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  • Ipanema, um bairro carioca que sempre ditou moda

    Márcio Bueno em 29 de Abril de 2020    Informar erro
    Ipanema, um bairro carioca que sempre ditou moda

    O loteamento de Ipanema começou na última década do século dezenove, mas ninguém queria morar naquele fim de mundo. A ocupação efetiva só aconteceu a partir de 1902, com a chegada dos bondes.
     
    Quando terminou a I Guerra Mundial, em 1917, Nossa Senhora da Paz foi escolhida padroeira do bairro, em agradecimento à paz mundial. Mas a singela homenagem não teve o dom de garantir a paz nem no próprio bairro.
     
    Em 1942, submarinos alemães começaram a afundar navios brasileiros. Um grupo de jovens, entre os quais o futuro jornalista e treinador da Seleção Brasileira, João Saldanha, invadiu o bar Rhenania, na Visconde de Pirajá, em frente à praça General Osório, e não deixou copo sobre mesa. A destruição foi geral. Victor Fleischer, dono do bar, era um austríaco que não nutria a menor simpatia pelo nazismo. Seu azar era ser conterrâneo de Hitler e o bar ter o nome de uma região histórica da Alemanha.
     
    Após a reconstrução, o nome germânico sabiamente foi rifado. O bar passou a se chamar Jangadeiro (no singular), copiado de uma rua próxima, a Jangadeiros, e acabaria se tornando talvez o mais concorrido point carioca de artistas, intelectuais, ativistas políticos e boêmios. Entre os quais, João Saldanha. Em suas mesas surgiram ideias de poemas, livros, jornais, shows, peças teatrais, filmes, planejou-se a derrubada da ditadura, a implantação do socialismo, a liquidação do imperialismo e até - pasmem! - projetos utópicos.
     
    Nas décadas de 1950 e 1960, reuniam-se em Ipanema os pioneiros da Bossa Nova. Na Rua Nascimento e Silva, 107, Tom ensinava "pra Elisete as canções do amor, do amor demais". No bar Veloso, Tom e Vinícius compõem o hino Garota de Ipanema para a musa Helô Pinheiro. Frank Sinatra liga dos States para o bar Veloso, onde localiza o habitué Tom Jobim e o convida para trabalharem juntos.
     
    O nome do bairro é catapultado para o resto do mundo. As ipanemenses tornam-se um ícone, passando a simbolizar o ideal de beleza. Com seus corpos dourados, biquínis cada vez mais ousados, no doce balanço a caminho do mar, são um objeto de desejo universal. Ipanema começava a ditar moda.
     
    Na agitação política de 1963, o jornalista Carlos Leonam cunha a expressão "esquerda festiva" para denominar a juventude ipanemense, dizendo que sua participação era apenas no gogó, só acontecia na praia, bares e rega-bofes. Mas até a festiva produzia. A Banda de Ipanema nasce dessas pirações, revitalizando o carnaval de rua. No começo, os homens da Banda ainda tinham o estranho hábito de usar calças e azarar as garotas. O Pasquim, lançado logo após o AI-5, concentra alguns dos melhores humoristas do país, frequentadores do bairro, e chega a vender 250 mil exemplares por semana. A oposição irreverente à ditadura é feita com as marcas registradas da linguagem e hábitos ipanemenses. O jornal parecia querer acabar com a ditadura a golpes de gargalhadas, ridicularizando os generais de plantão.
     
    Surge a atriz Leila Diniz, desbocada, transgressora. Em uma entrevista sua ao Pasquim, em 1969, os editores tiveram de substituir 72 palavrões por asteriscos. Em 1971, aos seis meses de gravidez, Leila aparece na praia de Ipanema de biquíni, exibindo o barrigão, "despudoradamente" orgulhosa. Então, uma coisa inédita. Leila sintetiza o espírito libertário do bairro. Em um curto poema, assim como curta foi sua agitada existência, deixou registrado seu talento e amor pela natureza: "Brigam Espanha e Holanda / Pelos direitos do mar / Brigam Espanha e Holanda / Porque não sabem que o mar / É de quem o sabe amar".
     
    No início da década de 1970, o píer erguido para a construção do Emissário Submarino, perto do Arpoador, torna-se "o gueto de todos os guetos, em que todas as tribos se encontravam", diz a multimídia Scarlet Moon, autora do livro "Areias Escaldantes".
     
    Era uma fauna ecumênica que professava os mais diferentes credos, e que incluía também os sem-credo. Pelo menos alguma coisa tinham em comum: o inconformismo, e sem casmurrice. Com o fim das obras do Emissário e a derrubada do píer, as tribos se deslocam para a frente do hotel Sol Ipanema e mais tarde acabam se fixando no Posto 9.
     
    Parafraseando a propaganda que diz que os nossos japoneses são melhores que os deles, o humorista Jaguar, um dos expoentes do Pasquim e autor do livro "Ipanema", resume: "Nossos tons e vinícius eram os melhores tons e vinícius do universo, nossos humoristas mais criativos, nossas bandas de Ipanema, incomparáveis, nossos paulinhos mendes campos e carlinhos de oliveiras (cronistas), mais mendes e oliveiras que em qualquer outro lugar, nossos malucos, mais malucos, nossos porres antológicos e até nossos mineiros e baianos muito melhores que os de lá, nossos cachorros mais inteligentes..." e segue nessa toada, faltando deixar claro que somente os nossos bairrismos não são tão extremados quanto os dos outros.
     
    Por Marcio Bueno
     


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