Entre os costumes curiosos da corte portuguesa instalada no Rio de Janeiro, nenhum se tornou tão comentado quanto o ritual diário de alimentação de D. João VI, que envolvia sempre — e invariavelmente — três frangos inteiros no almoço e outros três no jantar.
No Paço Real, localizado no centro do Rio, as manhãs começavam com uma coreografia culinária precisa. Três cozinheiras baianas, experientes e silenciosas, preparavam as aves temperadas com limão e alho, garantindo que estivessem no ponto exato de suculência que agradava ao soberano. Enquanto isso, um pajem abria as janelas e organizava o salão, anunciando que a refeição estava prestes a começar.
D. João VI surgia então com o olhar ávido de quem via na mesa não apenas alimento, mas um momento de prazer absoluto. Sentava-se, arregaçava discretamente as mangas e devorava os frangos com as mãos, rasgando a carne com gestos espontâneos, sem se preocupar com a formalidade que marcava os banquetes lisboetas. Os ossos eram lançados ao chão com naturalidade, como quem descarta o protocolo junto com os restos da refeição.
Certa manhã, um criado recém-chegado de Lisboa, ainda impregnado dos rigores da etiqueta da corte europeia, ousou trazer à mesa talheres de prata reluzente. O gesto causou um silêncio imediato. D. João interrompeu a refeição, olhou demoradamente para o empregado e, mastigando calmamente, respondeu com humor que entraria para a anedotária da época:
“Em Lisboa, comíamos com etiqueta. No Brasil… comemos felizes.”
A reação foi unânime: risos ecoaram pelo salão, e o jovem criado compreendeu rapidamente os novos códigos daquela corte tropicalizada. O rei voltou aos frangos, imperturbável, reafirmando um hábito que se tornaria uma das marcas mais lembradas de sua presença no Brasil.
Mais que um costume, um símbolo
Esse ritual alimentar não era apenas uma excentricidade pessoal. Ele revelava a adaptação da monarquia portuguesa ao ambiente colonial, onde os protocolos europeus eram flexibilizados diante do calor, da rotina mais descontraída e da distância da etiqueta rígida de Lisboa.
D. João VI, conhecido por seu temperamento bonachão e hábitos pouco convencionais, transformou o ato de comer frangos com as mãos em uma espécie de emblema de sua vida no Brasil — um país que, mais do que abrigo temporário, acabaria se tornando o novo centro do Império.