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  • Zuzuca do Salgueiro: A música quando é boa não morre

    Agenda Bafafá em 17 de Agosto de 2020    Informar erro
    Zuzuca do Salgueiro: A música quando é boa não morre

    Nascido em agosto de 1935 na cidade de Cachoeiro de Itapemirim (ES), Zuzuca ganhou o apelido carinhoso de sua tia. Sua história com a música começou ainda criança, acompanhando as serestas pelas ruas da cidade como carregador oficial da capa do violão do seresteiro Josué.
     
    Na Cidade Maravilhosa mostrou que entendia mesmo do riscado. Virou um compositor de respeito, autor de sambas consagrados, entre eles “Pega no Ganzê, Pega no Ganzá” e “Vem chegando a Madrugada”. Foi ainda vencedor de vários sambas-enredo do Salgueiro que acabou incorporado ao nome.  
     
    No entanto, a morte da mulher o fez largar a música para se dedicar aos filhos. Como aconteceu com os integrantes do Buena Vista Social Club, depois de mais de 20 anos sem compor, Zuzuca sacode a poeira e dá a volta por cima lançando CD e fazendo shows. 

    Em entrevista ao Bafafá, o compositor, cujo nome de batismo é Adil Paula, fala sobre sua vida, profissão, música e muito mais. Questionado sobre a origem da palavra Ganzê, Zuzuca confessa: “Não existe ganzê. Foi uma criação minha para rimar com “ganzá”, que é um instrumento africano”. 
     
    O que fez antes de virar sambista?
    Antes de entrar para o samba, trabalhei como mecânico desde vinte e poucos anos. Casei como mecânico. Comecei em Cachoeiro do Itapemirim e parei aqui. 
     
    Como foi sua trajetória musical?
    Não sei como explicar. Há muitas coisas que a gente não se lembra mais. Comecei no bloco Unidos da Silva Teles (Vila Isabel) até a morte de minha mãe. Depois, no Salgueiro. Se minha mãe estivesse viva, jamais se conformaria em ver seu filho subindo morro. Sabe como é que é o pessoal do interior. Comecei no Salgueiro em 1962. 
     
    O senhor continua frequentando o Salgueiro? 
    Eu tinha parado um pouco. Hoje vou mais para curtir, para ver o pessoal. 
     
    Por que o senhor não faz parte da Velha Guarda?
    Não, não sou muito chegado à Velha Guarda. Apesar de ser velho. Velha Guarda é para aquele tipo de pessoa que está encostada. Eu não. Eu estou vivo. 
     
    O que o senhor costuma ouvir atualmente?
    Só samba. Fazer e ouvir samba. Mas, eu gosto de músicas não só as minhas, mas de Ataulfo, Geraldo Pereira, Elizeth. 
     
    Qual é o samba mais bonito em sua opinião?
    Tem muitos. Por exemplo, “Amélia” de Ataulfo Alves, o samba “Aquarela Brasileira”, de Silas de Oliveira e outros do Geraldo Pereira. 
     
    Hoje, quem está compondo ou tocando bem o samba?
    Sou suspeito. Eu escuto Zeca Pagodinho que é bem executado. Há músicas que são sucessos no momento, como as do próprio Zeca, da Alcione, mas são todas, a bem dizer, trabalhadas, porque quando param, elas não acontecem. Sou mais adepto daquelas músicas que vêm de baixo, que vêm crescendo, como acontecia com Oswaldo Nunes, Bafo da Onça, Silas de Oliveira, Candeia e comigo mesmo. Saíam lá do morro e, de repente, já estavam na cidade. 
     
    O senhor acha que a juventude está descobrindo o samba ou é um esforço de mídia?
    A mídia ajuda, mas a juventude está se entregando mais ao samba. Antigamente, o samba era um pouco esquecido. Quando chego a lugares, as pessoas me conhecem, me chamam para cantar uma música. Aí, quando canto as minhas músicas, as pessoas conhecem e vêm falar comigo. E eles cantam. Se eles cantam, é por que ensinam. 
     
    Qual foi a inspiração para sua versão da música “Boi da Cara Preta”?
    Boi da Cara Preta é uma música de domínio público. Dorival Caymmi já tinha feito músicas com esses versos. Fernando Pamplona era muito amigo da cronista Eneida Costa de Morais e resolveu fazer uma homenagem à Eneida com o Carnaval “"Eneida, Amor e Fantasia” (1974). Eu já vinha com muitas vitórias dos sambas-enredo do Salgueiro e, neste ano, criou uma certa antipatia para o meu lado, porque estava ganhando muito. Diziam que eu estava ficando rico à custa do Salgueiro. E começaram a me perturbar muito. É aquele negócio, quando você é sucesso, você é aplaudido e odiado. E foi este o meu caso. Eu já tinha uma política a meu favor e outra contra. No samba, você não sabe quem é seu amigo e quem não é. Senti que havia chegado a hora de me afastar um pouco. Eu já estava na CBS. Neste ano cheguei a fazer o samba. Tanto é que ficaram dois sambas. Um meu e outro do Geraldo Babão, que ganhou. Como na casa estava aquele negócio de uns contra e outros a favor, eu fiz outro samba, modifiquei o samba e pus em forma de desabafo para pegar as pessoas. “Pega ele que ele tem medo de careta”. E deu certo. Um dia eu estava na Rádio Tupi para gravar com Jair (Amorim) e ele me perguntou se tinha alguma música. Na época eu tinha também “Cafuné”, com a qual tirei o terceiro lugar em um concurso no Canecão. No dia em que fui defendê-la, mostrei a nova “Eneida, amor e fantasia”, ele gostou e a música explodiu. Às vezes, eles dizem lá no Salgueiro que esta música era do enredo, mas a do enredo é a de Geraldo Babão. E foi assim que nasceu “Boi da Cara Preta”. Foi mais um desabafo.
     
    O samba “Pega no Ganzé, pega no Ganzá” é conhecido internacionalmente, mas o que significa?
    Esta música é o meu alicerce. Ela e “Vem chegando a madrugada”. “Pega no Ganzê, pega no Ganzá” já foi gravada em 20 países. Eu recebi da UCB (União Brasileira de Compositores) uma relação de todos os países em que ela foi gravada e é sucesso até hoje. Não existe ganzê. Foi uma criação minha para rimar com “ganzá”, que é um instrumento africano. 
     
    Esta música mudou alguma coisa em sua vida?
    Mudou tudo, porque eu vinha de uma vida de mecânico. Ela abriu um caminho para eu dar alguma coisa de bom à minha família, mas nunca deixei que o sucesso subisse à cabeça. Saí do Irajá, fui para o Rocha e, depois, para Jacarepaguá, onde estou até hoje. A música é a minha vida. Ajudou a criar meus filhos. Hoje moro em uma casa muito boa, tenho meu carro. Não tenho problemas. Já sou até aposentado. Mas agradeço em primeiro lugar a Deus, depois, ao Salgueiro e à música. 
     
    Em 2000, o senhor lançou seu primeiro disco independente e agora em 2008, o segundo. O senhor acha que o disco independente é um novo caminho para o músico?
    Recentemente lancei o CD independente “É o Samba Que Cuida de Mim” com o repertório próprio e músicas como “O Filho da Porta-Bandeira” e “Alma e Coração”. É um caminho espinhoso, porque com o disco independente o músico está desprotegido. Ele tem de se virar. Matar um leão todos os dias, a não ser que ele tenha dinheiro. Ele tem que ir às rádios, pagar para suas músicas tocarem. Até as gravadoras estão parando de pagar às rádios. Hoje, não estão tocando como tocavam antigamente. O “jabá” continua. 
     
    Como é que o senhor veria a pirataria de seus discos?
    Não esquento muito não. Para mim é até divulgação. Já aconteceu quando minha filha estava em Caxias e viu meu CD. 
     
    Como está sua agenda até o final do ano com o lançamento do seu novo CD?
    Há perspectivas. Eu pretendo fazer shows em qualquer lugar que me chamarem. Fiquei parado muito tempo devido à morte de minha esposa. Abandonei tudo para ficar com meus filhos. Não queria que meus filhos fossem criados por outras pessoas. Vivi e consegui criar os meus filhos através da renda dos direitos autorais.  
     
    Qual é o seu recado para quem está começando a fazer sucesso no samba?
    Tem que acreditar, manter os pés no chão e ter uma autocrítica permanente. Quem está começando, tem que ter um pé na frente e outro atrás. Não pode se empolgar demais. A música quando é boa não morre.
     
    Outubro de 2008


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