O que para alguns é apenas uma lenda urbana no Rio de Janeiro, de fato aconteceu e praticamente foi esquecido pela história. Entre outubro de 1962 e janeiro de 1963, cerca de 20 pessoas foram tiradas das ruas da então Guanabara e lançadas nos rios Guandu, Da Guarda e São Francisco pelos agentes do Serviço de Repressão à Mendicância (SRM), órgão ligado à Secretaria de Segurança do Estado da Guanabara no governo de Carlos Lacerda.
Nove morreram. A matança só terminou porque, na quarta e última viagem, na noite de 17 de janeiro, estava a pernambucana Ondilina Alves Japiassu.
Segundo a imprensa da época, ela havia sido campeã de natação na cidade onde nascera. Jogada no Rio da Guarda, a vítima nadou até o outro lado e fugiu. Dias depois, conseguiu denunciar a atrocidade que ficou conhecida como a "Operação Mata-Mendigos".
No dia 26 de janeiro de 1963, os quatro agentes da SRM presos e acusados da matança foram ouvidos na Superintendência da Polícia Judiciária.
Ao longo de mais de cinco horas, o guarda civil José Mota, o fiscal da Guarda Noturna Pedro Saturnino dos Santos (mais conhecido como "Tranca Ruas"), o motorista Mário Teixeira, da Assistência Policial, e Nilton Gonçalves da Silva, servente do Ministério da Justiça, confessaram os crimes e, sem disfarçar o cinismo, lamentaram apenas terem sido descobertos. Segundo a edição do GLOBO de 28 de janeiro de 1963, alguns dos criminosos chegaram a rir relatando os detalhes.
Apenas aqueles que pagavam diárias para esmolar eram poupados. Consta que a quadrilha saqueava os mendigos antes de espancá-los barbaramente e os jogava nos rios.
O caso virou um escândalo com repercussão internacional. Os agentes envolvidos diretamente com os crimes foram presos, e foi aberta uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia do Estado da Guanabara para apurar a ligação de autoridades de escalões mais altos do governo.
Durante essa investigação, porém, os chefes do Serviço de Repressão à Mendicância admitiram apenas que autorizavam "deportações" de pessoas em situação de rua para suas cidades de origem, fora da capital. Alegavam não saber da matança. Relator da CPI, o deputado Paulo Duque livrou, em seu relatório, qualquer responsabilidade de Lacerda no escândalo.
Fonte: Acervo O Globo