Dizem que o carioca não gosta de fila, mas a história mostra que ela é uma de nossas instituições mais antigas — e nasceu não da burocracia, mas da sede.
Era meados do século XVIII. O Rio de Janeiro, quente e úmido, suava sob o sol colonial. Quando a água finalmente jorrou no Campo de Santo Antônio — límpida, fresca, um milagre líquido trazido pelos Arcos — a cidade inteira virou o pescoço naquela direção. Não havia quem não desejasse um pouco daquele alívio.
O chafariz tornou-se o coração pulsante da urbe. Porém, onde há muita sede e pouca bica, há confusão. Imaginem a cena: o burburinho, o cheiro de suor e terra, baldes batendo uns nos outros. Os escravos, encarregados de levar água às casas senhoriais, disputavam cada centímetro de acesso à torneira. Eram cotoveladas, empurrões, gritos e, inevitavelmente, pancadaria. A água, que deveria trazer paz, trazia guerra.
Foi preciso intervir. O Conde de Bobadela, homem afeito à ordem, mandou instalar um corpo de guarda ali perto, na saída do Campo da Ajuda. A missão era simples, mas revolucionária para os costumes da terra: organizar o caos.
E assim, sob o olhar severo dos guardas, nasceu a primeira fila do Rio de Janeiro. “Um atrás do outro, em boa ordem!”, deviam gritar os soldados. A rua onde ficavam acabou ganhando o nome de Guarda-Velha — hoje a movimentada Avenida Treze de Maio — batizada pela vigilância daquela fila primordial.
Enquanto a água enchia os potes, a paisagem se transformava. O que antes fora lagoa e charco, agora ganhava ares de praça. Os franciscanos cederam terreno e o hospital da Ordem Terceira da Penitência ergueu, em 1748, sua fachada imponente, delimitando e estruturando o espaço.
O antigo Campo de Santo Antônio, aterrado, urbanizado e policiado, deixava de ser apenas um campo. Ali, entre a reza dos frades, a vigilância da guarda e o barulho da água caindo nos baldes, o povo consagrou o nome que nenhum decreto precisou assinar: nascia, batizado pela voz das ruas e pela sede saciada, o eterno Largo da Carioca.