Nascido em 1900, no interior de Pernambuco, João Francisco dos Santos, que ficou famoso com o apelido de Madame Satã, é filho de Manoel Francisco dos Santos e Firmina Teresa da Conceição, ambos descendentes de africanos escravizados.
Apesar das condições de vida adversas, a família – formada por mãe, pai e dezoito filhos – viveu bem durante alguns anos. Em 1907, o pai de João Francisco morreu, deixando a família em uma situação precária. Frente a esse cenário, Firmina Teresa, mãe do menino, decidiu trocar João por uma égua.
A troca foi feita e Laureano, o negociante de cavalos que havia conversado com Firmina Teresa, prometeu à mãe que daria casa e estudo para o menino. Apesar da promessa feita à senhora, Laureano colocou o menino para trabalhar como escravo em sua fazenda.
Um ano depois, em uma viagem até Itabaiana, na Paraíba, João conheceu Dona Felicidade, que o convidou a fugir da fazenda de Laureano. Em 1908, ele e a senhora chegaram ao Rio de Janeiro, onde Dona Felicidade montou uma pensão, chamada Hotel Itabaiano.
Após a abertura da pensão, o garoto começou a trabalhar para Dona Felicidade, quase como escravo. Cansado da vida que levava, João decidiu fugir do local e foi viver na Lapa, em 1913.
Inicialmente, morou na rua e cometeu pequenos furtos, o que acarretou algumas prisões e surras da polícia.
Anos depois, o menino começou a trabalhar como vendedor ambulante de pratos e panelas de alumínio à serviço de “Seu Bernardo”. Em 1916, quando o garoto tinha dezesseis anos, ocorreu a primeira gravação de um samba, chamado Pelo Telefone, e em 1918, João começou a trabalhar como garçom na Pensão da Lapa, uma casa de tolerância da época onde aprendeu também a cozinhar.
Em 1922, o sonho de ser artista começou a nascer dentro de Madame Satã – tudo por causa da companhia francesa Ba-ta-clan que passava uma temporada na cidade apresentando seu teatro de revista.
Anos depois, o jovem começou a trabalhar como cozinheiro na Pensão do Catete, local onde conheceu a atriz Sara Nobre, artista que o apresentou ao mundo do teatro.
Durante sua juventude, além de realizar trabalhos temporários, Madame Satã também conviveu com muitos malandros.
Homossexual e transformista, em 1923, já era conhecido como um malandro respeitado pelo seu soco de esquerda, cujo apelido era Caranguejo da Praia das Virtudes.
Madame Satã havia sido treinado por Sete Coroas, um malandro e cafetão muito conhecido na Lapa, que foi o responsável por introduzi-lo ao mundo da malandragem e ensinar-lhe truques com a navalha.
O malandro Sete Coroas, que foi considerado por Madame Satã como o maior dentre todos os malandros que ele conheceu, morreu em 1923, deixando Satã como seu substituto na Lapa e na Saúde.
No mesmo ano, Madame Satã começou a trabalhar como travesti-artista no espetáculo Loucos em Copacabana, assumindo a identidade de Mulata do Balacochê.
Na época, ele se sentia muito realizado com a profissão, e desde que havia conseguido entrar para o teatro, Satã havia se afastado da vida boêmia da Lapa.
Porém, em 1928, se meteu em uma briga, que acabou resultando na morte do vigilante noturno Alberto. Após o crime, Madame Satã foi condenado a 16 anos – essa prisão, especificamente, marca o fim da carreira artística do transformista.
Cerca de dois anos e três meses depois, Satã foi absolvido ao alegar legítima defesa. De acordo com testemunhas, quem havia dado o primeiro golpe durante a briga havia sido Alberto.
Além do assassinato do guarda, Madame Satã foi citado em outros 29 processos – 3 homicídios, 13 agressões, 2 furtos, 3 desacatos, 4 resistências a prisão, 1 ultraje ao pudor e 1 porte de arma, entre outros.
Nos processos pelos quais foi indiciado, foi condenado em 10. Além disso, atribui-se a Madame Satã cerca de cem assassinatos e mais de três mil brigas.
Após sair da prisão, Madame Satã começou a trabalhar como uma espécie de vigia em bares e botequins. Em troca, o malandro recebia dinheiro, refeições e cafés. Além de proteger estabelecimentos, impedia que outros malandros e moleques de rua fossem perseguidos, e zelava para que meretrizes não fossem vítimas de agressão ou estupro.
O surgimento de Madame Satã
No ano de 1938, João Francisco foi convencido a participar de um concurso de fantasia no baile de carnaval promovido pelo bloco Caçadores de Veados no Teatro República.
Na época, o concurso era muito famoso – atraía turistas do Brasil e do mundo, oferecia oportunidades de trabalho para os transformistas e cedia bons prêmios a quem concorresse.
Inspirada em um morcego do Nordeste do país, mais especificamente da região de Glória de Goitá, João Francisco ganhou o primeiro prêmio do concurso: um rádio e um tapete de mesa.
Dias depois, o transformista e seus amigos foram presos no Passeio Público, um parque famoso no Rio de Janeiro por ser um ponto de encontro de homossexuais.
Na hora de registrar a ocorrência, o delegado pediu que João falasse seu apelido – mas ele afirmou que não tinha nenhum e se recusou a contar seu nome verdadeiro.
Porém, o oficial reconheceu o malandro como o vencedor do concurso do Teatro da República. Associando a fantasia com o filme “Madam Satan”, de Cecil B. de Mille, que havia sido recentemente lançado no Brasil, o delegado decidiu apelidar João Francisco dos Santos de Madame Satã.
Depois de serem soltos, os amigos de João espelharam a história pela cidade – inicialmente, João não gostava do apelido, mas se conformou aos poucos.
Em pouco tempo, Madame Satã já era uma lenda no Rio de Janeiro. O apelido se espalhou tão rápido que inúmeros transformistas tentaram se batizar de Madame Satã, mas o próprio João zelava muito pela sua reputação e protegia o apelido.
Satã morreu após ter complicações de um câncer no pulmão em 1976 e foi enterrado na Ilha Grande onde tinha fixado residência.
Satã foi tema de livros, artigos, crônicas e até filmes, entre eles, Madame Satã que tem como protagonista o ator Lázaro Ramos (ver link acima).
Fonte: Wikipedia
Leia mais: