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  • Nota técnica da UFRJ sobre os problemas da qualidade da água no Rio de Janeiro

    Da Redação em 16 de Janeiro de 2020    Informar erro
    Nota técnica da UFRJ sobre os problemas da qualidade da água no Rio de Janeiro

    Frente à dúvida acerca da qualidade da água potável distribuída para consumo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) que se instaurou nos primeiros dias de 2020 e cientes da responsabilidade acadêmica e social que a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) tem com toda a população, a Reitoria da UFRJ solicitou a docentes que desenvolvem suas linhas de pesquisa em assuntos relacionados à ecologia aquática, recursos hídricos, saneamento e saúde pública a elaboração de uma nota técnica contendo constatações e recomendações.
     
    Foi constatado que:
     
    Nos últimos dias, temos sido informados pela mídia sobre problemas de cor, turbidez e odor na água distribuída para consumo em vários bairros da cidade do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense. Essas informações não foram contestadas pela Cedae. Porém, até o momento, a empresa se pronunciou somente quanto à presença de geosmina na água e anunciou que iniciará o emprego de carvão ativado na estação de tratamento.
     
    Em 14/1/2020, a empresa divulgou, em sua página na internet, os laudos de alguns parâmetros analisados na água tratada, amostrada ao longo da rede de distribuição da RMRJ e também na estação de tratamento do Guandu. Diferentemente do que havia sido anunciado pela Cedae, os laudos divulgados até a manhã do dia 15/1/2020 não fazem referência à identificação da presença de geosmina, corroborando assim para a permanência da incerteza relacionada à qualidade da água distribuída para a população, que continua recebendo água com turbidez e odor em alguns pontos da RMRJ. Ressalta-se a importância da apresentação dos resultados das análises dos demais parâmetros preconizados na legislação vigente, bem como esclarecimentos sobre a implantação de medidas tomadas pela companhia para resolução dos problemas apontados na água distribuída. A empresa anunciou que iniciará o emprego de carvão ativado na estação de tratamento, mas não informa quando efetivamente tal medida será iniciada e quais os resultados esperados.
     
    Além disso, não foram disponibilizadas informações técnicas claras sobre a(s) causa(s) desse problema ou dos esforços que estão sendo conduzidos para identificá-la(s). As Secretarias de Saúde Estadual e Municipal também não informaram as medidas que estão sendo tomadas para garantir que a água distribuída atenda plenamente aos parâmetros de potabilidade preconizados pelo Ministério da Saúde, por meio da Portaria n o 2.914/2011, incorporada na Portaria de Consolidação n°5 do Ministério da Saúde – Anexo XX. 
     
    A geosmina não é tóxica, mas pode indicar problemas na qualidade da água bruta utilizada para o abastecimento
     
    A geosmina, um composto orgânico volátil, é produzida por algumas bactérias heterotróficas ou cianobactérias, que crescem em abundância em ambientes aquáticos com altas concentrações de nutrientes, especialmente em mananciais que recebem esgotos não tratados.
     
    Apesar de conferir odor e sabor em intensidade, que causa objeção ao consumo humano,a geosmina não é tóxica. A percepção humana sobre o sabor e odor constitui parâmetro de controle da qualidade daágua distribuída, visando, exclusivamente, a não rejeição do consumidor. Não há necessariamente risco sanitário associado, exclusivamente,ao sabor e ao odor da água.
     
    No entanto, a geosmina pode indicar a presença de cianobactérias em grande quantidade na água captada para o tratamento. Esses microrganismos podem produzir algumas toxinas muito potentes (cianotoxinas), que precisam ser removidas durante o tratamento da água para não comprometer a saúde da população. Há limites máximos aceitáveis dessas toxinas para que a água possa ser considerada potável. Os dados divulgados ontem pela Cedae mostram que nas amostras analisadas esses limites estão respeitados.
     
    A presença de geosmina ou qualquer outro composto produzido por cianobactérias não promove a mudança de cor ou turbidez na água. Essas alterações podem ser causadas pela presença de outras substâncias e/ou material particulado em suspensão na água, muitas vezes decorrente da intermitência da água na rede de distribuição. Há também limites máximos aceitáveis para esses dois parâmetros (cor e turbidez) para que a água possa ser considerada potável.
     
    Há uma ameaça real à segurança hídrica da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
     
    Excluídos os municípios de Itaboraí, São Gonçalo e Niterói, abastecidos pelo sistema produtor de água potável do Imunana-Laranjal, os demais municípios da RMRJ são atendidos em sua maior parte pelo sistema produtor do Guandu, totalizando um contingente populacional de mais de 9 milhões de habitantes. A demanda de água para esse sistema só pode ser atendida pela transposição de água do rio Paraíba do Sul. Nesse sentido, é possível afirmar que a RMRJ é refém da oferta quantitativa de água do rio Paraíba do Sul e da qualidade ambiental e sanitária dessa bacia.
     
    Apesar da importância do controle da poluição hídrica da bacia do rio Paraíba do Sul, a atual crise que vive a RMRJ é decorrente da insuficiência do sistema de esgotamento sanitário das áreas urbanas. Como resultado, esgotos sanitários em estado bruto, ou seja, desprovidos de qualquer tratamento, são drenados pelos Rios dos Poços, Queimados e Ipiranga, todos afluentes do rio Guandu, a menos de 50 metros da barragem principal e da estrutura de captação de água do sistema produtor.
     
    Embora essa condição persista desde a sua inauguração, em 1955, a ETA Guandu tem sido capaz de produzir água potável, controlada, fiscalizada e garantida pelos serviços governamentais de vigilância sanitária. Entretanto, face ao incremento dessa contribuição – dado o evidente crescimento populacional e ocupação urbana desordenada –, a ocorrência de eventos de desconformidade em relação ao padrão de qualidade da água para consumo humano como este tende a aumentar. 
     
    Assim, recomendamos às autoridades municipais e estaduais as seguintes ações:
     
    ● Modificar o sistema de governança de recursos hídricos
     
    Em primeiro lugar, é necessário que haja transparência imediata da real situação da qualidade da água distribuída para consumo pela população do Rio de Janeiro e que os setores responsáveis pelo controle e vigilância da qualidade da água atuem de forma coordenada, cooperativa e rápida para garantir água segura e de qualidade, conforme determina a legislação. Há também uma necessidade urgente de profundas modificações no sistema de governança de recursos hídricos de forma interdisciplinar e sistêmica. Essa modernização deve garantir condições para lidar com situações de emergência, com a vulnerabilidade crescente das populações humanas e dos ecossistemas. É necessário também a elaboração de planos de contingência para acompanhamento de crises dessa natureza e de suas consequências sociais e econômicas.
     
    ● Divulgar as informações e promover ações de conscientização social da amplitude da crise
     
    Os dados do monitoramento da qualidade da água devem ser disponibilizados para a população, como previsto em lei, e em eventos como este precisam ser liberados para a sociedade de forma dinâmica. É importante e necessário reconhecer publicamente e divulgar as causas de problemas no abastecimento público. A situação crítica afeta a saúde pública, causando preocupação e instabilidade social, com episódios recorrentes de manifestações em populações mais vulneráveis.
     
    ● Investir em medidas de longo prazo
     
    Enquanto a recuperação adequada dos recursos hídricos utilizados para abastecimento público não for feita, a perspectiva de recorrência de crises semelhantes num futuro próximo é bastante provável. Portanto, os investimentos necessários para essa recuperação não podem mais seradiados e devem ser considerados prioritários e estratégicos.
     
    Projetos de saneamento básico e tratamento de esgotos são fundamentais e precisam ser implantados, sendo necessário também mensurar a eficiência desses processos. Esse problema crônico tem reflexos altamente negativos na economia e na saúde pública, e está diretamente relacionado com a perda da qualidade da água de nossos mananciais, aumentando o risco e a vulnerabilidade das populações humanas. Em caráter emergencial, outras alternativas de tratamento da água também devem ser consideradas propondo-se a utilização de medidas corretivas, como oxidação avançada ou adsorção com carvão ativado. Isso tem sido anunciado pela Cedae, entretanto, destaca-se a urgência na implementação.
     
    Para uma solução definitiva, o sistema de tratamento de água deve ser modernizado a longo prazo, incluindo tecnologias mais avançadas. Todas as medidas apontadas como necessárias para garantir a segurança hídrica da população da RMRJ não implicam em desenvolvimento de novas tecnologias e jásão bastante conhecidas pelos diferentes setores envolvidos na governança de recursos hídricos e abastecimento público, mas os docentes responsáveis na elaboração desse documento se colocam à disposição para esclarecimentos, aprofundamento das informações aqui apresentadas e colaboração na elaboração das ações em todos os níveis.
     
    Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 2020.
     
    Fabiana Valéria da Fonseca Escola de Química/UFRJ
     
    Francisco de Assis Esteves Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem/UFRJ)
     
    Iene Christie Figueiredo Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente Escola Politécnica da UFRJ
     
    Isaac Volschan Jr. Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente Escola Politécnica da UFRJ
     
    Renata Cristina Picão Departamento de Microbiologia Médica Instituto de Microbiologia Paulo de Góes/UFRJ
     
    Sandra Maria Feliciano de Oliveira e Azevedo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho/UFRJ 


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