O enigma que há anos cercava um dos quatro painéis da Sala de Sessões do Centro Cultural Justiça Federal (antigo plenário do STF) finalmente chegou ao fim.
A figura histórica apagada, preservada apenas pela moldura e pela inscrição em latim, foi identificada como o jurista romano Quinto Múcio Cévola (Quintus Mucius Scaevola), um dos principais nomes do Direito na República Romana.
A revelação foi anunciada em 9 de dezembro, durante a cerimônia do Prêmio Quis Ego Sum, concurso nacional criado pelo CCJF em parceria com a Caixa Econômica Federal para identificar a personagem perdida. Os cinco finalistas — Bruno Amaro Lacerda, Douglas Liborio, Matheus Cadedo, Rachel Lima e Vanessa Melnixenco — chegaram à mesma conclusão, baseados em pesquisas iconográficas e em reportagens do Correio da Manhã e do Jornal do Brasil de abril de 1909, ano de inauguração do prédio que sediou o STF até 1960.
A lógica da identificação
O vencedor, Bruno Lacerda, professor de Filosofia do Direito da UFJF, fundamentou sua tese relacionando as inscrições em latim de cada um dos quatro painéis. As três figuras preservadas — Justiniano, Ápio Cláudio e Cícero — representavam justiça, legalidade e oratória cívica. O quarto painel, apagado, completaria a sequência com o valor da não degeneração do Direito, associado historicamente a Cévola, mentor de Cícero e referência central no Direito Civil romano.
Lacerda destacou ainda que o conjunto não é meramente decorativo: as figuras foram escolhidas como símbolos da ética jurisdicional, ecoando teorias sobre o ritual judicial citadas em sua pesquisa. Para ele, o prêmio representa “um coroamento” de sua trajetória acadêmica.
Premiação
O resultado final foi:
1º lugar – Bruno Lacerda
2º lugar – Rachel Lima
3º lugar – Vanessa Melnixenco
Os premiados receberam certificados e valores simbólicos de R$ 5.000, R$ 3.000 e R$ 1.000.
Por que Cévola estava ali?
Pesquisadores destacam que Cévola foi um dos principais jurisconsultos da República romana, responsável por sistematizar as Leis das XII Tábuas, base do Direito Civil. Sua presença nos painéis dialoga com um contexto brasileiro específico: o intenso debate sobre a codificação do Direito Civil, que dominou o final do século XIX e início do XX.
Quando o prédio foi inaugurado, em 1909, o projeto de Código Civil de Clóvis Beviláqua enfrentava forte contestação de Rui Barbosa, que o considerava conservador e desalinhado às mudanças sociais da transição do Império para a República.
A banca e o caráter interdisciplinar
A comissão julgadora reuniu profissionais de áreas distintas:
Bruno Vaz (jurídico da CEF), Cícero Fonseca de Almeida (Museu Histórico Nacional), Izabela Fraga (arquitetura do CCJF), Marisa Assumpção (restauração de patrimônio) e Matheus Campello (direito e iconografia).
Após as sustentações orais, o diretor-geral do CCJF, desembargador Theophilo Miguel Filho, destacou a profundidade e a abordagem interdisciplinar das pesquisas.
O prêmio
Criado pelo CCJF, o Quis Ego Sum busca incentivar a investigação histórica, reforçar a memória institucional e estimular a reflexão sobre símbolos de justiça presentes em espaços de poder.