O samurai foi uma peça-chave para o Japão feudal. Os guerreiros valorizavam a honra e sua imagem pública. Tais valores eram mais importantes do que a própria vida. O cineasta Akira Kurosawa (1910-1998) usou dessa figura mítica para criar uma fábula.
Numa época em que os samurais estavam obsoletos, uma região é saqueada e sua população recorre a um mestre, que recruta seis outros guerreiros para ensinar-lhes técnicas de autodefesa. “Os sete samurais” (1954) rendeu ao diretor prêmios como o Leão de Prata no Festival de Veneza.
No Brasil de hoje, ter uma função e perdê-la têm sido constante na cabeça da coreógrafa Laura Samy. A diretora inspirou-se no filme para elaborar seu novo espetáculo, Sete samurais, cuja premissa parte da função social do artista para tratar de temas como intolerância, violência, além de resgatar referências como a disciplina – fundamental para a dança.
Laura divide a criação e a cena com o bailarino, ator e diretor Renato Linhares e com os bailarinos Raphael Duarte e Werik Marone – estes egressos de manifestações urbanas da dança. Somam-se a eles o compositor Sasha Amback, autor da trilha, Tainã Miranda (iluminação) e Paula Ströher (figurinos).
O espetáculo é composto por 13 cenas ou quadros, se considerarmos a forte carga imagética de cada um. A grande maioria é composta por duos e muitos dos movimentos – ou mesmo das coreografias – surgem a partir do chão. Os corpos germinam e ganham vida suscitando outros biomas e espaços físicos. Ao mesmo tempo em que crescem, fragmentam-se.
Num dos quadros, uma tela estabelece essa divisão. Os corpos adquirem uma dimensão cubista como na pintura de Picasso: ora formados somente por pés ou mãos e assim por diante.
Essa fragmentação volta pelo uso de outros objetos ou adereços. Há um solo em que Laura está coberta por panos como se por outras peles. O quadro em questão ganha vida a partir da expressividade do rosto da bailarina-atriz – a começar por seus olhos. A sutileza é um recurso presente no trabalho, cujos quadros são pontuados por forças que se contrapõem e complementam-se. E a sutileza é uma delas – fundamental no butô e na dança oriental em si.
A delicadeza surge, em diferentes momentos, em contrapartida às movimentações bruscas, ou mesmo ritmadas, como a da própria dança de rua (street dance). Essa dialética de estilos e forças estabelece-se também no contracenar dos atores-bailarinos. A proximidade dos corpos fica no limiar entre a tensão e a serenidade, atração e a repulsa, Eros X Thánatos, yin-yang.
A dialética entre forças, pensamentos ou leis é uma marca na filosofia oriental, em práticas que vão desde o budismo às artes marciais. O mundo contemporâneo está pautado por uma dialética: a polarização de pensamentos. E tal questão não é (e nem pode ser) ignorada pela arte. E, no melhor estilo Brechtniano, Laura Samy e seus bailarinos trazem do passado a inspiração para que possamos ver (e pensar) a atualidade.
Direção: Laura Samy
Dramaturgia: Laura Samy e Renato Linhares
Intérpretes: Laura Samy, Raphael Duarte (RPop), Renato Linhares e Werik de Souza (Kikinho)
Iluminação e Operação de luz: Tainã Miranda
Trilha Sonora Original: Sacha Amback
Figurino: Paula Ströher
Fotografia: João Penoni
Classificação indicativa: 14 anos
Duração: 80 min