Perfeito Fortuna é um dos maiores agitadores culturais do Rio de Janeiro nos últimos 20 anos. Integrante do grupo “Asdrúbal Trouxe o Trombone”, que mudou a linguagem teatral na década de 70, foi o idealizador do Circo Voador, um espaço que revolucionou a noite carioca, lançando dezenas de bandas e um conceito novo de fazer cultura. À frente da Fundição Progresso, ele questiona a iniciativa da prefeitura de reconstruir o Circo Voador com o mesmo nome, sobretudo por ele ter registrado a marca no Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
Nesta entrevista exclusiva ao Bafafá, Perfeito fala sobre seu trabalho de artista e produtor e revela que por vingança, a atual diretora do Circo, Maria Juçá registrou a marca Fundição Progresso sem nunca ter feito nada pelo espaço. Sobre o novo Circo, ele fuzila: “A curiosidade que eu tenho é saber como é feito esse empreendimento. Quem paga os salários dos funcionários é a prefeitura? Ela pode ceder o espaço para alguém explorar?”.
Como foi a experiência do Asdrúbal?
O Asdrúbal aconteceu num momento em que havia uma necessidade muito grande de um sopro no teatro. Era uma tentativa de ser fazer algo em grupo, diferente do “Arena” que era mais político e do “Oficina” que era mais lisérgico. Tínhamos uma média de idade de 20 anos. Eu entrei depois do terceiro espetáculo. Foi um momento extraordinário no teatro brasileiro, marcado pela irreverência e que não imitava ninguém. Era uma coisa arejada, diferente, e acima de tudo irresponsável, o que era necessário naquele momento em que o teatro ou abordava temas como drogas e sexo ou política. A gente não era nem uma coisa nem outra. Éramos jovens saudáveis que queriam pensar e fazer um espetáculo agradável para os outros verem e participarem. A qualidade do espetáculo era extraordinária, os atores eram muito bons e não queriam imitar o Paulo Autran, a Fernanda Montenegro, que eram referências. A gente se deu muito bem e abriu um campo para uma série de gente nova. Pena que não tenha uma literatura sobre nós. Agora que a gente vai começar a editar nossas peças.
Depois veio o Circo Voador no Arpoador. Verdade que vocês conseguiram o dinheiro vendendo camisetas?
Quando começou o Circo Voador tinham muitos grupos: o “Coringa” de dança, o “Abracadabra” de circo, o “Hombu”. A gente não tinha local para apresentar nossos espetáculos uma vez que os teatros eram ocupados por peças tradicionais. O que tínhamos era o “Opinião” à meia noite. O Asdrúbal montou um curso de teatro no Parque Lage que tinha 500 alunos. Na minha turma, trabalhei para que montássemos um espetáculo em um mês, ensaiando três vezes por semana. Era uma turma incrível que tinha o Cazuza, a Bebel Gilberto, a Alice Andrade, a Kátia Bronstein, a maioria filhos de artistas. Improvisávamos tudo, ficou muito bom, muito rápido. Incorporamos a guitarra, música ao vivo. O Asdrúbal acabou voltando para fazer mais uma peça e eu resolvi continuar dando aula. Com meu grupo encenamos uma peça no teatro Cacilda Becker onde dividíamos a bilheteria igualitariamente. Mas nosso gargalo de infra-estrutura era o espaço, sem ele não seríamos livres. Foi quando me deu a idéia de ter um circo num espaço emprestado, alugando a estrutura metálica e comprando a lona. Isso era em 1982. Foi quando corri atrás dos órgãos públicos. Depois de muito esforço tive um encontro com Dona Zoé Chagas Freitas (mulher do governador) que acabou nos arrumando um local no Arpoador. Pagamos as despesas iniciais vendendo seis mil camisetas em três noites de estréias. Mas durou pouco. Ficamos apenas dois meses e meio e veio o “rapa” mandando a gente desocupar o espaço.
Como foi a aterrissagem na Lapa?
Quem nos ajudou foi o Miro Teixeira que era candidato a governador. Através dele conseguimos ser recebidos pelo prefeito Júlio Coutinho (o mesmo que mandou fechar o espaço no Arpoador), que acabou nos oferecendo o Centro ou a Barra da Tijuca. Como este último era muito longe, descartamos de cara. Foi quando descobrimos um terreno baldio junto aos Arcos, cheio de mendigos, barra pesada mesmo. A aterrissagem na Lapa foi no dia 23 de outubro de 82 e já tínhamos patrocinador.
Fiz uma sociedade com o cenógrafo Maurício Setti e o engenheiro Márcio Calvão que passou a administrar as finanças. A mim cabia administrar o espaço. O Márcio veio então com a idéia de fazer um “shopping” cultural, captando dinheiro, construindo e depois revendendo para os artistas. Foi quando argumentei que não gostava disso, que a idéia era “fabricar” artistas, ocupando o espaço. Na mesma época, estavam começando a demolir a Fundição Progresso e acabamos intercedendo junto às autoridades para evitar isso. Anos depois de instalados nos cederam também a Fundição. O então presidente do BNDES, Márcio Fortes nos ofereceu apoio. O Márcio Calvão acabou tomando a dianteira do empreendimento dizendo que eu tinha aparecido demais. Nem sala para mim eles reservaram no novo espaço. Foi quando constatei que estavam arquitetando a minha “detonação”. O interesse pela Fundição era maior em detrimento do Circo. Foi quando eles chamaram a Maria Juçá para administrar o Circo. Fiquei bastante deprimido e dizia: “Caraca, eu fiz esse negócio e agora vou ter que brigar com esses caras”. A Juçá, que inicialmente propôs que administrássemos o local, era parecida com eles, tentava me desqualificar. Diante disso, acabei “cagando geral” e fui morar no Alto Juruá na Amazônia onde fiquei sete anos entre os índios.
Dizem que você foi traído pela produtora Maria Juçá?
O Circo Voador era gerido por uma empresa chamada “Pára-quedas do coração, a campanha do ar”, desde a época do Arpoador. Quem presidia esta entidade, sem fins lucrativos, era o José Carlos, que acabou repassando a administração do Circo para a Juçá. Neste contrato, ela obteve todos os direitos de gerir o espaço, incluindo as finanças, mas sem ter compromisso com as despesas (riso). Depois veio o episódio do João Gordo que ofendeu o então prefeito eleito Conde e que culminou no fechamento do Circo. Ainda tentamos fazer o prefeito voltar atrás, mas não teve jeito. Depois ela se juntou com o Sirkis e o Gabeira a quem Cesar Maia prometeu reconstruir o espaço. Só que não falaram comigo. Aí então, registrei a marca. Quando voltei ao Rio, ninguém queria a Fundição, que estava jogada às traças, devendo milhões de dólares ao BNDES. Procurei então o banco e disse que iria salvar o local que tinha mais de 200 processos na justiça. Eu disse para mim mesmo: “Só vou entrar nessa parada porque as pessoas olham para mim na rua como se eu fosse um ladrão, como se tivesse alguma coisa enrolada”.
Confere que ela para se vingar registrou a marca Fundição Progresso?
A Maria Juçá para fazer gracinha registrou a marca Fundição. Esse pessoal é como quem vive em colégio interno que não tem que se preocupar com o sabonete, pois quem paga é o pai. Esse pessoal vive na ilusão, pensa que as coisas são de brincadeira. Eu fundei o Circo Voador. Até hoje estou enrolado na justiça por causa de dívidas do Circo. Nós não registramos a Fundição, pois ela existe até hoje em São Cristóvão e os donos são nossos amigos e nunca se incomodaram de usarmos o nome. Já o Circo, eu registrei, pois tive a idéia do nome, juntei as pessoas para isso. Se tinha alguém que podia registrar era eu.
Como você está vendo esse novo “Circo Voador”?
A curiosidade que eu tenho é saber como é feito esse empreendimento. Quem paga os salários dos funcionários é a prefeitura? Ela pode ceder o espaço para alguém explorar? Na Fundição nós fizemos empréstimos e estamos pagando. Só o terreno é da prefeitura, a construção é toda nossa.
E a Fundição, como está?
Cada vez melhor. Desde que assumi o espaço argumento com o BNDES que se tiver dinheiro, construo rápido. Pelo menos, conseguimos renegociar as dívidas. Só falta terminar o espaço de shows onde já estamos botando o telhado com dinheiro da bilheteria. No prédio principal falta o “habite-se” definitivo que nos permitirá tirar o alvará. Com isso podem entrar três restaurantes voltados para os Arcos. Está previsto também um centro de convenções e algumas salas de cinema. Acho que com mais quatro milhões de reais a gente termina tudo.
Abril 2005