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  • Zuenir Ventura: O mentido é muito mais forte do que o desmentido

    Agenda Bafafá em 22 de Maio de 2016    Informar erro
    Zuenir Ventura: O mentido é muito mais forte do que o desmentido

    Nascido em Além-Paraíba, Minas Gerais, em 1931 e criado em Friburgo, Zuenir Ventura veio para o Rio de Janeiro aos 20 anos. Fez bacharelado e licenciatura em letras neolatinas mas acabou optando pelo jornalismo, profissão que exerce há 50 anos. Também lecionou em universidades e ocupou cargos de chefia nos principais órgãos de imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo. Outra importante vocação é a de escritor. É autor dos livros 1968: o ano que não terminou; Anos 60, a década que mudou tudo; 3 Antônios, 1 Jobim; histórias de uma geração: o encontro de Antônio Callado, Antônio Cândido, Antônio Houaiss, Antônio Carlos Jobim (entrevistas); Inveja, mal secreto e Cidade Partida.

    Nesta entrevista ao Bafafá, o jornalista faz uma interpretação dos limites éticos e morais da imprensa ao divulgar os fatos. Para Zuenir, ela não pode abrir mão de sua responsabilidade social.

    É muito diferente fazer jornalismo hoje do que há 50 anos? Naquela época, o jornalismo era pré-industrial, quase que artesanal e de uma irresponsabilidade profissional muito grande. Não tínhamos direitos profissionais, a imprensa era atrelada a partidos. Mas tinha um certo charme e romantismo, pela liberdade técnica proporcionada. Você podia fazer um número extra sem o menor problema, podia fazer um caderno. Ao mesmo tempo, à distância, pareceu um jornalismo melhor do que o de hoje, mas eu acho que não. Hoje, a gente pratica um jornalismo mais responsável, em que o profissional tem uma formação, uma responsabilidade ética e social muito grande. É uma profissão dura, você olha de longe e tem todo um glamour, meio heróico. O dia-a-dia é muito duro.   O jornal impresso é para sempre? Eu acho que sim. Essa história apocalíptica de que a televisão ia acabar com o jornalismo impresso não aconteceu. Toda vez que surge uma tecnologia nova se diz que a anterior vai terminar. Quando surgiu o cinema disseram que a fotografia acabaria. Ai veio a televisão e ela não acabou com o cinema. Um jornal hoje tem de partir do pressuposto de que todo mundo já soube dos acontecimentos, por causa da televisão que antecipa a notícia. Por isso, tem que ter mais explicação do que informação, coisa que o público dispõe o dia inteiro pelo rádio, pela internet, pela tevê. Isso exige e está exigindo um aprimoramento do jornalismo escrito. Mas não acredito no fim do jornal, como não acredito no fim do livro. Estes suportes da escrita vieram para ficar.

    A imprensa alternativa ainda tem vez? Parece irônico, mas hoje é mais difícil fazer imprensa alternativa. Durante a ditadura era muito mais doloroso, sofrido, arriscado, mas era mais fácil porque não tinha na grande imprensa nada que pudesse encontrar na imprensa alternativa. Hoje, com competição, com a ditadura do mercado, a imprensa publica tudo senão o concorrente vai publicar. Eu acho que a imprensa alternativa tem caminho ainda. Talvez não seja o da informação política que era a grande matéria do jornalismo alternativo. Hoje, acho que é difícil sobreviver, achando que se pode ser original e exclusivo na matéria política. Mas você pode ter um jeito de olhar, ver o mundo, o país. Acho que a imprensa alternativa deve explorar esse olhar, essa maneira original de ver as coisas e explicar. A grande imprensa nos enche de informação em detrimento da explicação. Então, a imprensa alternativa tem que fazer a interpretação e a explicação dos fatos.

    Como vê os monopólios de comunicação? A tendência mundial é a da concentração de poder. Você pega a Time-Warner, ela hoje atua em música, revistas, sites. Isso tem um grande risco porque se você concentra, chega a esse extremo, tira da imprensa democrática aquilo que é uma característica dela que é a pluralidade, a variedade. Isso é a grande força da democracia, não ter concentração de poder e existir a possibilidade de ter todas as tendências. Se por um lado, a democracia no Brasil possibilita isso, pelo outro, seguindo a tendência neo-liberal, expõe o país ao pensamento único, do poder único. Isso é péssimo, porque você acaba criando uma outra forma de ditadura.

    Você disse certa vez que o poder da imprensa é arbitrário e seus danos podem ser irreparáveis. Porque acha isso?

    O mentido é muito mais forte do que o desmentido. Se eu faço uma acusação a você, uma infâmia, uma calúnia, é muito difícil reparar no dia seguinte, por mais que eu diga que aquilo não é uma verdade. Jornalista tem muita dificuldade em dizer isso - que errou, mentiu. Quando uma pessoa é exposta à execração pública num jornal, numa televisão, numa rádio, por uma acusação infundada, o que ela sente? A dor, o desespero nunca será sanado. O desmentido não consegue apagar o erro. E quem não leu o desmentido, só o mentido? Os jornalistas têm que ter consciência do poder que têm e dessa capacidade de fazer mal. O jornalismo tem que ter técnica, estética e ética e não pode abrir mão de sua responsabilidade social.

    Qual é a principal cobertura que já realizou? A minha principal foi a série de nove matérias intituladas “O Acre de Chico Mendes” feitas um mês depois de seu assassinato. Fui para lá para apurar o que tinha acontecido. Com as matérias ganhei um Prêmio Esso, um Prêmio Wladimir Herzog e muita satisfação, apesar do lado triste de estar lidando com a morte de um personagem, cuja importância a gente só foi perceber depois que morreu. Chico Mendes foi muito mais importante para o mundo do que para o país. Eu digo isso como autocrítica. A imprensa também não sabia quem ele era. Ele foi não só importante do ponto de vista profissional, como existencial. Outra experiência curiosa foi a Revolução dos Cravos em Portugal em 1974. Na época, eu trabalhava na revista Visão e ia passar férias em Paris quando o diretor da revista, Luís Garcia, me perguntou se eu não queria ir para Portugal. Acabei sendo o primeiro jornalista brasileiro a chegar no país, onde passei um mês vivendo aquela revolução que era, na verdade, o que a gente sonhava no Brasil. De repente, via realizado ali um pouco do que Glauber Rocha e Darcy Ribeiro acreditavam, de que os próprios militares iriam fazer a abertura. Foi um momento muito bonito e acho que festa assim, só teve semelhante na queda do Muro de Berlim. No dia 1º de maio daquele ano, eu gravei as minhas impressões chorando de emoção, vendo aquela massa de gente desfilando. Todo brasileiro ali estava se perguntando “quem sabe aquilo não se repetiria no Brasil? “.

    O Brasil vai melhorar com Lula? Independente de qualquer preferência partidária, eu acho que o que mais tocou, foi descobrir o país voltando a acreditar, externando o sentimento, uma alegria cívica que a gente não via há muito tempo. Foi o reencontro da esperança depois de um momento de medo. Felizmente, o país estava tão maduro que rejeitou essa opção pelo medo. Mas houve uma tentativa de reviver fantasmas. Eu até cheguei a escrever um artigo dizendo que mais do que a esperança, existia o desejo. A gente está vivendo um momento histórico no Brasil. É a alma coletiva se manifestando nas ruas, com alegria e esperança.   O FMI vai aceitar um acordo da dívida? Eu acho que a economia, embora tenha essa linguagem mistificadora, talvez seja a ciência mais próxima da gente pois envolve o nosso bolso. Eu sempre penso nas nossas dívidas individuais. Se você chega ao ponto de economizando tudo, apertando tudo, estar devendo e o empréstimo dobrar, apesar de pago, vai chegar o momento em que tem que dizer: olha, eu não tenho como pagar. Pode ser um olhar primário, mas eu me pergunto o que eu faria numa situação dessa. Eu chegaria no banco e diria: olha, eu vou explicar minha situação. O que eu faço? Deixo meus filhos com fome? Vendo a minha casa? Para isso tem que sobrar dinheiro para comprar uma menor. Não adianta eu vender só para pagar os juros. Eu felizmente, aprendi com meu pai, que foi pintor de paredes, que não dormia se tinha uma dívida, que fosse no açougue. A gente aprendeu na minha casa que dívida era um horror. Nunca consegui conviver com elas, apesar de ter amigos que vivem esse drama. O desespero é que não há dinheiro que chegue.

    O Rio de Janeiro é uma cidade partida ou repartida pelo tráfico? Infelizmente, é uma cidade partida socialmente. A gente vive um apartheid social. Ao mesmo tempo você tem uma cultura que une, o samba. Mas tem a economia que separa o que a cultura une. Você não pode ter uma democracia sólida se você tem um país morrendo de fome, na miséria, no desemprego. Não adianta ter democracia se você está com fome. Não se solidifica o sistema democrático, sem resolver o problema da injustiça social neste país. É uma cidade partida, um país partido socialmente. O terrível é que a beleza da cultura, da música, do cinema, o social tenta dividir, partir. A cidade do Rio tem que cuidar da sua integração. Não adianta remover os pobres e tirá-los da vista da gente. Isso tudo já foi tentado. A única coisa que não foi tentada como projeto, como política, foi a integração, a inclusão. Tem que começar, apesar de tarde.

    Dezembro de 2002

    Entrevista concedida a Ricardo Rabelo, editor do Bafafá On Line



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