Segundo os cientistas, o pior ainda está por vir com o agravamento dos extremos climáticos no Brasil à medida que o El Niño avança para o pico de sua atividade, em dezembro.
Os especialistas preveem que a seca na Amazônia se aprofundará, além de haver mais calor no Centro-Oeste e Sudeste e fortes chuvas no Sul. Preocupa a situação do Nordeste, já que a estiagem severa é dada como certa na região no início de 2024.
O El Niño é um fenômeno que ocorre irregularmente, em média a cada três ou quatro anos, em que a distribuição de temperatura nas águas superficiais do Pacífico se altera, com consequências no clima do mundo inteiro.
O El Niño deste ano foi decretado em junho e a previsão é de que seja particularmente forte, cenário agravado pelas mudanças climáticas. O Brasil é um dos países mais afetados pelas alterações causadas pelo fenômeno e discutir seus impactos é tarefa fundamental da ciência.
O El Niño ocorre quando os ventos alísios que sopram de leste para oeste na parte equatorial do Oceano Pacífico enfraquecem, fazendo com que as águas quentes subsuperficiais, que normalmente ficam concentradas na costa asiática, subam à superfície na costa da América do Sul.
Podemos dividir o fenômeno em dois tipos: o fraco se dá quando esse ressurgimento se dá afastado da costa americana, ainda na região central do Pacífico, causando alterações climáticas menos significativas; já o forte se dá quando o aquecimento é predominante nas águas costeiras, com consequências mais intensas. É com este segundo tipo de El Niño que estamos lidando.
Esse cenário é agravado pelas mudanças climáticas. Num mundo mais quente, o aquecimento anormal das águas é ainda maior, levando a consequências climáticas mais graves. A tendência é de uma predominância de El Niños fortes no futuro. “Para a América do Sul isso significa fenômenos climáticos extremos ainda mais frequentes e imprevisíveis”, destacou a oceanógrafa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Regina Rodrigues.
Existe também um outro tipo de fenômeno climático no Pacífico. A chamada La Niña ocorre quando os ventos alísios se intensificam, gerando consequências diametralmente opostas às do El Niño. A La Niña é mais frequente que o El Niño e a tendência é de que também se torne mais intensa no futuro.
Consequências climáticas para o Brasil
O Brasil está entre os países mais afetados pelo El Niño. Entre as principais consequências está o aumento de chuvas torrenciais no Sul e secas intensas no Norte e Nordeste. A tragédia causada pelas inundações no Rio Grande do Sul em setembro está relacionada ao fenômeno. Para se ter uma ideia, uma cheia da magnitude da que ocorreu no Rio das Antas era estimada para acontecer uma vez a cada dez mil anos.
Outra consequência é a seca histórica que está afetando a Amazônia. O nível do Rio Negro nunca esteve tão baixo, e a tendência para os próximos meses é de piora.
No caso da Amazônia, os efeitos do El Niño se somam ao aquecimento das águas do Atlântico Norte, consequência das mudanças climáticas, que afetam a umidade na Região Norte e intensificam a estiagem. “Tradicionalmente, nos anos de El Niño, a seca no Norte e Nordeste tende a ser mais intensa de dezembro a maio. O fato de já estar grave em outubro e novembro significa que dessa vez pode ser catastrófica”, alertou o coordenador-geral de pesquisa do Cemaden, o Acadêmico José Marengo.
A pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Chou Sin Chan, especialista em modelagem climática, alertou que os efeitos do El Niño são sentidos também nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, tradicionalmente menos afetadas pelo fenômeno.
Isso se dá principalmente pelas chamadas ondas de calor, causadas quando “domos de calor” se instalam, aprisionando massas de ar quente. É o que está ocorrendo neste momento no Brasil, levando a temperaturas recordes em várias capitais do país.
Mitigação e adaptação às mudanças climáticas
O Brasil precisa ter estratégias claras para responder á emergência climática. O Cemaden, por exemplo, foi criado após o desastre de 2011 na região serrana do Rio de Janeiro, quando mais de mil pessoas morreram em deslizamentos e enchentes.
Desde então o centro vem tentando unificar e otimizar os alertas sobre eventos climáticos extremos, mas apenas isso não basta. “Desde 2011, cresceu em 17% o número de pessoas vivendo em áreas de risco. É preciso criar condições para que essas pessoas vivam em outros lugares”, alertou José Marengo, coordenador do Cemaden.
Mas para além da preparação para desastres, o Brasil tem um papel crucial no controle climático do planeta. O país abriga a maior floresta tropical do mundo, capaz de armazenar bilhões de toneladas de carbono que vão direto para a atmosfera se a foresta for derrubada.
O climatologista e Acadêmico Carlos Nobre, participante do Painel Intergovernamental em Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) e uma das principais referências do planeta no assunto, vem alertando para o fato de a floresta caminhar rumo a um ponto de não-retorno. “Se isso acontecer, mais de 250 bilhões de toneladas de gás carbônico vão parar na atmosfera, inviabilizando qualquer tipo de meta climática”, disse.
Nesse sentido, é fundamental que o país leve a sério o compromisso assumido na COP 26 de zerar o desmatamento até 2028, voltando a ser uma liderança global em meio ambiente.
Nobre trouxe a informação de que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pretende lançar oficialmente o projeto Arco da Restauração na COP 28. Trata-se de um projeto gigantesco de reflorestamento no sul e leste da Amazônia, região que já deixou de ser sumidouro de carbono para se tornar emissora.
Outro ponto que requer preparo é a segurança hídrica. Estimativas sugerem que as mudanças climáticas podem diminuir em até 20% a disponibilidade de água na América do Sul.
A engenheira Suzana Montenegro, diretora-presidente da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), classifica a gestão de águas como um quebra-cabeça de fatores, dentre os quais está a resiliência contra eventos climáticos extremos. “É preciso uma gestão adaptativa por parte do Estado, fortalecendo organismos de monitoramento e criando protocolos de ação para que o poder público possa agir de forma rápida e eficaz durante crises”, afirmou.
Fonte: SBC - Sociedade Brasileira de Ciências