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  • Sílvio Tendler: O Cinema é arte

    Agenda Bafafá em 02 de Maio de 2016    Informar erro
    Sílvio Tendler: O Cinema é arte

    Carioca da Tijuca,  pai de uma filha, Sílvio Tendler deixou o país aos vinte anos fugindo da repressão, indo morar no Chile e depois na França, onde estudou História na Universidade de Paris e fez mestrado em cinema pela École des Hautes Études da Sorbonne.
     
    Desde que retornou do exílio, produziu uma série de documentários que conquistaram inúmeros prêmios e fizeram dele uma referência nacional no gênero. Seus trabalhos foram quatro vezes agraciados com o prêmio Margarida de Prata, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil com os filmes Os Anos JK – Uma Trajetória Política (1980); Jango (1984); Josué de Castro, Cidadão do Mundo (1995); Castro Alves – Retrato do Poeta (1990). Sua filmografia inclui Glauber o filme, Labirinto do Brasil e Marighella.

    Dono da Caliban Produções Artísticas, produz longa metragens, vídeos institucionais, culturais, promocionais, de treinamento e tem o maior arquivo particular com mais de 5.000 títulos de filmes e vídeos, que documentam a História do Brasil nos últimos 30 anos. Tendler ainda leciona no Departamento de Comunicação Social da PUC-RJ. Nesta entrevista exclusiva ao Bafafá, o documentarista fala sobre o seu trabalho e os caminhos do cinema nacional.

    Como é fazer documentário no Brasil? O documentário é um cinema que tem um custo mais barato que a ficção, curiosamente tem mais possibilidade de penetração por causa dos canais a cabo, enquanto os filmes de ficção ficam nos guetos de algumas salas. Eu acho que a barreira para você produzir cinema é que é uma arte muita cara, industrial, mexe com laboratórios, insumos caros. Mas é extremamente prazerosa, eu tiro os dramas da produção e consigo fazer meus filmes. Só que optei de trabalhar com câmeras digitais que são baratas, tenho ilha de edição, a fita dura uma hora e custa em torno de US$ 6. Isso facilita muito a vida, já que estou com 12 filmes para acabar. Alguns de encomenda, outros pelo prazer de fazer. Nestes meses tenho documentado o Josué de Castro, o Nilton Santos que é um guru na análise da globalização vista do lado de cá. Tem outro que é um velho sonho de um filme intitulado “Utopia e Barbárie” que vai discutir o mundo da Segunda Guerra Mundial até agora. É um projeto político quase que autobiográfico. É feito por alguém que tinha 18 anos em 1968. Quero contar as nossas múltiplas trajetórias, o que marcou nossa geração, a luta contra a ditadura, contra o imperialismo, a solidariedade com Cuba e a viagem existencialista do prazer. O filme vai mostrar estes universos, desde a luta contra a Guerra do Vietnam à utopia hippie do Paz e Amor. Vou filmar no Vietnam, Cuba, Brasil e utilizar muito material de arquivo. O filme fica pronto ano que vem.

    Você disse certa vez que o cinema brasileiro precisa dar um salto qualitativo. O que isso significa? Isso significa que a gente tem que começar a discutir mais os filmes e menos a indústria. O cinema brasileiro – agora com o Cidade de Deus – está sendo discutido, é um espaço ocupado na mídia. Durante esses anos todos, o cinema nacional vem sendo discutido a luz da “indústria”. Ninguém quando vem me entrevistar pergunta sobre o conteúdo do filme, sobre a construção da linguagem e sempre pergunta de cara quanto custou, se deu grana. O cinema para mim é arte, não é indústria. Esta indústria é uma conseqüência da arte, não o inverso. No nosso caso, nós não somos Hollywood onde eles já sabem onde vão distribuir os filmes, quanto a bilheteria vai dar. No nosso caso, tem que discutir a arte para chegar a indústria. O salto qualitativo é esse. Agora com as novas perspectivas políticas que se abrem no país vai ficar mais evidente que o Brasil precisa mais de filmes que discutam a cara do país, o formato do país, do que saber quanto custou o filme, quantos ingressos pagou e tal. O importante é o qualitativo.

    Você não acha que o cinema nacional peca demais por explorar os dramas e as tragédias sociais? Eu acho que isso é uma característica do cinema brasileiro. O Godard disse certa vez que os europeus têm o cinema na cabeça e os americanos no sangue. O cinema americano sabe fazer um espetáculo como poucos, não que não tenhamos competência também. Acontece que a gente nasceu dentro de uma perspectiva de que precisa imprimir as nossas cores em nossos filmes. A gente também sabe fazer cinema para divertir, para rir. Em relação a sua pergunta você tem razão, e é uma questão a ser discutida e não recriminada, o fato de que se discute muito o drama. Eu falei do lado bom do cinema americano que é o espetáculo, o lado ruim é o imperialismo que acua a cinematografia nacional. Se não fosse a intervenção estatal no cinema francês não haveria cinema francês. E é assim pelo resto do mundo. Aqui no Brasil, o que falta é reconquistar o espaço, depurando, melhorando os filmes. Não sejamos simplistas, mas eu acho que na verdade o que falta estabelecer são regras claras e precisas para que todos tenham lugar. Eu sou contra qualquer tipo de medida xenófoba, de proibir, mas como qualquer cultura no mundo tem que delimitar espaço, já que não pode haver uma cinematografia dominando a comunicação no planeta. Isso não é apenas um drama brasileiro. Nem por isso vamos deixar de ver os filmes americanos, apenas delimitar espaço.

    Qual cinema tem se revelado para o mundo ultimamente? Com todas as barreiras de comunicação que existem hoje, pelo controle internacional das distribuidoras, temos visto cinema iraniano, chinês, inglês. A gente não pode continuar isolado do mundo. No Brasil não chega por exemplo o cinema argentino que tem ótimos filmes. Essa troca tem que acontecer. Nunca foi implantado o Mercosul cultural. Nós somos completamente isolados das culturas dos países que nos circundam. Toca-se pouca música argentina, não sabemos nada do que acontece no Uruguai. Essa troca de vizinho é fundamental e ao invés de usar o drama argentino em campanha eleitoral, a gente tem que criar uma solidariedade de vizinho. Com isso a vida de nós todos será melhor.

    Quais documentários mais gosta? O cinema documentário tem filmes maravilhosos. Tem pelo menos 100 que eu gosto sendo que pelo menos 30 deles são de Santiago Álvares, que era um mestre do cinema.

    Como viu a eleição de Lula? É uma mudança de página que vai permitir que o Brasil possa olhar com os próprios olhos. Ela elevou a nossa auto-estima e venceu a mesmice que tomou conta do Brasil e do mundo. Enquanto a França oferece a seus eleitores a opção entre a direita e a extrema-direita, o Brasil na contra mão da história elege Lula, de centro esquerda. Eu acho que sua eleição encerra um ciclo no Brasil com a redemocratização construída. Essa vai ser a primeira vez, desde Juscelino Kubistchek, que um presidente eleito passa o mandato para outro presidente eleito.

    Isso pode desencadear uma “onda vermelha” na América Latina? Eu não digo vermelha já que até o Lula veio com bandeira branca, verde (risos). Acho que pode desencadear uma onda social democrata muito interessante. Lula nunca foi um rebelde, um revolucionário, sempre foi social democrata.

    Entrevista concedida a Ricardo Rabelo. Novembro de 2002



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