A crise política que culminou com o suicídio do presidente Getúlio Vargas começou na madrugada de 5 de agosto de 1954, na Rua Tonelero, no episódio conhecido como o “Atentado da Rua Tonelero”.
Na ocasião, o jornalista Carlos Lacerda, feroz adversário de Getúlio, teria sido alvo de um atentado para tirar a sua vida. O major Rubens Vaz, integrante de um grupo de oficiais da Aeronáutica que dava proteção ao jornalista, teve morte instantânea.
O crime teria sido praticado pelo pistoleiro Alcino João do Nascimento, contratado pelo chefe da Guarda Pessoal de Getúlio, Gregório Fortunato.
Cinquenta anos depois do acontecimento que abalou o Brasil, Alcino João do Nascimento resolve quebrar o silêncio e faz declarações surpreendentes. Depois de cumprir 22 anos de prisão (de uma pena de 51 anos), Alcino nega que era pistoleiro e que teria sido contratado para matar Carlos Lacerda.
Segundo ele, não houve atentado e o incidente da Rua Tonelero só aconteceu depois ter sido agredido pelo major Vaz ao ser flagrado espionando o jornalista. Nesta entrevista ao Bafafá, Alcino, de 82 anos, narra o episódio com extrema lucidez.
O Sr. garante que não atentou contra a vida de Lacerda. O que então fazia na Rua Tonelero?
Tinha uma boa relação com a Guarda Pessoal do presidente Vargas. A minha incumbência era fazer um relatório sobre os discursos de Lacerda (candidato à Câmara dos Deputados) para ser entregue ao Gregório Fortunato de quem eu era informante. O major Rubens Vaz me viu em frente ao prédio do Lacerda e foi tirar satisfação. Ele me agrediu e nós entramos em luta corporal. Houve então um tiro, que o atingiu pelas costas, disparado por um revólver calibre 38 que Lacerda portava. Tive que revidar com dois tiros de meu revólver 45. A bala que matou o major foi disparada do 38. A arma do Lacerda nunca foi entregue à polícia. Acredito que o tiro era para mim, mas não acertou. Nunca fizeram a reconstituição do crime e o prontuário de atendimento do Lacerda no hospital Miguel Couto sumiu. Não poderia ter acertado o pé do Lacerda do local onde estava, a não ser que a bala fizesse uma reta e depois uma curva. Acho que ele atirou no próprio pé com sua arma. A bala de 45 o deixaria aleijado. Lacerda nunca fez exame de corpo de delito.
O Sr. desmente a tese de atentado?
Não teve contrato nem atentado. O meu comparsa, o Climério Euribes de Almeida (integrante da Guarda Pessoal do presidente), estava desarmado e fugiu correndo. Eles me acusaram de pistoleiro profissional e de outros dois crimes, um deles de latrocínio. Confessei sob tortura (choque elétrico, queimadura de cigarro e ameaça de ser jogado de avião sobre a Baía da Guanabara). Ninguém foi mais torturado que eu no Brasil. Eles queriam complicar a minha situação, porque o elemento que tem vários crimes não tem direito a nada, não é mais primário. Com isso, não tive direito a condicional.
O Sr. era pistoleiro?
Nunca fui pistoleiro. Sempre trabalhei honestamente. Fui agricultor (meu pai chegou a ter fazenda e cabeças de gado). Fui condenado a 51 anos de prisão (cumpri 21 anos e oito meses). Só não fui solto antes por conta da pressão da imprensa, apesar de ter tido bom comportamento na prisão.
Getúlio Vargas se suicidou?
Não acredito. Esse homem tinha muita personalidade. Ele era espírita e a lei do espiritismo não admite suicídio. Para mim, ele foi executado. Por quem, não sei. Eu estava preso. O Palácio do Catete estava minado por inimigos dele. O único amigo de Getúlio que estava lá no dia era o general Caiado de Castro, mais ninguém. Tinha muita gente com ambição do poder. Apesar do acesso ao presidente não ser fácil, os inimigos se infiltraram no palácio.
O que ficou desse episódio todo para o Sr.?
Foi uma fraude movida por interesses políticos. Está na cara que foi uma grande armação. Eu tenho a consciência tranqüila, não tenho recalque. Só dei tiro uma vez num ser humano (major Rubens Vaz). Eu não sou inocente, porque eu atirei. Mas não era a minha intenção. Eu cometi um erro que não tinha intenção de cometer. Não me sinto culpado pela morte de Getúlio Vargas como não me sinto culpado pela morte do major Rubens Vaz. Foi um acidente.
Entrevista concedida a Ricardo Rabelo. Outubro de 2005