundar as medidas de caráter social e popular? 

    No curtíssimo prazo, somente a recomposição da base política no Congresso poderá evitar o impeachment. Para tal, é necessária uma articulação política que garanta esse resultado, cujo fundamento é o respeito aos partidos aliados. No médio e longo prazo, somente a mobilização popular poderá proteger o mandato da Presidente Dilma Rousseff. Para obter apoio popular, a presidente teria de reorientar sua política econômica, que vem minando as bases de seu apoio político junto às forças progressistas, na medida em que produz o desemprego, corta investimentos e reduz os programas sociais.

    Uma solução de curto prazo para fazer face à verdadeira invasão de povos asiáticos e africanos a diversos países do mundo?

    Não vejo uma invasão de povos asiáticos e africanos a diversos países. O que houve foi uma invasão violenta e contínua promovida pelos governos, e por que não dizer, por povos ocidentais a países africanos, asiáticos e árabes, através de guerras e intervenções ilegais, como ocorreu no passado em tantas regiões do mundo. A solução é o fim da permanente tentativa ocidental de derrubar governos que considera rebeldes à sua hegemonia, através da política chamada de regime change (isto é golpe de Estado), inclusive pela força, usando de todos os meios.

    O que seria um eventual governo do PSDB no plano econômico e na política internacional? 

    No plano econômico, seria o triunfo do projeto neoliberal no Brasil e o fim da possibilidade de um projeto de inclusão social, isto é, de formação de um amplo mercado interno, da possibilidade de exploração racional dos recursos naturais, do fortalecimento do capital produtivo nacional e das empresas nacionais, do fortalecimento da sociedade e do Estado diante dos interesses das megaempresas multinacionais. No plano internacional, seria o fim da política de defesa da autodeterminação e de não intervenção, seria o alinhamento com os interesses americanos e ocidentais nas grandes questões mundiais, seria o fim do projeto de construção de um bloco sul-americano, seria o fim da política de diversificação de mercados e das exportações, seria a adesão a acordos de “livre” comercio que eliminariam a possibilidade de executar uma política de desenvolvimento não-dependente.

    Acredita em resultados na política econômica do ministro Joaquim Levy?

    Os resultados da política do ministro Levy já se encontram à vista de todos: aumento do desemprego, aumento da dívida pública, aumento estratosférico dos juros, aumento da concentração de renda e de riqueza, leniência com os sonegadores multimilionários, redução das receitas tributarias, aumento do desequilíbrio fiscal, agravamento das questões sociais, desnacionalização da economia, redução dos programas sociais, redução dos investimentos privados e públicos, leniência com as isenções de tributos para os mais ricos.

    Como explica a boa imagem de Dilma na área internacional e a má imagem no plano interno?

    Quando o técnico adversário começa a elogiar o goleiro do teu time é necessário muita atenção. Na medida em que as políticas do ministro Levy atendem aos interesses internacionais, isto é, das grandes potências, os elogios são muitos. Ao contrário, se atendessem aos interesses brasileiros, muitos seriam os ataques.

    A ONU fracassou ao tentar criar uma nova ordem internacional?

    A ONU foi criada pelos Estados Unidos e pelas potências que venceram a Segunda Guerra Mundial, à época do colonialismo. As tentativas dos países subdesenvolvidos periféricos, ex-colônias, de alterar a estrutura desta ordem criada em 1945 não tiveram êxito, como ocorreu com as iniciativas de uma Nova Ordem Econômica Internacional, com a UNCTAD, com a Nova Ordem da Informação etc. As grandes potências, que controlam a ONU, estão muito satisfeitas com a atual estrutura mundial, com seus organismos e normas que têm permitido seu desenvolvimento econômico e sufocar, a ferro e fogo, sob o manto dos interesses da “comunidade internacional”, as tentativas heroicas de resistência das “províncias” sublevadas.

    E o FMI? As agências de classificação?

    O FMI tem sido um dos instrumentos de controle das grandes potências sobre as políticas econômicas dos países subdesenvolvidos, ex-colônias, desarmados, periféricos, produtores de matérias primas, não industrializados, sem que tenham elas de intervir diretamente para proteger os interesses de suas megaempresas. Aparece assim o FMI como instrumento multilateral, da comunidade internacional, quando é na realidade um instrumento dos interesses das grandes potências. As agências de classificação de risco, que foram responsáveis em 2007 por criar a crise da economia americana, que se tornou mundial, com sua classificação irresponsável, interessada e corrupta, dos títulos emitidos pelo sistema financeiro, classifica a economia dos países e as empresas para indicar aos investidores aquelas que são confiáveis de seu ponto de vista. Ao agir assim, induzem os governos desses países a adotarem políticas voltadas para os interesses dos investidores e não para os interesses da maioria da sociedade, sob pena de perderem seu grau de investimento.

    Algum recado para as futuras gerações?

    A luta da enorme maioria da população das sociedades, ricas e pobres, desenvolvidas e periféricas, contra a opressão das classes hegemônicas e a luta dos povos oprimidos contra as potências imperialistas são as duas características centrais da história universal e da história do Brasil, desde seu início até hoje. Esta é uma luta permanente da qual não se deve desanimar nunca, por mais árdua que seja e por mais difícil que possa parecer a vitória. Sem luta não há vitória.

    Tem alguma utopia?

    A utopia, que deve estar sempre presente, é acreditar que se pode construir um Brasil mais soberano, mais justo, mais democrático, mais solidário, menos violento, menos desigual, mais próspero, voltado para a maioria de seu povo.

    Outubro 2015
    Entrevista concedida ao editor do Bafafá Ricardo Rabelo.



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